Tuesday, November 23, 2010

Você não foi perspicaz. Desculpe-me.

Custo a acreditar que seja mesmo você.

Convivi com você por quase um ano letivo. Você tinha 15 anos e de modo algum diria que era limitado.

Aparentava um bom nível cultural e uma velocidade nas respostas que destoava da maioria dos garotos da sua idade.

Por vezes eu me surpreendi com a diferença entre a imagem da "bad boy" - que você fazia questão de ostentar- com a perspicácia do seu pensamento.


Você sempre me pareceu mais confuso do que mau caráter.


Um dia vi você numa das escadas da escola com aquela sua namorada. Você estava matando aula e eu lhe disse que nada falaria. Você era o aluno e eu o professor. Não tive dúvidas e informei a orientadora do que você estava fazendo. Lembro-me de que você foi chamado à atenção. A orientadora fez o trabalho dela, eu o meu. Você é que estava fazendo a coisa errada. E tenho a certeza de que percebeu isso, pois jamais me cobrou por isso. Você sabia já no ano passado a distinção entre o que é o certo e o que é o errado. Já disse e repito, dentre todos os seus defeitos, não está a falta de inteligência.

Você é perspicaz.

Em 2009 segui o combinado da escola. Falei sobre a Europa e a questão da Xenofobia. Dei aquela aula sobre a África do Sul e me dediquei ao máximo quando falei sobre o Apartheid e o problema do racismo.

Sinceramente não me lembro do seu rosto durante essas aulas. Mas tenho certeza de que você me ouviu algumas vezes.


Vou lhe confessar um segredo: toda vez que toco num assunto que envolve violência tento chamar a atenção para o que é o errado e o que é o certo. Aprendi que adolescentes ficam interessados em histórias de violência. E aprendi o quanto é importante deixar claro sobre o quanto a violência é ruim.


Falei disso quando dei aula sobre a população da América e o genocídio dos indígenas, praticado tanto na América do Norte quanto na América do Sul. Não tem essa de que os EUA foram malvados e nós não. Todos matamos índios em nossas histórias e todos carregaremos para sempre uma parcela dessa culpa. A terra que pisamos tem parte do sangue deles.


Também me esforço para falar da violência e do preconceito quando toco no assunto sobre o Oriente Médio. Desisti de buscar um lado certo naquela encrenca toda. Sempre busco deixar claro que israelenses e palestinos cometem excessos e erros.

A maldade humana não tem lado.


Você deve ter ouvido alguma coisa do que eu disse quando falei sobre a Ásia e o Vietnã. Talvez não tenha percebido, mas quando fui crítico aos EUA o que menos me interessou foi ser anti-americano.

Aprendi a condenar a violência e não o violento.


Aprendi também a condenar o holocausto, o terrorismo e perceber que o que quer que os EUA tenham feito de errado nada justificou os ataques do 11 de setembro.


Parece complicado, mas não é. Quando se assume o compromisso com a defesa da vida fica bem fácil de saber quem é bom e quem é mal.


Você foi meu aluno e esse ano saiu da escola.


Fiquei sabendo apenas agora os motivos.


Mas você deve ter aprendido mais do que nunca agora que notícias ruins se espalham com muito mais velocidade do que as coisas boas. Aprenda isso: o gosto pela maldade e pelo sofrimento alheio não é exclusividade sua. Muitos agora que se diziam seus amigos agora se orgulham em dizer que o conheciam e a lhe rotular como idiota e "sem-noção".


Você jamais imaginou que pudesse ser vítima do julgamento dos outros como está sendo agora.

Ironia: seus amigos julgaram pessoas sem conhecer e condenaram sem a mínima legitimidade moral. Hoje você é a vítima do julgamento superficial e da ignorância. Atos que você viu de perto, de outra forma.


Você deve estar sofrendo com isso, mas deve saber que pessoas estão se divertindo às custas do seu sofrimento. Hoje. Agora.


Não acredito sinceramente que você seja um monstro. Aposto muito na ideia de que tenha se deixado levar pela bobeira que compromete a história de muitos adolescentes.


Parece fácil agora ver o quanto errou. Mas não pareceu na hora em que você errou. Você sempre me pareceu muito perspicaz. Não foi aquele dia.


Às vezes torço para que todos que citam o seu nome estejam errados. Sinceramente torço para que não seja você um dos adolescentes que estavam entre aqueles que agrediram aqueles "gays" na Paulista.

Mas os boatos e as versões me parecem tão reais que começo a crer na sua participação.


Se for você mesmo não tenho como lhe tirar a culpa. Se não errou por que não bateu, errou muito por não ter se colocado contra. A omissão é às vezes a maior aliada da maldade.


Se eu pudesse lhe dar algum conselho lhe daria o mais simples: jamais negue seu erro. Não finja que não foi com você. Pague, exigindo justiça, pelo mal que eventualmente cometeu. Nem a mais e nem a menos. Exija justiça tanto pelo que não fez quanto pelo que tenha feito.


E se puder, pense no quanto ganhará daqui para frente ao assumir um compromisso pela defesa da vida.


Você deve saber da realidade: é menor de idade e o barulho feito agora não necessariamente será da mesma proporção de uma eventual condenação. Na pior das hipóteses terá sua liberdade em menos de 2 anos. Na melhor das hipóteses desfrutará do que é mais injusto nesse país: um sistema judiciário que maltrata pobres e bajula os mais ricos.


A escolha é apenas sua. Aprender com o erro de hoje ou se safar mais uma vez.

Até quando?


E se eu pudesse lhe dizer algo olhando nos seus olhos diria: você não errou sozinho. Errei eu que não fui capaz de lhe convencer daquilo que acredito. Seus pais, suas escolas, seus amigos e toda essa sociedade hipócrita que hoje lhe condena mas que continua a criar tantos jovens que farão algo semelhante ou pior do que o que você e seus amigos fizeram.


Não duvido da necessidade de você ter algum tipo de punição. Mas não me envergonho de lhe pedir algo: desculpa.

Tuesday, November 02, 2010

Vá ao Salão do Automóvel. De metrô...

Obs.: Palpite emitido em novembro de 2010.  

O automóvel foi uma das bases da economia do século XX e tem tudo para ser uma das maiores dores de cabeça do século XXI.


Em tempos de preocupação ambiental e com uma população cada vez mais urbanizada ficou claro que não há mais como priorizar o transporte individual e abandonar o transporte coletivo.

O automóvel particular é muito mais caro e poluente do que o transporte coletivo, trem, ônibus ou metrô.

Há uma aliança entre fabricantes de automóveis, empresas petrolíferas e meios de comunicação que lucram muito com essa opção. De outro lado estão as pessoas que ficam presas em congestionamentos e condenadas a problemas respiratórios pelo excesso de veículos.


Soluções paliativas aparecem, como o carro híbrido.


A indústria automobilística emprega muita gente, paga altos impostos e contribui genero$amente para muitas campanhas eleitorais. E paga muito dinheiro para a imprensa colocar seus anúncios publicitários.


Outro setor que ganha muito com o automóvel é o da indústria da construção civil. Basear o transporte no automóvel e no caminhão é ter a certeza da necessidade de construção de rodovias, avenidas e da constante manutenção. Grandes empresas de construção civil ganham muito dinheiro para construir pistas e para tapar seus buracos. Grandes empreiteiras também contribuem genero$amente com políticos em época de eleição.


Nesse começo de novembro pós-eleição o palpiteiro testemunhou algo inusitado.

O Salão do Automóvel no Anhembi aparece como o evento da indústria automobilística. Quem passar em frente verá...TRÂNSITO!


Há a opção de transporte gratuito entre o metrô Tietê e o Anhembi, onde ocorre o culto ao automóvel.


Isso mesmo, a melhor opção de acesso ao Salão do Automóvel é de metrô e ônibus.



A imprensa não noticia isso. Limita-se a propagandear o evento. A imprensa é paga pelas montadoras para dizer que o automóvel é o maior bem que um ser humano pode adquirir. A imprensa sustentada pela propaganda do automóvel não fala mal do automóvel.

Também não fala bem de quem critica esse modelo insano e injusto. Insano porque prejudica tantos e injusto porque favorece apenas uma minoria da sociedade. A imprensa sustentada pela indústria automobilística não fala mal de quem fala mal do automóvel. Apenas não oferece espaço. Silencia. Cala. Ignora.


A imprensa brasileira que não fala mal do carro e que ignora quem fala morre de medo da "restrição à liberdade de imprensa".


Quer ir ao Salão do Automóvel?

Vá de metrô, a melhor opção. 


Obs.: Após 4 anos tivemos a ampliação dos corredores de ônibus, alguns quilômetros de metrô a mais e a ousada tentativa de Haddad em implantar ciclovias e ocupar vagas de carros com áreas de vivência. 

Em junho de 2013 uma onda de manifestações explodiu no Brasil a partir da reivindicação dos garotos do Movimento Passe Livre, críticos do modelo automobilista. 

O palpite parece atual pelo que descreve, mas está desatualizado pelo que tem ocorrido, mesmo que lentamente.   

Monday, November 01, 2010

Um recado para você

Discuti com você outro dia, às vésperas da eleição. Você não significa mais do que realmente é: alguém movido pelo desejo de ter mais e insatisfeito por ter vivido o contraste entre o que viveu e o que vive.

Sua tradição familiar é a do privilégio e esse mundo já não pode existir mais. República para você sempre foi um termo burocrático, jamais um valor.


Para ser sincero você é um símbolo para mim. Por isso sua idade, profissão, nível de renda, escolaridade ou sexo são irrelevantes. Pouco importa, pois pessoas como você existem aos milhões no meu país e com você compartilham dos mesmos valores: narcisismo, consumismo e o desejo maior de se libertar daquilo em que se meteu. Você é um novo pobre, apenas isso.

Não entende que o mundo muda porque precisa mudar. Não consegue ver mudanças para além do vidro do seu carro.

Você xinga o governo, bajula o patrão e ofende quem está no nível social mais baixo que você. Lembro-me de você dizendo que se sentiu mal quando estava numa cidade do interior de SP diante de uma manifestação do MST. Para você a presença "daqueles mendigos" era um absurdo numa cidade turística. A presença dos pobres o ofendeu, não a pobreza deles. Sei que você não se lembra do que disse, pois você fala muitas bobagens. Mas eu nunca me esqueci, pois suas palavras me entristeceram.

Você votou no Collor em 1989 porque acreditou que um governo Lula afastaria investimentos e confiscaria as aplicações financeiras. E quem fez isso foi o Collor.

Lembro-me que gente como você "se esqueceu" que tinha votado no Collor em 1989 e festejou o impedimento dele em 1992. Lembro-me de ver gente como você a xingar o Collor em setembro de 1992 e ter votado no Maluf em outubro do mesmo ano. O candidato em SP era o Suplicy e você preferiu o Maluf.

Em 1994 você votou no FHC e muita gente fez como você, diante das mudanças econômicas. Naquele momento mais gente se uniu a você e nem todos eram tão questionáveis quanto você.

Em 1998 você votou de novo em FHC. Não adiantou ouvir que o desemprego era alto e que a crise era consequência dos erros do governo. Aliás pouco adianta argumentar com você. Pois para você o universo já tem explicação e você tem todas as respostas. Você tem uma característica peculiar. Nunca duvida e jamais pergunta. Você é mesmo o dono da verdade.

Você disse que se Lula ganhasse haveria a desvalorização do Real frente ao dólar. FHC venceu com base nessa tese e desvalorizou o Real em janeiro de 1999. Você teve que pagar muito mais pelo carro financiado, mas já nem se lembra mais disso. Não porque não consegue. Apenas porque não quer se lembrar. Sua memória é seletiva por opção e não por natureza.


Em 2002 votou no Serra, pois você garantiu que se Lula ganhasse o Brasil "iria virar uma Argentina". Você e a Regina Duarte.


Lula ganhou e o Brasil não virou uma Argentina.


Em 2004 você votou no Serra para prefeito contra a Marta. Eu me lembro. Chamava Marta de "Martaxa" e acreditou no que o Serra dizia. Serra ganhou, tirou a taxa do lixo e criou outras. Mas para você isso não tem importância. Pois você nunca erra, não é mesmo?


Em 2006 votou no Serra para governador e no Alckimin para presidente. Disse que já não suportava mais a corrupção e os "mensaleiros". Não adiantou dizer que o DEM e o PSDB também tinham problemas parecidos. Você além de dono da verdade é dono da moral. Está sempre certo e só vota em gente honesta...


Em 2008 você votou no Kassab contra a Marta. Seu discurso foi muito original, pois chamava o outro lado de corrupto para defender o ex-secretário do Maluf. Sim, você sabia que Kassab era da equipe de Maluf. Mas não adianta, pois para você o mal está sempre no outro lado do muro. Você nunca erra.


Em 2010 você se superou. Reforçou seus preconceitos e passou a acreditar que uma vitória do PT significaria uma ditadura no Brasil. Você realmente acredita nisso e é impressionante como se esquece disso quando os jornais que você lê, as revistas que você compra e os canais de TV que você assiste não dão espaço para opiniões divergentes. A democracia para você não é um valor. É só uma palavrinha que enfeita seu discurso. Pega bem falar em nome da democracia. Mas para você é muito difícil ser democrático.

Ontem você votou no Serra de novo. Terá sido coincidência?


Hoje já tem um discurso pronto. Jura de pés juntos que foi graças ao Bolsa-família ou o "bolsa-esmola" como você gosta de dizer com a graça que só os arrogantes que com você convivem gostam.

Vi também o discurso do seu candidato derrotado. Não adianta lembrar que ele quebrou uma tradição de 21 anos. Serra não ligou para Dilma logo que soube da certeza de sua derrota. Foi deselegante. Você se esqueceu que Lula perdeu 3 eleições consecutivas e que nas 3 reconheceu o resultado. É elegante ligar para o vitorioso. Dilma esperou o gesto até tarde. Quando ligou ela já discursava.

Serra fez um dos discursos mais rancorosos que eu já vi na minha vida diante de uma derrota. Prometeu que a "luta apenas se iniciava naquele momento". Pensei que ele tivesse ofendido a todos que nele votaram. Se a luta só começa agora o que Serra fez desde 2002 quando perdeu a primeira vez para presidente? Brincou esse tempo todo?


Hoje eu comemoro e você lamenta. Mas não me iludo. Sua insensibilidade social não mudou de ontem para hoje. Sua arrogância não foi diminuída. E seus preconceitos não foram superados.

Você e os seus colegas de pensamento não estão preocupados em saber onde erraram. Procuram agora, desesperadamente, argumentos para justificar um erro que não foi de vocês. "A luta foi desigual", tem sido o discurso patético dos maus perdedores.

Você perdeu essa eleição e não está preocupado em ver onde errou por uma razão simples: você nunca erra.


Mas a vida segue e eu sigo o meu caminho. Sei que terei que conviver com gente como você por todo o tempo em que eu ainda estiver vivo e residente no Brasil.

É difícil conviver com você e com gente que pensa como você. Mas saiba de uma coisa. Não arredo pé do meu país e não descanso enquanto não vencer não você, mas esse tipo de pensamento mesquinho, arrogante e elitista que tanto mal faz ao meu país e ao meu povo.

Finalmente concordo com seu candidato: a luta apenas começou.

Wednesday, September 22, 2010

Neymar e tolo que não queria saber inglês

Um dia, na década de 1990, o palpiteiro fiscalizava uma turma de segundo ano do ensino médio durante uma prova de inglês. Um aluno não fazia absolutamente nada. A prova estava em branco e o garoto a esperar o tempo mínimo para sair da sala. O palpiteiro se incomodou, pois via que não era o caso de alguém que se preocupava com uma nota baixa. Havia algo pior: o descaso e a indiferença com um mal resultado. antipatia coletiva poucas vezes vista nos últimos anos.

O palpiteiro perguntou ao aluno por que ele não tentava ao menos fazer alguma coisa. O garoto disse com um tom arrogante que aquilo não era importante para ele. Sem entender como o inglês pode não ser importante para um paulistano no final do século XX o palpiteiro perguntou a razão dele pensar daquele jeito.

O aluno não titubeou e afirmou - com a certeza que só os incautos possuem - que seria um grande corredor de Fórmula 1 e que não precisaria estudar. O palpiteiro se intrigou ainda mais. Como alguém que tinha CERTEZA de que seria um corredor de Fórmula 1 poderia abrir mão da língua inglesa? O sábio da nota zero afirmou categoricamente que se talento o livraria daquela obrigação. E fez um círculo no alto da prova, em torno do próprio nome. Ao terminar o círculo sentenciou: guarde esse nome. Você vai ouvir muito falar dele.

O palpiteiro até hoje lembra do nome, pois "manda quem pode, obedece quem tem juízo". De vez em quando o google é acessado com o tal nome. Já faz mais de uma década. Até hoje nada. Nem no Kart, Fórmula Indy, Fórmula 1 ou corrida de saco.

O nome do dito cujo até agora não se projetou.


O palpiteiro se lembrou dessa história hoje, por acaso. No mesmo dia em que um moleque arrogante chamado Neymar conseguiu despertar uma antipatia coletiva que há muito não aparecia no futebol.


O palpiteiro acha que ainda pode se surpreender com o repentino sucesso do garoto que queria ser piloto de Fórmula 1 sem falar inglês. Mas enquanto isso não se confirma faz uma promessa: irá digitar o nome do Neymar logo após a busca pelo nome do outro garoto tolo.

Saturday, September 18, 2010

Jimi Hendrix

Ainda dá tempo de lembrar.

Pelé no futebol, Michael J0rdan no basquete, Picasso na pintura, Niemayer na arquitetura, Brecht no teatro, Garcia Marques na ficção, Saramago na imaginação, Aziz Ab´Saber na Geografia, Sergio Buarque de Holanda e Hobsbawn na história, Darcy Ribeiro na antropologia, Brizola no discurso político, Mandela na liderança política, Zilda Arns na humanidade, Regina Sader na doçura, Chico Buarque na MPB, David Gilmour na melodia, Noel Rosa no Samba, Adoniran Barbosa na provocação, Bezerra da Silva na malandragem, Carlos Drumond de Andrade na crônica e ...


JIMI HENDRIX NA GUITARRA


Saturday, September 11, 2010

Algumas lições do 11 de Setembro

Se tem alguma coisa que o 11 de setembro ensinou foi o impacto da sociedade da informação na vida contemporânea.


O palpiteiro estava numa sala de aula quando um aluno disse o que havia ocorrido naquela terça-feira. Arrogante, não acreditou na história e ordenou que prestasse atenção na aula. O palpiteiro estava errado e aprendeu que o professor já não era o senhor da verdade há muito tempo. Nunca tinha sido.


Os atentados foram meticulosamente planejados para causar o medo coletivo nos EUA e na Europa. Bin Laden sabia como funcionava a era da informação. Derrubar as torres gêmeas seria um ato mais do que violento. Seria e foi espetacular. Um espetáculo de horror.

Os EUA tinham um presidente com baixa popularidade e uma economia estagnada. Bush agarrou a oportunidade que lhe deram e encarou o papel de defensor do "mundo livre contra o terrorismo".


O mundo aprendeu que às vezes os inimigos se completam e desenvolvem uma necessidade mútua de existência. Bush precisava da figura de Bin Laden para justificar ações violentas e elevados gastos militares. Bin Laden precisava da violência de Bush para ter mais apoio de militantes terroristas. Aos dois nunca interessou a destruição do adversário. Foram atores de um teatro que teve a CNN, a Reuters e a Fox News como palco. E uma parte da imprensa mundial e brasileira como repetidoras inconsequentes.

Os atentados ensinaram que um presidente pode se aproveitar de uma tragédia para defender um governo imoral e uma postura militarista. Abafar problemas internos e manter a ordem social num país que vê seus impostos torrados com armas e gente desamparada com a tragédia do Katrina.


Bush usou o medo coletivo nos EUA para convencer seu povo e o Congresso a aprovar uma guerra estúpida no Iraque. Um senador chamado Barack Obama ensinou que ser uma voz contrária no momento em que a histeria coletiva leva um país a caminhar sob a ordem de um cego é um acerto. Obama votou contra a guerra do Iraque. Ou melhor, no Iraque. E deu a cara a tapa. Foi um político corajoso ao dizer publicamente e com destaque que aquela guerra era um erro.

Nas eleições de 2008 Obama se lançou candidato com a autoridade moral de quem tinha apontado o erro da guerra no Iraque. Mostrou-se um líder. O mundo aprendeu que manter a coerência de suas ideias mesmo quando todos se colocam contra elas pode ser um grande acerto.

Os atentados de 11 de setembro tem sido sistematicamente explorados pela mídia sensacionalista. Há poucos minutos o Jornal Nacional mostrou a reportagem de sempre. Uma cerimônia com gente emocionada e declarações do presidente dos EUA. Nada sobre a história. Absolutamente nada sobre a parceria entre a CIA e Bin Laden contra os russos no Afeganistão entre 1979 e 1988. Nada sobre as consequências dos atentados para a população pobre do Afeganistão e do Iraque.

A "grande" imprensa aprendeu que a melhor maneira de manipular a opinião pública -seja lá o que for isso- é ignorar a história. Fale muito sobre o presente. Dê detalhes sobre os atentados. Diferentes tomadas dos aviões que se chocaram no WTC. Cenas de familares tristes e bombeiros heróicos. Mas nunca fale sobre o que é o Departamento de Estado dos EUA e uma tal de CIA...

A "grande" imprensa só não aprendeu que um punhado de pessoas tem uma necessidade de informação maior do que a mísera ração diária de conteúdo que ela oferece. Mas se a "grande" imprensa não aprendeu, as pessoas aprenderam. A internet se tornou uma fonte importante de informação para quem quer algo além do que a mídia oferece. A "grande" imprensa vende o fast-food da notícia. Peça pelo número e tenha as mesmas notícias combinadas. Dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial especial, cebola e picles num pão com gergelim... Nem todos querem lanches prontos. Ainda há pessoas que preferem o restaurante simples, a com comida tradicional e uma boa conversa com o cozinheiro. O filé não deve ser igual para todo mundo. Há quem se contente com o prato-feito. Há quem prefira o restaurante a quilo.

As lições do 11 de setembro foram muitas. O questionamento sobre o que realmente é a "era da informação" talvez seja a maior delas. Uma lição que ainda não foi totalmente aprendida.

Saturday, September 04, 2010

Espionagem e política

O pior tipo de cobertura jornalística é aquele que se separa da história. E algo que tem marcado a imprensa mundial e a brasileira em especial é justamente o empenho em ignorar fatos históricos.

O consumidor de notícias é induzido a acreditar que está bem informado ao saber detalhes microscópicos de um caso qualquer. Descobre-se como idiota ao saber que lhe omitiram a maior parte da história.

José Serra está em meio a uma eleição na qual suas chances de vitória diminuem cada vez mais. Nos últimos dias resolveu se colocar no papel de vítima, para ver se altera alguma coisa do seu quadro de anemia eleitoral.

A acusação que faz contra o PT é grave: a violação de dados pessoais feita por gente do partido contra o PSDB e até a filha de Serra. Vendo nos detalhes e sem a ajuda da história o caso causa indignação a qualquer cidadão de bem. Nunguém tem o direito de violar a privacidade alheia para chantagear ou ter ganhos políticos num Estado de Direito. Serra estaria certo, mas...


O mesmo Serra quando foi ministro montou uma equipe de "inteligência" no Ministério da Saúde. O argumento era garantir a segurança. Qualquer grupo oficial de segurança tem esse disfarce: bisbilhotagem para segurança. Resta sempre perguntar para a segurança de quem...

Sarney não perdoa Serra até hoje, desde 2002. A filha de Sarney almejou ser candidata a presidente pelo então PFL, atual DEM. Dizem que o grupo de espiões do Serra passou a informação de que o marido de Roseana Sarney trabalhava com dinheiro ilegal. A Polícia Federal foi acionada, a candidatura de Serra deixou de ser ameaçada por Roseana e Serra disputou e perdeu para Lula em 2002. Desde então Sarney nutre uma mágoa especial por Serra.


No jornal Valor Econômico saiu uma reportagem recentemente na qual se dizia que José Serra usou os mesmos métodos para tirar seu colega de PSDB, Tasso Jereissati, da disputa para a candidatura à presidência em 2002 também. Notícia pesada, pois foi dito que Tasso chegou a chamar o aliado de Serra, Aloísio Nunes, para a briga, dentro do gabinete do FHC ainda presidente. Dois políticos saindo no tapa por conta da espionagem de Serra...


O uso da espionagem é inaceitável mas isso não quer dizer que não faça parte da política. A espionagem é tão presente quanto o caixa-dois ou as promessas que nunca serão cumpridas numa corrida eleitoral.


Há um empresário ligado ao DEM, PSDB, parte do PMDB e PT que faz uso desse tipo de recurso: Daniel Dantas. Dantas contratava uma empresa de espionagem que tinha ex-agentes da CIA, a Kroll, para espionar seus adversários na política e nos negócios. Ao menos dois jornalistas foram espionados por ele, por noticiarem fatos que o desagradavam: Ricardo Boechat, hoje na Bandeirantes e na revista Isto é, e Paulo Henrique Amorim, hoje na Reocrd. Os dois foram espionados por Dantas por meio da Kroll.

Dantas foi preso e teve dois habeas-corpus em menos de 48 horas. Os desavisados acreditaram que finalmente a Justiça brasileira resolveu respeitar os direitos dos cidadãos. Os mais maldosos acreditaram que Dantas poderia abrir a boca sobre tudo o que sabia de suas bisbilhotices. O fato é que a liberdade de Dantas foi tão boa para ele quanto para o punhado de políticos de diferentes partidos que temem pelo que ele possa um dia falar publicamente.

Daniel Dantas é temido e odiado. Dantas tem uma irmã chamada Verônica, sócia em seus negócios suspeitos. Verônica Dantas montou uma empresa com outra Verônica, filha de Serra...


Quando a imprensa se preocupa com os abusos das espionagens faz o papel de defensora do Estado de direito. Quando faz isso acusando apenas alguns e omitindo outros torna-se instrumento de disputas partidárias. Falta apenas dizer que a filha de Serra é hoje vítima de práticas de gente com quem ela chegou a ser sócia.


O palpiteiro não quer com isso justificar a eventual violência na vida pessoal de Verônica Serra. Mas não aceita ser feito de imbecil por uma imprensa nitidamente parcial.


Por curiosidade, o palpiteiro se lembrou de políticos ligados a serviços secretos e que se tornaram poderosos dentro e fora de seus países:


- Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva: montaram o Serviço Nacional de Informações, SNI. Geisel se tornou anos mais tarde presidente e Golbery o Ministro-chefe da Casa Civil em seu governo. O jornalista Élio Gáspari escreveu vários 4 livros sobre Geisel e Golbery na ditadura. As informações dos livros foram obtidas com as gravações secretas que Geisel fazia quando era presidente. Gáspari herdou as fitas com as gravações: foram digitalizadas e totalizaram 200 CDs com conversas grampeadas...

- João Batista Figueiredo foi chefe do SNI, a CIA brasileira. Deixou o cargo para ser o último general presidente da ditadura.

- Romeu Tuma foi diretor do Depto de Ordem Política e Social, DOPS, órgão que espionava e matava durante a ditadura. Tuma foi o delegado que hospedou Lula quando esse foi preso em 1980. Tuma saiu da polícia, virou político é atualmente Senador por SP tentando reeleger-se.

- George Bush, pai de George W. Bush, foi diretor da CIA nos EUA entre 1976 e 1977. Conseguiu ser vice-presidente dos EUA e se tornou presidente em seguida.

- Vladimir Putin era chefe do serviço secreto da URSS, a KGB, na Alemanha Oriental. Também virou político depois e se tornou presidente da Rússia. Hoje é primeiro-ministro naquele país.


Em comum, todos eles tiveram informações privilegidas de seus adversários ao longo de suas carreiras. Em comum, a desconfiança de que usaram essa vantagem em benefício próprio.

Tuesday, August 31, 2010

A seleção de basquete perdeu para os EUA ontem. Mas o Carlão ficou feliz, certamente.

Em 1982 a Escola Estadual de 1o e 2o graus Cândido Gonçalves Gomide tinha um dos melhores times de basquete da cidade de SP. O técnico era na verdade um professor conhecido como "Carlão".

Carlão era e é um professor que gosta de basquete e que sempre acreditou no esporte. O time que ele formou disputou um campeonato difícil e foi campeão da capital em 1982. Faltava o estadual, mas o ano era de eleição e o governo Maluf cortou verbas para ações mais importantes. Resumo: o Gomide foi para as semi-finais mas não pode disputá-las.

O palpiteiro decidiu ir para o Gomide por isso. Queria jogar basquete num país onde o futebol era o esporte mais praticado. Jogar com as mãos no país da bola no pé. Ser do contra afinal é mais do que uma opção racional...

No Gomide o palpiteiro não apenas aprendeu a jogar basquete como também o respeito a um professor que se dedicava ao que fazia. Carlão era e é o cara.

Havia uma escola particular em Pirituba, bairro do Gomide, na qual o Carlão dava aula e treinava o time de basquete também. Clandestinamente ele trazia as bolas do colégio particular para nós, da escola pública, treinarmos. Era errado. Era importante. Era justo.

Carlão conseguiu mais do que ensinar esporte. Ensinou o respeito ao estudo e à dedicação. Palavrões eram punidos com 10 flexões de braço e uma cuspida no chão era suficiente para expulsão da quadra. Carlão era linha dura num tempo em que generais eram presidentes. Mas tinha legitimidade e reconhecimento. Tinha autoridade sem violência. Carlão liderava, não mandava.

Uma geração de jogadores amadores de basquete foi formada em Pirituba graças a um único professor. Outros também contribuíram, mas era Carlão quem tinha o maior número de seguidores.

Muitos alunos cresceram, casaram e seguiram suas vidas, mas nunca deixaram de se lembrar do trabalho do Carlão.


Um deles se chamava Arthur. O palpiteiro o conheceu quando era sargento do 4o Batalhão de Infantaria e Blindados de Quataúna, em Osasco. Aquele mesmo batalhão no qual o capitão Carlos Lamarca fiugiu com um montão de fuzis que foram usados da guerrilha urbana durante a ditadura. Arthur não era guerrilheiro, mas tinha um porte que dava medo em qualquer um. Nem tinha muita habilidade, mas ganhava na força. Era antes de tudo um cara leal e muito educado. Era um ex-aluno do Carlão, enfim.


Arthur gostava de basquete e tinha um sobrinho que também pegou gosto pelo esporte. O nome do moleque era Leandro.


Pelo amor ao basquete e pela aposta em Leandro, Arthur incentivou o garoto a jogar. Carlão foi o professor.


Leandro cresceu, aprendeu e apesar de ficar muito alto continuou a ser "Leandrinho". O palpiteiro não jogou com Leandrinho em Pirituba. Mas há uma razoável probabilidade de ter esbarrado com ele em algum momento no Parque Rodrigo de Gáspari. O parque da Lagoa, para os mais antigos.


Leandrinho disparou pelo seu talento. Foi jogar no Phoenex Suns. Virou estrela, mas nunca se esqueceu de sua origem.

Dizem que até hoje dá uma força no bairro onde Carlão toca um projeto para outros meninos jogarem basquete.


Leandrinho jogou pela seleção brasileira contra os EUA ontem, pelo campeonato mundial, disputado na Turquia.. O Brasil perdeu por 70 a 68. Apenas 2 pontos.

Chegamos perto.


Leandrinho foi longe. Na NBA virou "Barbosa".

Carlão deve estar radiante, pois seu trabalho dá resultados até hoje, mais de 20 anos depois.


O Brasil perdeu. Leandrinho, Arthur e Carlão ganharam.

E o palpiteiro tem um orgulho danado de ter sido vizinho dessa gente...











Friday, April 30, 2010

30 de Abril

Em 30 de Abril de 1945 o Exército Vermelho invadiu Berlim, o nazismo foi derrotado e Hitler, o covarde, se matou.

Em 30 de Abril de 1975 o exército norte-vietnamita ocupou Saigon, atual Ho Chi Min, simbolizando a vitória socialista e a unificação do Vietnã. Ah, também simboliza a derrota dos EUA numa guerra tão sangrenta quanto cara e estúpida.

Para quem quiser ver um vídeo de propaganda política bem feito o palpiteiro recomenda esse: o hino da URSS com cenas da queda de Berlim. Repare no andamento da música e a harmonia das cenas. Até a percussão combina com a areia caindo. Isso mais ou menos em 2'05''. Clássico da Guerra Fria elaborado pelo lado de lá.

Há 65 anos.




Tuesday, February 09, 2010

Pena Branca

Um cantor pedófilo, louco e infeliz morre e a mídia brasileira transmite o funeral ao vivo. Foi o que ocorreu com aquela figura tétrica chamada Michael Jackson.

Uma apresentadora caquética, ultrapassada e fascista como a Hebe Camargo adoece e de novo está lá, a mídia brasileira disputando a melhor foto da múmia.

Um patrimônio da cultura brasileira como Pena Branca falece e o que temos são notas curtas, sem maiores pretensões. Uma cobertura quase envergonhada.

Pena Branca é para quem sabe diferenciar música caipira de um produto chamado música sertaneja, seja lá o que for isso.


A cultura brasileira é muito mais forte do que o que dizem sobre ela.

Morrem artistas e ficam as obras.

Jornais foram abertos e fechados, mas a verdadeira música brasileira resistiu.

Um dia essa mídia podre, burra e superficial perecerá.

Ninguém sentirá sua falta.

Mas ainda haverá quem queira ouvir Pena Branca. A despeito do silêncio que os ignorantes hoje lhe dedicaram.

Friday, January 08, 2010

São Luís do Paraitinga

Existe uma cidade no Vale do Paraíba que fica a poucos quilómetros de Taubaté. Essa cidade teve a honra de parir dois ilustres brasileiros, Oswaldo Cruz e Aziz Nacib Ab Saber.

Essa cidade teve a originalidade de recriar o carnaval proibindo músicas de fora e valorizando marchinhas que tivessem se submetido a concursos municipais.

Nessa cidade há uma associação de observadores de Sacis.

Em janeiro de 2008 o palpiteiro esteve lá. Esqueceu a chave do carro na porta dele. Circulou pela cidade sem pressa, almoçou e só deu falta da chave mais de 1 hora e meia depois.

Por mais de uma hora uma moradora ficou ao lado do carro, esperando o dono distraído. Sabia que não havia risco de roubo, mas que algum moleque atentado poderia jogar a chave no rio.

Por precaução e moradora ficou ao lado do carro, como se velasse um corpo.

O palpiteiro reencontrou a chave do carro e uma comissão de moradores que discutiam o que fazer com a chave. Onde entregar? A quem entregar?

A moradora entregou a chave ao palpiteiro e demonstrou ter tido aquela atitude por solidariedade. O palpiteiro não sabia como agradecer. Oferecer dinheiro a uma desconhecida que zelou por um bem que não era seu? Não era o caso.

Em janeiro de 2010 essa cidade foi muito prejudicada por uma enchente devastadora. O mesmo rio que poderia ter engolido a chave do carro do palpiteiro transbordou e suas águas muito destruiram.

O palpiteiro gosta dessa cidade. E tem uma dívida com um grupo de seus moradores. E com uma moradora em especial, cujo nome não se lembra. O palpiteiro tem um sentimento de dívida.

Nos próximos dias o palpiteiro irá a São Luis do Paraitinga para levar alguma ajuda. Quem quiser ajudar que doe alguma coisa a postos da PM em São Paulo. Produtos de limpeza e higiene pessoal são priorizados nesse momento. Muitas pessoas pensam em comida e roupas. Mas é preciso lavar as casas, limpar os lares e levar a vida em frente.

Quem puder ajudar que ajude. São Luís do Paraitinga não apenas precisa de ajuda e solidariedade: simplesmente merece.



Link do palpite de 30 de janeiro de 2008:



Para doações: