Saturday, November 23, 2013

Outro recado para você que vai prestar Fuvest

Barack Obama cursou Ciências Políticas na Universidade de Colúmbia e depois Direito em Harvard. Foi líder comunitário em Chicago. Membro do Partido Democrata, elegeu-se senador pelo Estado de Illinois, em 1996. Em 2003, quando o presidente George War Bush tinha grande apoio popular para invadir o Iraque, Obama teve a coragem de se manifestar contra. Tantos os republicanos quanto os democratas apoiaram Bush. Naqueles sombrios dias de março de 2003, quem se opunha à invasão do Iraque era facilmente rotulado de anti-patriota ou conivente com o terrorismo. Os anos se passaram e o mundo constatou o erro da guerra contra o Iraque. Obama tem essa moral até hoje, a de ter escolhido e apontado o lado certo quando a maioria surda convictamente apoiava o erro. Dito isso hoje parece ter sido fácil para ele. Mas é razoável apostar na angústia e no mal-estar que deve ter sentido quando muitos o hostilizavam por suas convicções. Seja lá o que tenha pensado, Obama é o presidente do país mais poderoso do mundo hoje. 

Fernando Henrique Cardoso estudou Ciências Sociais e se tornou professor da USP. Poderia ter se aposentado nessa condição. Ingressou na política, fundou um partido e foi presidente do Brasil, eleito e reeleito. Luis Inácio Lula da Silva era operário. Ingressou na vida sindical num momento de desgosto pessoal. Também tomou gostou pela política, fundou um partido e foi eleito e reeleito presidente do Brasil. Assim como no caso de Obama, é um exercício interessante especular se esses dois líderes políticos tinham tanta convicção das decisões que tomaram e que acabaram, por diferentes modos, trazendo resultados satisfatórios para suas pretensões políticas. 

Florestan Fernandes foi um menino pobre que trabalhava como garçom num restaurante do centro de São Paulo. Não tinha terminado os estudos no tempo certo. Cursou o "madureza" - um tipo de supletivo- e entrou na USP, no curso de Ciências Sociais. Anos mais tarde ele se tornou doutor em Sociologia. Florestan Fernandes foi professor de Fernando Henrique Cardoso e amigo de Lula. Foi conselheiro dos DOIS durante a elaboração da Constituição que temos até hoje. Florestan poderia ter se aposentado como garçom. Preferiu estudar um pouco mais. Arriscou, talvez sem saber se poderia ter ido tão longe - quem é que sabe? Mas ele tentou. Não foi presidente do Brasil. Mas formou dois deles. 

Um jovem chamado Nelson Massini ingressou na Unicamp para cursar odontologia. Queria ser dentista. No meio do curso descobriu um outro mundo. Especializou-se em Medicina Legal. Na década de 1980 já era uma referência na sua área, quando se descobriu que um dos maiores criminosos nazistas tinha vivido no Brasil. Joseph Mengele, o Anjo da Morte do Campo de Awschvitz, viveu em São Paulo, morreu afogado em Bertioga e foi enterrado no cemitério na cidade de Embu, com nome falso. O mundo deve à perspicácia de Nelson Massini a comprovação de que o corpo enterrado no Embu era mesmo de Mengele. Nelson Massini é consultor da ONU, para perícia em casos de genocídio, como os que ocorreram na antiga Iugoslávia. Massini poderia ter sido dentista. Foi muito mais longe do que isso. Quem é que sabe o quanto de dúvida pairou sobre sua cabeça nos momentos de tomada de decisão? Hoje o sucesso acadêmico e o reconhecimento público dão a impressão de um ser anormal, um ser humano inigualável. Mas também é razoável apostar que teve alguma insegurança. Assim como tiveram Obama, FHC, Lula e Florestan. 

Aziz Nacib Ab-Saber queria ser professor de escola básica. Ingressou na USP para fazer História. Apaixonou-se pela Geografia. Pouco tempo antes de terminar o curso de Geografia estava determinado a ser professor da rede estadual de ensino de São Paulo. O salário era bom na época e ele precisava ajudar os pais com as despesas dos irmãos mais novos. Um professor propôs que ele se dedicasse à pesquisa. Mas ele teria que trabalhar como jardineiro da USP, até que dessem um jeito de contratá-lo. Aziz trabalhou como jardineiro por cerca de de 4 meses. Orgulhava-se de dizer isso. Depois da curta experiência como jardineiro foi técnico de Laboratório, doutorou-se e se tornou professor da USP. Emérito, como Florestan e FHC. Aziz foi o maior conhecedor da Amazônia que o mundo já teve. Será para sempre um dos nomes para estudos ambientais no Brasil e no mundo tropical. Aziz poderia ter sido, dignamente, apenas professor da escola básica. Foi muito mais longe do que isso. Foi o Professor de todos os professores de Geografia do Brasil.

A vida nos coloca o tempo todo diante de tomadas de decisão. Algumas são banais e outras podem mudar nossas vidas para sempre. Atravessar uma rua no tempo certo, não reagir a um assalto ou aceitar o amor de alguém que nos surge de repente. Nunca sabemos, no momento da decisão, se estamos de fato acertando. Decidimos e apostamos. Às vezes com maior ou menor convicção. Mas sempre é uma aposta. 

Podemos aceitar que a vida é feita de inúmeras situações em que a dúvida nos provoca. Se for assim, aumentam as chances de suportar melhor toda a pressão, angústia e ansiedades que as dúvidas nos colocam. 

Estamos a poucas horas de mais uma edição da Fuvest. Se você acreditar que é um monstro medonho, um monstro medonho ela será. Se permitir-se aceitar que se trata de uma longa prova que exige muitas decisões, verá que não há monstro. Há uma circunstância da vida em que haverá pressão e dúvida. 

Não sei o que essa prova pedirá. Tenho certeza de que será mais uma entre tantas que já ocorreram e outras que ocorrerão. Sei que  no passado muitos se decepcionaram e que outros tiveram o sucesso desejado. Tenho certeza de que aqueles que tinham a convicção da aprovação eram muito poucos. 

Queria ter escrito alguma coisa para você nesse momento. Pensei muito sobre isso. Penso todos os anos, às vésperas dessa aberração brasileira chamada vestibular. Não sei o quanto isso poderá ajudar ou atrapalhar. Na dúvida, preferi acreditar que poderia lhe dar algum alento e dizer que muitos desejam seu sucesso. E que ter dúvida ou insegurança não é feio ou pequeno. É humano. Como são humanos os que acertam e os que erram. 

Quero muito que você acerte.  Boa prova.