Sunday, February 03, 2013

Um Renan que vem bem a calhar

O palpiteiro tem se divertido com a indignação cívica - e seletiva- de brasileiros que repudiam a eleição de Renan Calheiros para a presidência do Senado nesse início de 2013. O palpiteiro sempre temeu pelo linchamento individual que libera ódios, alivia tensões e favorece canalhas de diferentes quadrantes. Aqueles que se beneficiam com tudo o que há de errado no Brasil adoram quando você ofende, execra, pede a renúncia e aponta apenas para Renan Calheiros. 

Mas Renan é consequência, não causa. Assim como seu antecessor, José Sarney. Para conferir, basta ver a lista de presidentes do Senado. Alguma vez aquela casa já foi presidida por alguém digno de admiração nacional? Responda rápido: qual o nome de UM único presidente do Senado que tenha, de fato, relevância na nossa história?

Quem consultar a lista de presidentes da "Câmara Alta" brasileira verá nomes para lá de curiosos. Em 1973 era Filinto Muller, aquele que entregou Olga Benário Prestes, judia alemã, grávida, para a Gestapo, em plena Segunda Guerra Mundial. Filinto Muller acabou morrendo num acidente aéreo. Sabe-se lá como está sua alma...

Mas a lista de presidentes é interessante. Entre 1981 e 1983, o presidente da honrosa casa era Jarbas Passarinho. Antes, gloriosamente, Jarbas Passarinho havia sido o ministro da educação da ditadura. Conduziu a reforma no ensino no Brasil. Quando de sua participação tínhamos um sistema educacional muito restrito, mas de boa qualidade para os que nele podiam ingressar e permanecer. Após Jarbas, o sistema foi expandido. E milhões de brasileiros finalmente puderam entrar em escolas péssimas, com professores mal pagos e condições materiais muito ruins. 

Entre 1997 e 2001, o presidente do Senado foi António Carlos Magalhães. Um político cujo apelido era "Toninho Malvadeza" não merece maiores apresentações. ACM, como muitos chamavam Malvadeza, tinha poderosos e leais amigos. Sua família detém até hoje as emissoras que retransmitem a Globo na Bahia. 

O antecessor de Renan Calheiros foi José Sarney, cuja família é dona da emissora que retransmite a Globo no Maranhão.  Também é membro da Academia Brasileira de Letras, aquela entidade fundada por Machado de Assis e que conta com "gênios" da nossa língua, como Merval Pereira e Paulo Coelho. Sarney governou o Brasil entre 1985 e 1990. Foi para a história como o presidente que mais liberou concessões de emissoras de rádio e TV em nossa história. Graças aos seus critérios republicanos, temos a situação de hoje: 56 parlamentares do Congresso Nacional são sócios ou diretores de emissoras de rádio e TV. A lista obtida pelo palpiteiro não informa se há parlamentares que comandam emissoras por controle remoto...

Renan Calheiros foi apoiado por Fernando Collor, também senador por Alagoas. Collor foi presidente entre 1990 e 1992. Renan Calheiros foi seu ministro. Collor foi afastado e deixou a presidência. Renan Calheiros continuou na política e foi ministro da JUSTIÇA de FHC...

A história de Collor merece um palpite a parte. Por aqui, o que interessa lembrar é que perdeu a presidência da república e que foi por 9 anos impedido de se candidatar a qualquer cargo eletivo. Cumpriu sua pena e o povo alagoano o elegeu Senador novamente, tudo dentro da lei. Collor perdeu o cargo, o prestígio e o respeito de muita gente. Mas nunca perdeu o controle da emissora Gazeta de Alagoas, retransmissora da Globo no Estado. O palpiteiro acredita firmemente que o Senador Collor nunca misturou seus interesses políticos com os negócios de sua emissora. Qualquer um pode apostar na imparcialidade de sua TV ao noticiar casos envolvendo adversários políticos. Afinal de contas, a emissora de Collor retransmite a Globo, padrão reconhecido de isenção, honestidade e responsabilidade no trato da informação. 

As relações entre parlamentares e emissoras de TV merecem muitos estudos, investigações e discussões. Até que ponto a informação que chega pelas emissoras de rádio e TV são de fato livres dos interesses políticos de seus donos e sócios?


Renan Calheiros foi eleito com 56 votos a favor e 18 contra. Entre os 81 senadores, 4 deixaram de votar, o que naquelas circunstâncias nos permite indicar um apoio envergonhado a Renan. 


O mais inusitado na eleição de Renan Calheiros foi a forma da votação. Os senadores votaram em cédulas de papel, que foram destruídas após a contagem. O voto não foi aberto. O palpiteiro tem todo o direito de desconfiar que há muitos senadores que dizem uma coisa em público e votam no sentido contrário em segredo. Renan Calheiros foi eleito com muito mais votos do que aqueles dos senadores que o apoiaram publicamente. Teve espertinho posando de oposição ética nos microfones e de apoiador envergonhado no papelzinho que deu a vitória a Renan.


O presidente do Senado detém um poder muito grande. Apostar na destituição de Renan Calheiros agora é muito arriscado. Não sabemos do futuro e denúncias podem surgir e virar o jogo contra Renan. Por ora, ele possui muito apoio no Senado. Isso é um fato. 


O direito ao choro é livre no Brasil. Vociferar contra Renan Calheiros é legítimo. Defender sua renúncia é louvável. Mobilizar-se por investigações e eventuais punições é republicano. Mas fazer tudo isso sem questionar os demais parlamentares, senadores e deputados, assim como as relações incestuosas que muitos deles mantém com emissoras de rádio e TV é uma grande infantilidade. 

Cá entre nós: cada vez que você mirar apenas em um, os demais parlamentares terão aquela sensação de alívio, do tipo: "...ufa! ainda não nos descobriram...". 


Renan Calheiros é o Judas que os ingênuos malham no poste da "grande imprensa" nativa. Convenhamos, atacar APENAS a ele e não saber do apoio midiático que permite ter o Senado que nós temos é ótimo para alguns muito espertos. Esse ódio a Renan vem bem a calhar...     


Links fofos...

A respeito da relação entre parlamentares federais e emissoras de rádio e TV:

http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/confira-a-lista-de-parlamentares-donos-de-radio-e-tv/


A respeito da peculiar forma de votação para a presidência do Senado:

http://noticias.terra.com.br/brasil/politica/presidente-do-senado-sera-eleito-por-voto-em-cedulas-de-papel,aa58e5f59869c310VgnVCM3000009acceb0aRCRD.html