Wednesday, December 17, 2014

O que pode mudar entre EUA e CUBA.

Em 1961 os EUA decretaram o embargo comercial contra Cuba, isolando a ilha economicamente.

O regime cubano foi mantido tanto por fatores internos (propaganda, avanços sociais e repressão a opositores) quanto por fatores externos ( embargo comercial que fortaleceu o sentimento nacionalista e os recursos generosos oferecidos pela então URSS). 

Os admiradores do regime cubano ressaltam os indiscutíveis avanços sociais do país em relação ao que se observa no Caribe, entre países com características semelhantes. 

Os críticos destacam as perseguições políticas e o baixo padrão econômico, evidenciado pela carência de recursos básicos, como bens de consumo e alimentos, por exemplo. 

Em 1991 acabou a URSS, a Guerra Fria e a ajuda soviética para Cuba. Se há algo que se pode criticar tanto à direita quanto à esquerda no regime cubano é justamente a incapacidade do país em ter se preparado para sobreviver por conta própria, sem a ajuda russa ou de quem quer que fosse. 

A Guerra Fria acabou na Europa mas não na América Lationa. O embargo comercial imposto pelos EUA e o isolamento de Cuba permaneceram. O ódio anti-cubano foi mantido principalmente na Flórida, onde há uma forte e influente comunidade cubana. Esse ódio tem sido contrabandeado para o Brasil junto com camisas da Lacoste, blusas da GAP e cremes anti-celulite.

O sistema eleitoral dos EUA é doido e alguns estados têm um peso decisivo para a corrida presidencial. A Flórida é um desses estados que podem decidir qual partido governará o país, Republicanos ou Democratas. Os cubanos e seus descendentes da Flórida que podem votar tendem a condicionar seu voto ao discurso de ódio contra o regime cubano. Muito mais por conveniência eleitoral do que por motivação de princípios o embargo comercial tem sido mantido contra Cuba, que se ressente muito por isso. 


Nos últimos meses dois fatos históricos ocorreram nos EUA. O primeiro foi a declaração da ex-secretária de Estado, Hillary Clinton, de que o embargo contra Cuba deveria ser revisto. O segundo foi a aprovação de uma nova lei que permitirá a legalização de milhões de latinos ilegais que vivem nos EUA. 

Os dois fatos podem ter ser importantes para entendermos o que ocorreu hoje, 17/12/2014, o dia em que EUA e Cuba anunciaram sua reaproximação. 

De um lado, o partido democrata dos EUA parece estar inclinado em favor de maiores e melhores relações com Cuba, o que pega bem para imagem do país na comunidade internacional e abre um mercado de 11 milhões de habitantes. Parece pouco, mas em tempos de crise até consumidor pobre de Cuba é um bom negócio. 

De outro lado, Obama parece ter apostado que as eventuais irritações e perda de votos dos anti-cubanos da Flórida possam ser compensados pelos novos eleitores que serão legalizados até as eleições de 2016. De acordo com a BBC, a perda de apoio dos cubanos à política de isolamento da ilha é forte. Estaria hoje abaixo dos 50%, quando chegou a ser de 64% há 10 anos. 


O gesto de hoje é importante, mas não garante a normalização imediata das relações entre os EUA e Cuba. Isso pode ser dito com base nos seguintes entraves: 

- a oposição do partido Republicano que detém expressiva bancada no Congresso dos EUA. 

- a capacidade de lunáticos cubanos ou da CIA de provocarem algum incidente que resulte em alguma tensão entre os dois países. 

- o tipo de transição que Cuba aceita ter e que os EUA gostariam que ela tivesse. Pelo lado cubano há uma tendência de realizar reformas ao estilo chinês, em que se combina abertura da economia com manutenção do regime político. Isso tem sido feito há mais de 10 anos mas não avança por uma razão óbvia: ao contrário da China, Cuba não conta com investimentos de empresas americanas que dêem suporte econômico ao país. 

- pelo lado dos EUA há setores que se dividem. De um lado estão empresas que querem a rápida normalização das relações econômicas com o fim do embargo. Esses setores estão vendo que Cuba já faz negócios com a Venezuela, China, Canadá, países europeus e com o Brasil. Sabem principalmente que se demorarem muito perderão mercado. De outro lado estão aqueles que perderam com a revolução socialista. Empresas e bens imóveis como fazendas e hoteis foram tomados pelo estado socialista e poderão ser privatizados em algum momento. A questão é simples de ser feita, mas não é fácil de ser respondida: a quem de fato ou de direito pertencem esses bens? Aos antigos proprietários, empresas e ou descendentes, ou ao Estado cubano?

De todos os entraves que possam dificultar o processo de reaproximação entre os dois países, a questão da propriedade daquilo que foi nacionalizado - ou confiscado se preferir - é um dos mais importantes. 

É sensato acreditar que os dois lados já tenham conversado muito sobre esses problemas. Em geral, ficamos sabendo um dia algo que foi por muito tempo negociado, muitas vezes secretamente. Seria ingenuidade imaginar que as questões acima não tenham sido tratadas, em especial a das propriedades. 

De nosso lado fica a expectativa do que possa acontecer. 

Particularmente o palpiteiro aguarda o malabarismo retórico que muitos outros palpiteiros tupiniquins terão para explicar o dia de hoje. Entre alguns setores da imprensa brasileira Cuba tem sido pintada como a terra de belzebu há décadas, com especial ganho de agressividade nos últimos 6 anos. Será divertido ver gente se desdizendo em face de uma realidade que é irrefutável: a história avança e as retaliações impostas pelos EUA a Cuba precisam ser revistas e no mínimo amenizadas. 

No meio de tudo isso, a normalização das relações econômicas de Cuba com os EUA tornará o porto de Mariel, financiado pelo BNDES, muito relevante para empresas brasileiras com interesses no mercado internacional de diversos setores. Ou seja, a construção de um porto que foi visto como capricho ideológico de comunistas brasileiros poderá ser estratégica para a afirmação do capitalismo brasileiro. 

Política internacional é um troço interessante. Ás vezes muito divertido...

Por curiosidade: 

O record de tentativas de assassinato de Fidel Castro, a maioria da CIA ( que pode ser muita coisa, inclusive incompetente)...

 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2011/12/15/fidel-castro-e-pessoa-que-mais-sofreu-tentativas-de-assassinato.htm


A análise da BBC ( quem se informa pela veja é tonto)

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/12/141217_normalizacao_eua_cuba_jf



Friday, December 05, 2014

Mandela, há um ano.

Há um ano morreu Madiba Mandela. 

Há um ano o mundo reviu imagens e cenas da luta do povo sul-africano contra um regime racista oficial chamado Apartheid. O regime que em seu auge separou até o sangue de brancos e negros nos hospitais sul-africanos. 

Há pouco menos de um ano o mundo assistiu a uma das cenas mais inusitadas da história recente. Vimos uma leva de chefes de estado e de governo no estádio onde se realizou a cerimônia de despedida de Madiba Mandela. A cerimônia que teve a presença do secretário-geral da ONU, Ban Ki Mun.
A mesma cerimônia em que apenas 5 chefes de estado puderam discursar, sendo da Índia, Cuba, China, EUA e Brasil. 

Há um ano a foto da conversa amistosa entre Barack Obama e Raul Castro correu o mundo. 

Há um ano a presidenta Dilma e ex-presidentes brasileiros viajaram juntos, em missão oficial, para a despedida de Madiba Mandela. José Sarney, Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso e Lula. Há um ano...


O mundo, por alguns dias, dividiu-se entre a tristeza da partida de Madiba Mandela e o orgulho de ter compartilhado a existência com uma das maiores lideranças políticas do século XX. 

O século que teve o Holocausto, a bomba de Hiroshima e a Guerra do Vietnã. O século que aprendeu, ao custo de muito sangue e tristeza, a importância do diálogo e do respeito ao outro. O século que deveria ter ensinado alguma coisa a respeito da necessidade da tolerância frente ao diferente, divergente e incomum. 

O tempo pode ser percebido de diferentes modos. 

Para uns, um ano é quase nada. 

Para outros, pode parecer uma eternidade. 

Há um ano o mundo sorria em meio à tristeza da morte de um homem. 

Hoje vivemos ainda a incômoda e perigosa realidade do preconceito que assassina negros nos EUA, em Ferguson ou em Nova Iorque. A mesma realidade que mata tantos jovens negros no Brasil, em proporção maior do que a de jovens de outras cores. 

Vivemos a realidade da expressão do ódio sobre nordestinos e pobres. O ódio que aflora pela incapacidade de aceitação da diferença de opinião, orientação sexual, ideologia, cor da pele ou gênero. A realidade em que alguns veteranos do curso de medicina da USP estupram. A mesma realidade em que agentes da PM paulista matam fora da lei. 

Há um ano uma parte da humanidade sentiu a falta de um líder como Madiba Mandela. É bem verdade que outra parte da humanidade respirou aliviada diante da baixa de um peso-pesado da luta pela igualdade racial. 

Há um ano o mundo parecia ter parado para honrar a passagem do homem que servirá como referência de luta para muitas gerações. 

Hoje Mandela faz falta. Assim como sua postura, sua luta e sua humanidade. 

Que a lembrança de sua morte nos sirva para manter a consciência de que a luta contra o que é errado e nocivo para humanidade não deve parar, nunca. Ainda que diante de tantos que hoje se evidenciam com tanta maldade. 

Mandela vive e viverá enquanto dele nos lembrarmos.