Wednesday, January 30, 2013

Entre tantos culpados...

Hanna Arendt, a serviço da revista New Yorker, assumiu uma missão marcante para a sua vida: cobrir o julgamento de um criminoso nazista em Israel. A tarefa não foi simples. Arendt era judia e tinha sobrevivido à perseguição antissemita durante a insanidade hitlerista. Os artigos de Arendt para a revista foram reunidos e transformados num livro muito bom, chamado "Eichmann em Jerusalém". De toda a riqueza da análise do caso, a expressaõ que o palpiteiro adotou para o resto dos seu dias foi "assassino de gabinete". Explica-se. Eichmann não matou um único judeu. Diretamente. Mas era o encarregado de organizar os trens que levaram milhões de judeus, gays, comunistas, eslavos, testemunhas de Jeová, deficientes físicos e mentais, para os campos de concentração onde foram assassinados em larga escala. A defesa de Eichmann insistiu no óbvio: ele apenas "cumpria ordens". 

O nazista foi condenado à morte, enforcado, cremado e suas cinzas lançadas no Mediterrâneo, fora das águas territoriais israelenses. O entendimento do tribunal foi de responsabilidade comum. Não matou, mas ofereceu, com grande empenho, todas as condições que podia para que outros matassem. Numa frase curta: Eichmann se omitiu diante de uma tragédia inaceitável. 

O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria tem algo parecido. Ninguém poderá ser acusado de ter provocado, intencionalmente, a morte de mais de 2 centenas de jovens. Logo, não há quem pague. 

À prefeitura, caberia a devida fiscalização. Aos corpo de bombeiros também. Aos seguranças, instruções mínimas, além de um grama de humanidade. Aos proprietários, a responsabilidade pela vida de tanta gente que lhes rendiam bons lucros. Aos músicos da banda que lançaram os sinalizadores que provocaram o incêndio, um mínimo de conhecimento  e juízo. 

A legislação brasileira diferencia muito bem a prática de homicídio culposo, sem intenção, do homicídio doloso, intencional. 

No caso em questão, há fortes indícios de culpa, mas não de dolo. Com muito talento e empenho, a promotoria conseguiria a condenação de dolo de alguém, no mínimo dos proprietários. 

O palpiteiro ficou sabendo da prisão de um dos sócios da dita boate e de integrantes do grupo de cretinos que iniciaram o incêndio. A sensação principal foi a de terem detido os bobos da vez. 


Não há como um local de entretenimento, que atrai tantas pessoas, com a movimentação de funcionários e dinheiro, funcionar, irregularmente em Santa Maria sem um mínimo de negligência de corrupção das autoridades responsáveis por sua fiscalização. E não cabe a culpa direta a um ou outro funcionário específico. A realidade aponta para a responsabilidade comum de uma cadeia de muitos participantes. Nenhum com a intenção direta de matar. Todos com a responsabilidade indireta de oferecer as condições para tantas mortes. Assassinos de gabinete enfim. 

O Estado Brasileiro, nos seus 3 níveis de governo apresenta o mal do descaso, a praga da corrupção e o costume do cinismo. 

No descaso, notamos a falta de empenho em realizar suas funções mínimas, como a fiscalização de uma boate em Santa Maria ou em São Paulo - não importa o local...

A praga aparece como coisa normal. A grana que se paga a um fiscal ou qualquer outra autoridade para que não haja maiores dores de cabeça. 

Cinismo emerge da prisão de cretinos mais frágeis na cadeia de culpados. Um sócio tonto e músicos toscos no uso de material combustível. As instituições como a prefeitura, o governo do Estado e o corpo de bombeiros estarão devidamente preservados. Não demora muito a RBS Globo local - mostra imagens de bombeiros tirando gatinhos de uma árvore. E a boa imagem da corporação permanece. 


Quando tantos são culpados difícil fica de punir alguém. 


Mas se há tantos culpados na tragédia de Santa Maria, alguém irá pagar pelo que ocorreu?

Muitos já pagaram: com a vida. 

Quanto aos gabinetes, tudo continua como sempre. 

Friday, January 25, 2013

Óbvio

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1220033-sem-conseguir-internacao-jovem-volta-a-cracolandia-em-sp.shtml

Monday, January 14, 2013

Os gatos pingados da Paulista

Qualquer um que conheça um grama do que tem sido o Brasil nos últimos 20 anos saberá que forjamos três formas de pensar a respeito de política: os que admiram Lula, os que o odeiam e os que não se importam com sua existência, sucesso ou fracasso. 

Diferentes palpiteiros eleitorais têm apontado para números que fazem algum sentido quando olhamos os resultados eleitorais. Acreditam que uns 30% apoiem de fato Lula, uns 30% o detestem e uns 30% oscilem de acordo com as circunstâncias do momento. 

Se considerarmos os três últimos resultados eleitorais, 2002, 2006 e 2010, é razoável acreditar que os indiferentes se uniram aos simpatizantes, deixando os odiosos com pouco mais de 35%. 

Se considerarmos os resultados anteriores, 1989, 1994 e 1998, teremos que aceitar que os indiferentes se uniram aos raivosos contra Lula e o PT.

É por isso que as manifestações políticas contra Lula ficam engraçadas quando seus militantes mais exaltados definem o sucesso eleitoral de Lula e do PT das últimas eleições como resultado da "burrice do povo". O argumento é singelo,  pois desconsidera a própria lógica da burrice. O mesmo eleitorado que votou em Lula e no PT nas últimas 3 eleições o fez contra nas 3 anteriores. A burrice é então eventual ou apenas falta de argumentos mais consistentes?

O dia de ontem foi histórico. De acordo com a Folha de SP, cerca de 20 pessoas organizaram uma manifestação "contra Lula e o PT e em favor da honestidade". 

A conhecer a seriedade e a competência da Folha de SP com números, é seguro acreditar numa margem de erro de 10 manifestantes. O palpiteiro acredita em no mínimo 10 e no máximo 30 deles...

Mas o número dos herois da resistência a Lula não traduzem nem de longe a realidade de quem não gosta de Lula e não suporta o PT. 

Na cidade de SP, os que não votaram no PT nas últimas eleições somam, tranquilamente, milhões de pessoas. Nem todos babam de ódio ou podem ser classificados como "fascistas  manipulados pela coligação veja-globo-folha-estadão". Muitos simplesmente não concordam com as propostas, o discurso e a forma do PT governar. Tem toda a legitimidade para isso, num sistema pretensamente democrático. 


O que surpreende é notar que mesmo entre os militantes mais hidrofóbicos não houve condições de organizar ao menos 5.000 pessoas na avenida Paulista contra Lula e o PT. Quem mora em São Paulo sabe que há muito mais raivosos do que isso. 

Mas por que não conseguem se mobilizar aqueles que mais se incomodam contra Lula e o PT?

O palpiteiro acredita que são vítimas do próprio discurso. Acostumaram-se a rotular manifestantes de baderneiros. Poucos titubearam no apoio à repressão da Tropa de Choque contra grevistas, professores e militantes nas ruas do Brasil. 

Para quem acredita que pessoas que se manifestam estão sempre a agir como zumbis de sindicatos ou partidos políticos fica mesmo difícil acreditar na capacidade real que uma mobilização de manifestantes nas ruas pode provocar. 

O palpiteiro jamais se colocará contra o direito à manifestação daqueles que o fazem sem violência. Mesmo que pense em contrário. 


Mas não custa nada aos raivosos aprender algumas lições:

- mobilizar pessoas requer capacidade de liderança e organização

- uma causa comum é sempre importante, mas principalmente com um objetivo mais específico

- colocar-se contra o direito de manifestantes que pensem o contrário de você pode ter o efeito contrário: desacreditar as manifestações pacíficas de rua como instrumentos legítimos da democracia.

- esperar a mobilização de milhares de pessoas e contar com apenas 20 delas não é motivo para desânimo ou raiva. Antes de tudo é preciso fazer um balanço do que deu errado e POR QUE deu errado. Humildade não faz mal a ninguém. Nunca. 


São lições básicas que pessoas interessadas no livre exercício da democracia aprendem fazendo. Não há livro ou curso de formação política que ensine isso tão bem quanto a própria experiência e perseverança. 


O palpiteiro se solidariza com os 20 gatos pingados que dignificaram a luta por um Brasil "mais honesto e sem Lula e o PT". Por isso, recomenda a observação daqueles que já se mobilizaram no passado. Estudar a liderança de Lula como político, ao invés de demônio, pode ser um bom e significativo passo nesse aprendizado. 

Aqui, o link da histórica e retumbante manifestação

http://www1.folha.uol.com.br/poder/1214302-protesto-contra-lula-e-pt-reune-20-pessoas-na-avenida-paulista.shtml



Saturday, January 05, 2013

Retiro

O palpiteiro cumprirá o necessário retiro de janeiro. Bom para a saúde mental e para a redução das bobagens que se postam a cada segundo na internet. 

A todos um bom verão. E até lá por volta do dia 13/01/2013.