Tuesday, November 23, 2010

Você não foi perspicaz. Desculpe-me.

Custo a acreditar que seja mesmo você.

Convivi com você por quase um ano letivo. Você tinha 15 anos e de modo algum diria que era limitado.

Aparentava um bom nível cultural e uma velocidade nas respostas que destoava da maioria dos garotos da sua idade.

Por vezes eu me surpreendi com a diferença entre a imagem da "bad boy" - que você fazia questão de ostentar- com a perspicácia do seu pensamento.


Você sempre me pareceu mais confuso do que mau caráter.


Um dia vi você numa das escadas da escola com aquela sua namorada. Você estava matando aula e eu lhe disse que nada falaria. Você era o aluno e eu o professor. Não tive dúvidas e informei a orientadora do que você estava fazendo. Lembro-me de que você foi chamado à atenção. A orientadora fez o trabalho dela, eu o meu. Você é que estava fazendo a coisa errada. E tenho a certeza de que percebeu isso, pois jamais me cobrou por isso. Você sabia já no ano passado a distinção entre o que é o certo e o que é o errado. Já disse e repito, dentre todos os seus defeitos, não está a falta de inteligência.

Você é perspicaz.

Em 2009 segui o combinado da escola. Falei sobre a Europa e a questão da Xenofobia. Dei aquela aula sobre a África do Sul e me dediquei ao máximo quando falei sobre o Apartheid e o problema do racismo.

Sinceramente não me lembro do seu rosto durante essas aulas. Mas tenho certeza de que você me ouviu algumas vezes.


Vou lhe confessar um segredo: toda vez que toco num assunto que envolve violência tento chamar a atenção para o que é o errado e o que é o certo. Aprendi que adolescentes ficam interessados em histórias de violência. E aprendi o quanto é importante deixar claro sobre o quanto a violência é ruim.


Falei disso quando dei aula sobre a população da América e o genocídio dos indígenas, praticado tanto na América do Norte quanto na América do Sul. Não tem essa de que os EUA foram malvados e nós não. Todos matamos índios em nossas histórias e todos carregaremos para sempre uma parcela dessa culpa. A terra que pisamos tem parte do sangue deles.


Também me esforço para falar da violência e do preconceito quando toco no assunto sobre o Oriente Médio. Desisti de buscar um lado certo naquela encrenca toda. Sempre busco deixar claro que israelenses e palestinos cometem excessos e erros.

A maldade humana não tem lado.


Você deve ter ouvido alguma coisa do que eu disse quando falei sobre a Ásia e o Vietnã. Talvez não tenha percebido, mas quando fui crítico aos EUA o que menos me interessou foi ser anti-americano.

Aprendi a condenar a violência e não o violento.


Aprendi também a condenar o holocausto, o terrorismo e perceber que o que quer que os EUA tenham feito de errado nada justificou os ataques do 11 de setembro.


Parece complicado, mas não é. Quando se assume o compromisso com a defesa da vida fica bem fácil de saber quem é bom e quem é mal.


Você foi meu aluno e esse ano saiu da escola.


Fiquei sabendo apenas agora os motivos.


Mas você deve ter aprendido mais do que nunca agora que notícias ruins se espalham com muito mais velocidade do que as coisas boas. Aprenda isso: o gosto pela maldade e pelo sofrimento alheio não é exclusividade sua. Muitos agora que se diziam seus amigos agora se orgulham em dizer que o conheciam e a lhe rotular como idiota e "sem-noção".


Você jamais imaginou que pudesse ser vítima do julgamento dos outros como está sendo agora.

Ironia: seus amigos julgaram pessoas sem conhecer e condenaram sem a mínima legitimidade moral. Hoje você é a vítima do julgamento superficial e da ignorância. Atos que você viu de perto, de outra forma.


Você deve estar sofrendo com isso, mas deve saber que pessoas estão se divertindo às custas do seu sofrimento. Hoje. Agora.


Não acredito sinceramente que você seja um monstro. Aposto muito na ideia de que tenha se deixado levar pela bobeira que compromete a história de muitos adolescentes.


Parece fácil agora ver o quanto errou. Mas não pareceu na hora em que você errou. Você sempre me pareceu muito perspicaz. Não foi aquele dia.


Às vezes torço para que todos que citam o seu nome estejam errados. Sinceramente torço para que não seja você um dos adolescentes que estavam entre aqueles que agrediram aqueles "gays" na Paulista.

Mas os boatos e as versões me parecem tão reais que começo a crer na sua participação.


Se for você mesmo não tenho como lhe tirar a culpa. Se não errou por que não bateu, errou muito por não ter se colocado contra. A omissão é às vezes a maior aliada da maldade.


Se eu pudesse lhe dar algum conselho lhe daria o mais simples: jamais negue seu erro. Não finja que não foi com você. Pague, exigindo justiça, pelo mal que eventualmente cometeu. Nem a mais e nem a menos. Exija justiça tanto pelo que não fez quanto pelo que tenha feito.


E se puder, pense no quanto ganhará daqui para frente ao assumir um compromisso pela defesa da vida.


Você deve saber da realidade: é menor de idade e o barulho feito agora não necessariamente será da mesma proporção de uma eventual condenação. Na pior das hipóteses terá sua liberdade em menos de 2 anos. Na melhor das hipóteses desfrutará do que é mais injusto nesse país: um sistema judiciário que maltrata pobres e bajula os mais ricos.


A escolha é apenas sua. Aprender com o erro de hoje ou se safar mais uma vez.

Até quando?


E se eu pudesse lhe dizer algo olhando nos seus olhos diria: você não errou sozinho. Errei eu que não fui capaz de lhe convencer daquilo que acredito. Seus pais, suas escolas, seus amigos e toda essa sociedade hipócrita que hoje lhe condena mas que continua a criar tantos jovens que farão algo semelhante ou pior do que o que você e seus amigos fizeram.


Não duvido da necessidade de você ter algum tipo de punição. Mas não me envergonho de lhe pedir algo: desculpa.

Tuesday, November 02, 2010

Vá ao Salão do Automóvel. De metrô...

Obs.: Palpite emitido em novembro de 2010.  

O automóvel foi uma das bases da economia do século XX e tem tudo para ser uma das maiores dores de cabeça do século XXI.


Em tempos de preocupação ambiental e com uma população cada vez mais urbanizada ficou claro que não há mais como priorizar o transporte individual e abandonar o transporte coletivo.

O automóvel particular é muito mais caro e poluente do que o transporte coletivo, trem, ônibus ou metrô.

Há uma aliança entre fabricantes de automóveis, empresas petrolíferas e meios de comunicação que lucram muito com essa opção. De outro lado estão as pessoas que ficam presas em congestionamentos e condenadas a problemas respiratórios pelo excesso de veículos.


Soluções paliativas aparecem, como o carro híbrido.


A indústria automobilística emprega muita gente, paga altos impostos e contribui genero$amente para muitas campanhas eleitorais. E paga muito dinheiro para a imprensa colocar seus anúncios publicitários.


Outro setor que ganha muito com o automóvel é o da indústria da construção civil. Basear o transporte no automóvel e no caminhão é ter a certeza da necessidade de construção de rodovias, avenidas e da constante manutenção. Grandes empresas de construção civil ganham muito dinheiro para construir pistas e para tapar seus buracos. Grandes empreiteiras também contribuem genero$amente com políticos em época de eleição.


Nesse começo de novembro pós-eleição o palpiteiro testemunhou algo inusitado.

O Salão do Automóvel no Anhembi aparece como o evento da indústria automobilística. Quem passar em frente verá...TRÂNSITO!


Há a opção de transporte gratuito entre o metrô Tietê e o Anhembi, onde ocorre o culto ao automóvel.


Isso mesmo, a melhor opção de acesso ao Salão do Automóvel é de metrô e ônibus.



A imprensa não noticia isso. Limita-se a propagandear o evento. A imprensa é paga pelas montadoras para dizer que o automóvel é o maior bem que um ser humano pode adquirir. A imprensa sustentada pela propaganda do automóvel não fala mal do automóvel.

Também não fala bem de quem critica esse modelo insano e injusto. Insano porque prejudica tantos e injusto porque favorece apenas uma minoria da sociedade. A imprensa sustentada pela indústria automobilística não fala mal de quem fala mal do automóvel. Apenas não oferece espaço. Silencia. Cala. Ignora.


A imprensa brasileira que não fala mal do carro e que ignora quem fala morre de medo da "restrição à liberdade de imprensa".


Quer ir ao Salão do Automóvel?

Vá de metrô, a melhor opção. 


Obs.: Após 4 anos tivemos a ampliação dos corredores de ônibus, alguns quilômetros de metrô a mais e a ousada tentativa de Haddad em implantar ciclovias e ocupar vagas de carros com áreas de vivência. 

Em junho de 2013 uma onda de manifestações explodiu no Brasil a partir da reivindicação dos garotos do Movimento Passe Livre, críticos do modelo automobilista. 

O palpite parece atual pelo que descreve, mas está desatualizado pelo que tem ocorrido, mesmo que lentamente.   

Monday, November 01, 2010

Um recado para você

Discuti com você outro dia, às vésperas da eleição. Você não significa mais do que realmente é: alguém movido pelo desejo de ter mais e insatisfeito por ter vivido o contraste entre o que viveu e o que vive.

Sua tradição familiar é a do privilégio e esse mundo já não pode existir mais. República para você sempre foi um termo burocrático, jamais um valor.


Para ser sincero você é um símbolo para mim. Por isso sua idade, profissão, nível de renda, escolaridade ou sexo são irrelevantes. Pouco importa, pois pessoas como você existem aos milhões no meu país e com você compartilham dos mesmos valores: narcisismo, consumismo e o desejo maior de se libertar daquilo em que se meteu. Você é um novo pobre, apenas isso.

Não entende que o mundo muda porque precisa mudar. Não consegue ver mudanças para além do vidro do seu carro.

Você xinga o governo, bajula o patrão e ofende quem está no nível social mais baixo que você. Lembro-me de você dizendo que se sentiu mal quando estava numa cidade do interior de SP diante de uma manifestação do MST. Para você a presença "daqueles mendigos" era um absurdo numa cidade turística. A presença dos pobres o ofendeu, não a pobreza deles. Sei que você não se lembra do que disse, pois você fala muitas bobagens. Mas eu nunca me esqueci, pois suas palavras me entristeceram.

Você votou no Collor em 1989 porque acreditou que um governo Lula afastaria investimentos e confiscaria as aplicações financeiras. E quem fez isso foi o Collor.

Lembro-me que gente como você "se esqueceu" que tinha votado no Collor em 1989 e festejou o impedimento dele em 1992. Lembro-me de ver gente como você a xingar o Collor em setembro de 1992 e ter votado no Maluf em outubro do mesmo ano. O candidato em SP era o Suplicy e você preferiu o Maluf.

Em 1994 você votou no FHC e muita gente fez como você, diante das mudanças econômicas. Naquele momento mais gente se uniu a você e nem todos eram tão questionáveis quanto você.

Em 1998 você votou de novo em FHC. Não adiantou ouvir que o desemprego era alto e que a crise era consequência dos erros do governo. Aliás pouco adianta argumentar com você. Pois para você o universo já tem explicação e você tem todas as respostas. Você tem uma característica peculiar. Nunca duvida e jamais pergunta. Você é mesmo o dono da verdade.

Você disse que se Lula ganhasse haveria a desvalorização do Real frente ao dólar. FHC venceu com base nessa tese e desvalorizou o Real em janeiro de 1999. Você teve que pagar muito mais pelo carro financiado, mas já nem se lembra mais disso. Não porque não consegue. Apenas porque não quer se lembrar. Sua memória é seletiva por opção e não por natureza.


Em 2002 votou no Serra, pois você garantiu que se Lula ganhasse o Brasil "iria virar uma Argentina". Você e a Regina Duarte.


Lula ganhou e o Brasil não virou uma Argentina.


Em 2004 você votou no Serra para prefeito contra a Marta. Eu me lembro. Chamava Marta de "Martaxa" e acreditou no que o Serra dizia. Serra ganhou, tirou a taxa do lixo e criou outras. Mas para você isso não tem importância. Pois você nunca erra, não é mesmo?


Em 2006 votou no Serra para governador e no Alckimin para presidente. Disse que já não suportava mais a corrupção e os "mensaleiros". Não adiantou dizer que o DEM e o PSDB também tinham problemas parecidos. Você além de dono da verdade é dono da moral. Está sempre certo e só vota em gente honesta...


Em 2008 você votou no Kassab contra a Marta. Seu discurso foi muito original, pois chamava o outro lado de corrupto para defender o ex-secretário do Maluf. Sim, você sabia que Kassab era da equipe de Maluf. Mas não adianta, pois para você o mal está sempre no outro lado do muro. Você nunca erra.


Em 2010 você se superou. Reforçou seus preconceitos e passou a acreditar que uma vitória do PT significaria uma ditadura no Brasil. Você realmente acredita nisso e é impressionante como se esquece disso quando os jornais que você lê, as revistas que você compra e os canais de TV que você assiste não dão espaço para opiniões divergentes. A democracia para você não é um valor. É só uma palavrinha que enfeita seu discurso. Pega bem falar em nome da democracia. Mas para você é muito difícil ser democrático.

Ontem você votou no Serra de novo. Terá sido coincidência?


Hoje já tem um discurso pronto. Jura de pés juntos que foi graças ao Bolsa-família ou o "bolsa-esmola" como você gosta de dizer com a graça que só os arrogantes que com você convivem gostam.

Vi também o discurso do seu candidato derrotado. Não adianta lembrar que ele quebrou uma tradição de 21 anos. Serra não ligou para Dilma logo que soube da certeza de sua derrota. Foi deselegante. Você se esqueceu que Lula perdeu 3 eleições consecutivas e que nas 3 reconheceu o resultado. É elegante ligar para o vitorioso. Dilma esperou o gesto até tarde. Quando ligou ela já discursava.

Serra fez um dos discursos mais rancorosos que eu já vi na minha vida diante de uma derrota. Prometeu que a "luta apenas se iniciava naquele momento". Pensei que ele tivesse ofendido a todos que nele votaram. Se a luta só começa agora o que Serra fez desde 2002 quando perdeu a primeira vez para presidente? Brincou esse tempo todo?


Hoje eu comemoro e você lamenta. Mas não me iludo. Sua insensibilidade social não mudou de ontem para hoje. Sua arrogância não foi diminuída. E seus preconceitos não foram superados.

Você e os seus colegas de pensamento não estão preocupados em saber onde erraram. Procuram agora, desesperadamente, argumentos para justificar um erro que não foi de vocês. "A luta foi desigual", tem sido o discurso patético dos maus perdedores.

Você perdeu essa eleição e não está preocupado em ver onde errou por uma razão simples: você nunca erra.


Mas a vida segue e eu sigo o meu caminho. Sei que terei que conviver com gente como você por todo o tempo em que eu ainda estiver vivo e residente no Brasil.

É difícil conviver com você e com gente que pensa como você. Mas saiba de uma coisa. Não arredo pé do meu país e não descanso enquanto não vencer não você, mas esse tipo de pensamento mesquinho, arrogante e elitista que tanto mal faz ao meu país e ao meu povo.

Finalmente concordo com seu candidato: a luta apenas começou.