Tuesday, March 20, 2012

Da esfera ao Kony

Em 2006, a cidade de São Paulo ficou atônita diante de ataques organizados pelo PCC, ou, como prefere a imprensa infantil "facção criminosa que atua nos presídios paulistas".  Os ataques alvejaram policiais, delegacias, bases de patrulhamento e até quarteis do Corpo de Bombeiros. No auge da violência programada, até um agente da CET foi assassinado. Ônibus foram incendiados. 

A violência do PCC começou numa quinta à noite e foi piorando com o passar das horas. No domingo, além dos ataques a policiais, houv rebeliões em diversos presídios do Estado. De um lado reforço policial nas cadeias. De outro, policiais amendrotados por ataques que poderiam vir de qualquer lado, a qualquer momento. 

O padrão dos ataques do PCC foi claramente inspirado na Al Qaeda. Ações simultâneas em ataques espetaculares. Ao mesmo tempo em que assustam, dão a sensação de insegurança coletiva e de uma força da organziação desproporcional à realidade. Os ataques e sua divulgação deram ao PCC uma imagem de poder que não corresponde exatamente ao que possuem, embora sejam de fato - como provaram- capazes de assustar um Estado inteiro.

Naqueles dias o palpiteiro ficou impressionado com a disseminação das informações sobre os ataques. Boatos de que estações de metrô foram alvejadas por metralhadoras ou ataques de bombas a prédios se misturaram a casos reais. O PCC não atacou apenas com chumbo e pólvora. Usou também a informação como arma de terror. Motoqueiros passaram assustando comerciantes, que, inseguros, baixaram suas portas. Mas o mais curioso foi o uso do MSN, SMS e do Orkut, numa época em que não existia ainda o Facebook. 

O palpiteiro trabalhava na Avenida Paulista e viu bancos fechados, com as grades típicas dos dias de grandes manifestações. São Paulo teve, por volta das 17:00h, um dos piores congestionamentos de sua história. Uma cidade inteira em pânico. 


No desfecho do caso, pouco se falou sobre o papel do cidadão comum no caso. Involuntariamente, muitas pessoas ajudaram o PCC, ao disseminar informações sem um mínimo de questionamento. Claro que você conhece aquele tipo que adora uma notícia ruim. Daqueles que quando você o informa ele saca uma pior...


Desde então o palpiteiro passou a ter mais cuidado no repasse de informações que não sabe a procedência. Ou que duvida da seriedade. 

Na última semana foi o caso Kony. Um ong americana propagou um vídeo, conclamando a prisão de um criminoso que já não atua como antes há 10 anos. Ao que parece, a ong queria dinheiro, não justiça. 

Nesse mundo de informação rápida, que dá a impressão de que o mundo virou uma esfera contínua com fluxos incessantes de infromações, não custa nada fazer algumas perguntas simples: 

"Quem disse?"

"Quem me passou essa informação?"

"A quem interessa que eu me oponha a essa pessoa ou instituição?".


Velhos cuidados que deveriam nos acompanhar há milênios nunca foram tão necessários quanto hoje.

Friday, March 16, 2012

Aziz Nacib Ab Saber, professor, sempre

O dia 16 de março de 2012 foi diferente dos anteriores. Foi mais nublado, cinza. Triste. Nesse dia morreu Aziz Nacib Ab Saber. 

Para quem não o conheceu é preciso dizer algumas coisas. Para quem o conheceu, é necessário dar continuidade a muito do que ele disse. E fez.


Quando alguém morre temos muitas maneiras de dizer  o que sentimos, para o bem e para mal. Mas no caso no Aziz o que segue aqui é mais do que o pesar formal de um geógrafo. Sai como desabafo de um perpétuo aluno do velho mestre.

Havia dois Aziz, o acadêmico e o cidadão. 

O acadêmico foi genial. O cidadão, incomparável. Aziz foi o doutor da tese sobre a geomorfologia do sítio da cidade de São Paulo. Foi nele que o pessoal do Metrô fuçou para poder cavar muitos dos túneis que usamos todos os dias. Foi também um dos autores da "Teoria dos Redutos", mais conhecida como "Teoria dos Refúgios", em parceria com Paulo Vanzolini. Quem conhece Vanzolini vai entender a importância disso. O Aziz acadêmico foi o presidente da SBPC. E morreu como presidente de honra dela. Ele foi o consultor do Projeto Radam-Brasil, que serviu de base para conhecermos melhor a Amazônia. Entre tantos outros feitos, ele construiu ao longo da vida um currículo com mais de 80 páginas. O palpiteiro leu. Num dado lugar está lá: "Títulos e honrarias recebidos: medalhas de honra ao mérito científico concedidas pelos governos da França e da Argentina...". Pouca gente sabe disso.


Mas havia o Aziz cidadão. Aquele que desprezava encontros com doutores de todo o Brasil nos congressos e encontros de Geografia. Mas que adorava conversar com os estudantes. O Aziz cidadão apoiou Lula contra Collor em 1989. Assim como o fez em 1994, 1998 e 2002. Com 3 meses de governo Lula ele sentiu que o governo Federal não estava de acordo com o que ele sempre defendeu. Rompeu, politicamente, com Lula ainda no primeiro semestre de 2003. 

Quando Lula perdeu para Collor em 1989, inventaram a "Caravana da Cidadania". A ideia era aproveitar a boa votação dele para continuar uma campanha para a eleição seguinte. Foram para várias cidades pobres do país. O Aziz o acompanhou. As imagens da caravana foram tão marcantes que os conservadores mudaram a lei eleitoral de 1994. Naquele ano a propaganda eleitoral não podia ter imagens em movimento, apenas fotos...

O Aziz cidadão estudou com Florestan Fernandes, e dele foi amigo até os últimos tempos. Em 2000 o PT venceu as eleições em muitos municípios brasileiros. Em São Paulo, venceu a Marta. Estava frio, mas o palpiteiro foi para a Paulista comemorar, pois não era todo dia que São Paulo derrotava Paulo Maluf de lavada. O palpiteiro e a esposa estavam lá, embaixo da chuva fina, quando encontraram o Aziz. Ele nos abraçou e, em lágrimas, disse: "...meu filho, isso é um passo importante. O Brasil vai mudar toda a América Latina..." O palpiteiro achou exagero na hora. Quem queiser que olhe para trás. A América Latina mudou muito desde então. O Aziz estava certo, era o mestre, afinal.

Em 2002 ele também estava na Paulista, a comemorar mais uma vitória eleitoral, daquela vez, do Lula.  

Nos últimos anos se transformou numa metralhadora acadêmica e política contra as obras de transposição do  São Francisco e com o Novo Código Florestal. Ele nunca se cansou. Tornou um crítico feroz do governo Lula e de Dilma. Não se conhece manifestação direta de Lula a esse respeito. Ele sabia que a briga com o Aziz era outra.


Tanto o acadêmico quanto o cidadão foram incansáveis na defesa de um Brasil mais justo e avançado. Desde sempre. Em 1943 ele gostava de se reunir com sua turma de nerds para discutir política e ciência na então Biblioteca Municipal de São Paulo. Foram eles que deram a ela o nome de "Mário de Andrade",com todo o simbolismo que isso tem.


Mas hoje ele faleceu. Hoje se foi o homem que disse: "...num país rico, estudam para manter a riqueza. Num país pobre, lutamos para mudar tudo..."


Hoje estava nublado. Foi um dia triste para o país. Mas é certo dizer que ele apenas nos deixou. Enquanto não nos calarmos e não nos conformarmos com o que está errado e seguirmos lutando, ele vive. As suas ideias e a fala nas nossas memórias ainda estão muito vivas. Descanse em paz, professor.