Friday, March 16, 2012

Aziz Nacib Ab Saber, professor, sempre

O dia 16 de março de 2012 foi diferente dos anteriores. Foi mais nublado, cinza. Triste. Nesse dia morreu Aziz Nacib Ab Saber. 

Para quem não o conheceu é preciso dizer algumas coisas. Para quem o conheceu, é necessário dar continuidade a muito do que ele disse. E fez.


Quando alguém morre temos muitas maneiras de dizer  o que sentimos, para o bem e para mal. Mas no caso no Aziz o que segue aqui é mais do que o pesar formal de um geógrafo. Sai como desabafo de um perpétuo aluno do velho mestre.

Havia dois Aziz, o acadêmico e o cidadão. 

O acadêmico foi genial. O cidadão, incomparável. Aziz foi o doutor da tese sobre a geomorfologia do sítio da cidade de São Paulo. Foi nele que o pessoal do Metrô fuçou para poder cavar muitos dos túneis que usamos todos os dias. Foi também um dos autores da "Teoria dos Redutos", mais conhecida como "Teoria dos Refúgios", em parceria com Paulo Vanzolini. Quem conhece Vanzolini vai entender a importância disso. O Aziz acadêmico foi o presidente da SBPC. E morreu como presidente de honra dela. Ele foi o consultor do Projeto Radam-Brasil, que serviu de base para conhecermos melhor a Amazônia. Entre tantos outros feitos, ele construiu ao longo da vida um currículo com mais de 80 páginas. O palpiteiro leu. Num dado lugar está lá: "Títulos e honrarias recebidos: medalhas de honra ao mérito científico concedidas pelos governos da França e da Argentina...". Pouca gente sabe disso.


Mas havia o Aziz cidadão. Aquele que desprezava encontros com doutores de todo o Brasil nos congressos e encontros de Geografia. Mas que adorava conversar com os estudantes. O Aziz cidadão apoiou Lula contra Collor em 1989. Assim como o fez em 1994, 1998 e 2002. Com 3 meses de governo Lula ele sentiu que o governo Federal não estava de acordo com o que ele sempre defendeu. Rompeu, politicamente, com Lula ainda no primeiro semestre de 2003. 

Quando Lula perdeu para Collor em 1989, inventaram a "Caravana da Cidadania". A ideia era aproveitar a boa votação dele para continuar uma campanha para a eleição seguinte. Foram para várias cidades pobres do país. O Aziz o acompanhou. As imagens da caravana foram tão marcantes que os conservadores mudaram a lei eleitoral de 1994. Naquele ano a propaganda eleitoral não podia ter imagens em movimento, apenas fotos...

O Aziz cidadão estudou com Florestan Fernandes, e dele foi amigo até os últimos tempos. Em 2000 o PT venceu as eleições em muitos municípios brasileiros. Em São Paulo, venceu a Marta. Estava frio, mas o palpiteiro foi para a Paulista comemorar, pois não era todo dia que São Paulo derrotava Paulo Maluf de lavada. O palpiteiro e a esposa estavam lá, embaixo da chuva fina, quando encontraram o Aziz. Ele nos abraçou e, em lágrimas, disse: "...meu filho, isso é um passo importante. O Brasil vai mudar toda a América Latina..." O palpiteiro achou exagero na hora. Quem queiser que olhe para trás. A América Latina mudou muito desde então. O Aziz estava certo, era o mestre, afinal.

Em 2002 ele também estava na Paulista, a comemorar mais uma vitória eleitoral, daquela vez, do Lula.  

Nos últimos anos se transformou numa metralhadora acadêmica e política contra as obras de transposição do  São Francisco e com o Novo Código Florestal. Ele nunca se cansou. Tornou um crítico feroz do governo Lula e de Dilma. Não se conhece manifestação direta de Lula a esse respeito. Ele sabia que a briga com o Aziz era outra.


Tanto o acadêmico quanto o cidadão foram incansáveis na defesa de um Brasil mais justo e avançado. Desde sempre. Em 1943 ele gostava de se reunir com sua turma de nerds para discutir política e ciência na então Biblioteca Municipal de São Paulo. Foram eles que deram a ela o nome de "Mário de Andrade",com todo o simbolismo que isso tem.


Mas hoje ele faleceu. Hoje se foi o homem que disse: "...num país rico, estudam para manter a riqueza. Num país pobre, lutamos para mudar tudo..."


Hoje estava nublado. Foi um dia triste para o país. Mas é certo dizer que ele apenas nos deixou. Enquanto não nos calarmos e não nos conformarmos com o que está errado e seguirmos lutando, ele vive. As suas ideias e a fala nas nossas memórias ainda estão muito vivas. Descanse em paz, professor. 

3 comments:

Helcio said...

Manifesto aqui o meu pesar pelo Prof. Aziz. Nós brasileiros tivemos uma grande perda, pois ele amava o nosso país. Escolheu ficar e dar sua contribuição aqui. Um grande amigo me ensinou a prestar atenção ao que o Aziz dizia e a partir daí aprendi a respeitá-lo. Descanse em paz.

Tamires said...

"Aziz nascido para saber"


Uma perda inestimável.

Didoné said...

Saudações, professor Moraes.

De acordo com reportagem do UOL, no dia anterior à sua morte, Ab'Saber entrega ao SBPC seu último livro (a ser editado), bem como um DVD com toda sua obra, desde 1946 a 2010. A vontade do professor era que sua obra fosse distribuída "ao SBPC, às Universidades e ao maior número de pessoas".

Mais uma vez, uma bela lição de que o conhecimento só tem valia quando compartilhado. Sentiremos saudades; aprendamos com mais essa lição.