Monday, November 26, 2012

Há saída

Às vezes o noticiário revela verdades que mesmo o mais manipulador dos mortais não teria como negar. Às vezes a realidade é tão gritante que surge asssim mesmo, intrometida, sem pudores, mas nem por isso menos discreta.
 
Há poucos dias Boris Casoy, um representante do jornalismo capenga, teve que pagar, por acordo judicial, assim como sua empregadora a Rede Bandeirantes de TV, uma indenização de 21 mil reais a um gari. Quem lembra do caso, sabe que Boris Casoy fez um comentário preconceituoso contra o homem. Era um 31 de dezembro e o Jornal da Bandeirantes colocou saudações de feliz ano-novo de pessoas anônimas, literalmente, pois não havia caracteres que as identificasse. Numa delas um gari desejou felicidades a todos os que o vissem. Boris Casoy ironizou, menosprezando a sinceridade do gari. O áudio da fala do "homem branco, rico, letrado e superior" ao gari vazou. Pegou muito mal. No dia seguinte, Boris Casoy piorou as coisas. Pediu desculpas pelo vazamento do áudio, não pelo conteúdo do que disse. A Bandeirantes fez pior: manteve o "nobre" jornalista no ar e em seu quadro de "apresentadores de alto nível". Bem verdade que no horário da meia-noite, quando garis dormem...
 
Os anos se passaram e aparentemente justiça se fez. A moral ofendida do gari não pode ser reparada por 21 mil reais, dinheiro que não fará falta alguma a Casoy e ao grupo Bandeirantes. Mas o caráter simbólico da decisão é relevante. Lamentalvemente a imprensa que saúda a justiça que condena políticos silencia diante daquela que pune - com leveza, é verdade- os maus jornalistas. De todo modo, o gari passará um ótimo natal e um agradável ano-novo. A felicidade que ele desejou a todos, e que Boris Preconcetuoso-Arrogante Casoy desdenhou, fará a felicidade dele. Quem disse que o bem desejado não retorna?
 
Hoje o palpiteiro leu no Estadão a notícia que completa a realidade perturbadora, que protege garis e que ofende a outros. Trata-se da declaração do Reitor da Unesp de que as 3 universidades públicas estaduais de SP adotarão uma política de cotas sociais. De acordo com ele, será "semelhante ao que o governo Federal aprovou, porém melhor". 
 
Na notícia que o palpiteiro leu no Estadão, cerca de 50% das vagas nas "3 irmãs" ( USP, UNESP e UNICAMP) seriam destinadas a alunos de escolas públicas a partir de 2014. Destas, 35% para alunos negros ou pardos.
 
Como de costume, a notícia suscitará declarações raivosas contra as injustiças, a oportunista "defesa da escola pública" e o conceito para lá de retorcido de uma tal "meritocracia". Seja lá o que seus defensores entendam o que seja. 
 
Discursos hidrofóbicos a parte, o que se percebe é que o governo do Estado resolveu se mexer. Após os resultados das eleições de 2010 e 2012, descobriu que a questão social e racial não podem ser ignoradas no Brasil. Muito menos camufladas por "analistas" e "palpiteiros" de bem, brancos, escolarizados, com todos os dentes na boca e, em alguns casos, alérgicos a garis.
 
As mudanças que apontam para a inserção socioeconômica dos mais pobres, social e racialmente excluídos ao longo da história, vieram para ficar. Em pouco tempo deixaremos de discutir se devem ou não ser implantadas. Não demorará para avançarmos na discussão a respeito de COMO deverão ser efetivadas.
 
O palpiteiro tem uma triste notícia aos que desejam um país exclusivamente branco na sua elite e sem espaço para o pleno exercício da cidadania de pobres, negros e garis: esse país está deixando de existir. Devagar demais, é verdade. Mas está.
 
Em outros tempos você, amigo racista, teria a violência, o golpe, a repressão para conter esse tipo de avanço. Conseguiu isso no passado, no Brasil, na África do Sul. Naqueles tempos a CIA acreditava que seu racismo dava a vantagem de conter o comunismo. A história avançou, o comunismo não é mais assunto da CIA e os EUA - país de cotas raciais - tem um negão na presidência da República.
 
Na falta de meios extra-civilizatórios, o palpiteiro sugere que vá para Nova Iorque ou para a Suíça. Não que você incomode alguém por aqui, afinal você tende a ser uma minoria cada vez mais insignifcante como referência de ideias. Mas pelo seu próprio bem. A longo prazo, o desconforto e o sofrimento que você sente hoje só tende a aumentar. Vá por mim. Vá por você. Vá por nós.  

Saturday, November 24, 2012

Não deixe de perder: lista de coisas inúteis para a Fuvest

Amanhã, 25 de Novembro de 2012, teremos mais uma prova de primeira fase da Fuvest. Tem sido assim há décadas. Trata-se de primeira etapa de avaliação aos interessados em estudar e seguir alguma carreira oferecida pela Universidade de São Paulo, a USP. 

A USP é cercada não apenas por muros, mas também por mitos, lendas e julgamentos que variam desde a admiração sincera até a inveja mais descabida e mal disfarçada. A Fuvest é o nome da Fundação para o Vestibular, entidade que elabora as provas e organiza a sua aplicação que se dá em duas fases para a maioria dos cursos. Alguns têm provas de aptidão, como Arquitetura e Música, o que resulta numa avaliação a mais. 

Como de costume, algumas coisas se repetirão ao longo do dia de hoje. Conselhos, comentários e "dicas" para as pobres almas vulgarmente conhecidas como "vestibulandos". O palpiteiro não quis ficar de fora, pois sempre há uma oportunidade para se promover à custa do sofrimento alheio. No interesse de facilitar a vida daqueles que se submeterão ao moedor de carne chamado Fuvest, seguem aqui algumas dicas do que o vestibulando realmente não precisa:

Estudar até o último minuto - 

Tontice pura. O cidadão ouve aqueles testemunhos dos caras que passaram nas provas anteriores e se impressiona com o desabafo "se não fosse olhar a tabela periódica antes da prova não teria conseguido aquele precioso ponto para a segunda fase...". Numa prova de 90 questões, conseguir um mísero ponto com o desespero nas horas que precedem o exame é discutível. Se o cidadão precisou de 53 pontos para determinada carreira, isso significa que ele garantiu 52 antes do dia da primeira prova. Horas antes do exame, ficar tranquilo, distrair-se com coisas banais, prazerosas e seguras podem dar mais resultado do que a pressão que só uma apostila de cursinho pode oferecer...

Fórmula 1 - 


Totalmente inútil para a cidade, para o país e para quem vai prestar a Fuvest, a despeito dos lucros que rendem aos seus promotores, donos de hoteis e empresários ligados ao turismo em São Paulo. Pois bem, teremos a prova da primeira fase da Fuvest simultaneamente ao GP Brasil, em Interlagos. Para a maioria dos vestibulandos isso não causará maiores problemas. Para quem mora na Zona Sul, nas imediações de Interlagos, isso significará trânsito, stress e aumento de tensões. Além disso, o grande número de agentes da CET que conduzirão o trânsito em Interlagos deixarão de fazê-lo nos locais de prova da Fuvest onde haverá mais carros. São Paulo é jenial. Promove um GP de Fórmula 1, que atrais milhares de carros, no mesmo dia em que um exame para mais de 100 mil pessoas será aplicado. Tudo correrá bem para quem se precaver. Mas não deixa de ser interessante o palpite: confirmado a simultaneidade do GP Brasil com a Fórmula 1, podemos ficar tranquilos para a Copa 2014 em São Paulo...


Dúvidas a respeito da carreira na hora da prova - 

O garoto de 17 anos fez a inscrição há alguns meses e, em meio a incertezas, selecionou uma carreira da qual ele não tem muita convicção de seguir. Na hora da prova, ao invés de se concentrar, resolve se questionar por que optou por Geologia ao invés de Nutrição ou Letras... Não é feio ter dúvidas na vida. É muito nobre se questionar. MAS NÃO NA HORA DA PROVA. Por algum desígnio divino ou da natureza, o cidadão fez uma determinada escolha. Se vai fazer a prova, é coerente jogar conforme o combinado. Se não quiser fazer o curso ou se arrependeu amargamente por qualquer outro motivo, resolva depois. A prova é uma oportunidade de reflexão e testes de conhecimentos. Aproveitar esse momento para aprimorar a capacidade de ser testado é no mínimo interessante.

Certeza - 

Apenas os idiotas a possuem. E, geralmente, quanto mais certeza, maior a idiotice. Alguns jovens pensam: "Vou entrar na USP com 18 anos, concluir meu curso aos 23, seguir minha carreira, curtir a vida, casar-me aos 39 anos, comprar meu Iate aos 43 e subir o Everest antes dos 60 anos..." Não é estúpido fazer planos e sonhar para o futuro. Estúpido é acreditar que planos traçados aos 18 anos serão realizados EXATAMENTE do jeito que foram elaborados. Se você elaborou um plano com tanta certeza e detalhamento o palpiteiro lamenta: você tem uma lista de desejos, não um plano. Eventualmente um mau desempenho na Fuvest pode alterar esse plano. O que não quer dizer que deva ser descartado. Viver é arriscar, errar, aprender e seguir. 

Cobertura "jornalística" sobre a Fuvest -


A imprensa aparentemente presta um serviço quando aborda a Fuvest nos dias que antecedem a sua aplicação. Informar a respeito do trânsito ou indicar algumas dificuldades de acesso é trabalho jornalístico. Mas raramente essas matérias acrescentam algo ao que o vestibulando já sabe. O cara já leu o manual, já sabe onde fará a sua prova e deve ter uma noção do tempo e do que será preciso para chegar até o local da prova. Mas o mais interessante é assistir aquela matéria jornalística com aquele tom "...tensão antes da Fuvest, candidatos aproveitam os últimos momentos de preparação, nesse cursinho...". 
A emissora líder de audiência mostra professores dando aula, entrevista alguns alunos e, coincidentemente, o cursinho onde a "matéria jornalística" foi gravada anuncia no intervalo comercial... Existe uma certa emissora que até esconde o nome e o logotipo do cursinho, mas deixa "acidentalmente" aparecer as cores e o visual que identifica o dito cujo. Campanha de marketing bem feita é aquela em que você vende o produto sem que o cliente perceba que foi induzido a fazê-lo. Isso mesmo: essas "matérias jornalísticas" nada mais são do que isso. Peças publicitárias disfarçadas de jornalismo.


Assumir culpa alheia - 

Passar na USP não é fácil. São mais de 130  mil candidatos para pouco mais de 10 mil vagas. A maioria será excluída muito menos por incapacidade acadêmica e muito mais pela simples injustiça de não haver um número digno de oportunidades para mais pessoas. O Estado brasileiro não foi capaz de resolver isso. O governo federal, o estadual e o municipal poderiam fazer muito mais pela educação do que fazem. Se o resultado de sua omissão é excluir jovens, o que se deve fazer é colocar as coisas nos seus devidos lugares. Fazer a prova com toda a dedicação e honestidade que lhe cabe. E exigir, continuamente, que essa situação mude. Há jovens que se sentem muito mal após o exame diante de um desempenho ruim. Passam a julgar a si mesmos. Autocrítica é importante, mas você não deve carregar nas costas a culpa da incompetência do Estado brasileiro no ensino superior. Menos.

Conduta de mau perdedor - 


O palpiteiro ingressou no curso de Geografia da USP em 1993. Em cinco anos de curso, pagou apenas pela  taxa de inscrição para a Fuvest e R$ 40,00 para o calígrafo escrever o diploma. Fez um bom curso, com excelentes professores e instalações muito boas, mesmo que abaixo do ideal. A USP proporciona isso em praticamente todas as carreiras. Mesmo nos cursos em que faltam equipamentos, há sobra de professores que compensam de algum modo. 
As universidades privadas atuam nessa realidade: absorvem as pessoas que não puderam ingressar numa universidade pública. Algumas - poucas - o fazem com dignidade. A maioria só quer ganhar dinheiro. Nessa história o palpiteiro tem percebido um discursinho pitoresco entre alguns jovens de classe média. Não admitem claramente que possuem poucas chances de ingressar na USP. Deve ser duro para alguns adolescentes entenderam que seus pais gastaram muito dinheiro para pagar escolas caras que eles não aproveitaram. Pior para aqueles que acreditam que o dinheiro compra muita coisa, menos vaga na USP. Seria digno repensar a vida. Alguns fazem isso. Outros não. Preferem falar mal da USP. Bradam que a "estrutura" é precária ( o palpiteiro sempre quis saber qual: a óssea, a molecular ou a dos prédios...). Querem acreditar que "só tem greve" e que a USP já era. Ou que "já não é mais a mesma".  Assim fica mais fácil pagar por cursos de qualidade discutível que cobram mais de R$ 1.500,00 mensais, além de outras taxas. É muito bom valorizar a universidade privada que presta um bom serviço. Mas não é elegante diminuir a outra universidade para destacar a que ele escolheu. Isso soa muito mal. É típico de maus perdedores...



Há muito mais coisas inúteis que um candidato da Fuvest não precisa. O palpiteiro só lembrou dessas. no mais, deseja muita tranquilidade e leveza na hora da prova. Ao fim de tudo, é só mais um prova em meio tantas outras que a vida irá oferecer. Provas que nenhuma escola ou cursinho irá prepará-lo. Sucesso, é o que o palpiteiro lhe deseja. 


Sunday, November 18, 2012

Lideranças que se perdem...

Quais seriam as diferenças reais entre a sinceridade e o oportunismo? Quem seria capaz de responder - para si mesmo- esse limite?

Heloísa Helena e Marina Silva figuram entre as personalidades que mais justificam essas perguntas. Ambas foram senadoras pelo PT e, por mais que se diga, nada há que desabone as suas condutas. Ninguém até agora as denunciou por corrupção, desonestidade ou incoerência. Mas será que ser "gente boa" é suficiente?

O sistema político partidário no Brasil tem muitos defeitos. Listá-los é tão desnecessário quanto improdutivo. Erros e sujeiras seriam difíceis de serem descritas em sua plenitude. 

Mas há algo mais do que a desonestidade. Há propósitos e compromisso. 

Heloísa Helena foi uma das maiores lideranças do PT em Alagoas, assim como Marina Silva no Acre. Suas personalidades e suas atuações não permitem que ninguém as definam como desonestas, hipócritas ou bandidas. Estiveram na base daquilo que o PT produziu de melhor desde 1980 até a chegada de Lula à presidência, em 2002. 

Primeiro foi Heloísa Helena. Confrontou o PT na votação da revisão da previdência social e acabou expulsa do partido. For execrada por colegas fundadores do PT, mas manteve a dignidade e os seus princípios. fundou um partido próprio, com descontentes do PT. Queria realmente criar algo novo a partir de antigas ambições: mudança política, pacífica e sem desonestidade. Princípios nobres em qualquer lugar do mundo. Mas tão difíceis de serem alcançados por falta de mão de obra: não há, em nenhum lugar do mundo, gente suficiente para dar conta de tamanha ambição. 

Heloísa Helena fundou o PSOL, partido de esquerda que se pretendia melhor do que o PT. Foi gradativamente marginalizada do partido que fundou. Foi uma grande personalidade em 2006, por ocasião da reeleição de Lula. Suas ideias e seus discursos forma notícias nacionais enquanto foram úteis para evitar um segundo turno. Passadas as eleições de 2006 a mesma mídia que a reverenciou, jogou-a no limbo do esquecimento. Heloísa Helena não errou por dizer o que acreditava. Errou por acreditar que o que dizia tocou aqueles que conduzem as opiniões de tantas ovelhas... Hoje é vereadora pelo Psol de Maceió, sem a grande expressão nacional que desfrutou até 2006. Outubro, para ser mair preciso...

Marina Silva foi a liderança política que ajudou a fundar o PT no Acre, onde surgiram importantes lideranças nacionais com respeito nacional. Desligou-se do PT após ter passado pelo ministério do meio ambiente. Ingressou no PV com uma proposta relativamente nova. Acreditava, sinceramente, na compatibilidade entre o discurso social e o apelo ambiental. Acabou por se aproximar demais de oportunistas religiosos. Foi a terceira mais votada em 2010, atrás de Dilma Roussef e José Serra. Poderia ter se destacado naquele ano ao apoiar um ou outro. Se fosse Serra, não teria nada a perder em caso de derrota. Pois poderia dizer que sua parte fora feita. No caso de Dilma, teria a chance de escolher entre a participação no governo ou uma oposição crítica e com a legitimidade de atacar a pessoa que apoiou. Tanto não apoiou Serra quanto Dilma. Hoje poucos se lembram de Marina Silva quando discutem a política nacional. Marina quis fazer diferença sem se comprometer com Serra ou Dilma. Foi engolida pela história. A eleição de 2010 passou, Dilma venceu, Serra perdeu e Marina Silva foi esquecida. Hoje em dia ninguém mais se lembra dela quando discute as eleições de 2014.

A vida é assim. Ou aproveitamos as oportunidades quando surgem ou lamentamos pelo resto de nossos dias. Aquele gesto, aquele sorriso, ou aquela ofensa que poderiam ter mudado nossas histórias se tornam lembranças do que poderiam ter sido, não o que realmente são: esboços da vontade que não se concretizou.


Talvez algum aprendizado possamos tirar das histórias de Heloísa Helena e Marina Silva:

- Jamais acredite na mídia. Saiba que aqueles que o reverenciam hoje não o fazem por seus talentos. Antes, aproveitam suas ideias, seu discurso e sua história para atacar aqueles que ameaçam os candidatos que preferem, há tempos.

- Saiba diferenciar entre apoio sincero e oportunismo eleitoreiro. Gente que nunca o procurou antes de sua chegada à fama, dificilmente terá o que contribuir para a manutenção dela.

- Quando veja, Folha, Estadão e Globo o tratarem com alguma reverência, desconfie. Isso é feito menos pelo que você é e muito mais pelo que você pode significar em termos de importância eleitoral - para outros quem não você...

- A honestidade e a ética são valores. Não são mais do que a direção em que todas as pessoas que se dizem do bem deveriam seguir. Na vida prática, em especial política, funcionam mais como plataformas de campanha do que realmente como bandeira política-partidária. O mesmo cara que admira a sua honestidade vota no candidato que mais desonesto se apresenta. 

- Flashes de TV são sedutores, mas não passam disso. Piscam e apagam, assim como a sua importância numa mídia podre, partidária e imoral.

- O sistema político-eleitoral no Brasil é nojento. Mas é a única forma real de se chegar ao Poder pela via institucional. 

- Não existe "meia-ética". Ou se é ético, ou não é. 




Thursday, November 15, 2012

"Coxinhas"

Por volta das 22:45h estava sempre lá, a viatura da PM, estacionada em frente à padaria. Farois altos ligados, portas abertas e as luzes vermelhas, piscando e rodando. A imagem do "policiamento ostensivo", segunda a linguagem técnica.

O padrão era o mesmo. Um policial atrás de uma das portas da viatura, como se estivesse com a arma em punho. O outro, seu parceiro, dentro da padaria, conversando ou comendo alguma coisa. 

Essa cena é tão comum em SP quanto as próprias padarias. A explicação é simples. À noite, os donos ou gerentes das padarias tiram o movimento do dia e precisam levar o dinheiro para suas casas. O esperado é que fiquem com o dinheiro até o dia seguinte, quando depositarão no banco. A presença de viaturas nesse momento é para afastar assaltantes. 

A PM que demora para chegar nos casos de agressão à mulher, nas brigas entre vizinhos ou quando uma pessoa reclama da música alta é prestativa com o pequeno comércio da periferia. A regra é simples e inconsciente: o respeito à vida vale menos do que a defesa do patrimônio.

Na periferia da cidade de São Paulo o povo pobre, como em qualquer lugar do mundo, constroi as suas próprias explicações. A presença recorrente de policiais militares nos balcões das padarias, amigos de comerciantes e inacessíveis ao que deles precisam, rendeu o singelo apelido de "coxinha". 

A elite branca de SP em geral desconhece o termo. Mas qualquer moleque da periferia de SP sabe. "Coxinha" é termo pejorativo para os PMs que protegem o patrimônio e que dão tapas em trabalhadores que julgam inconvenientes. 

Jamais, nunca, em hipótese alguma, chame um PM de "coxinha". Eles odeiam. O palpiteiro tinha um amigo que se perdeu na vida e se tornou tenente da PM. A penúltima vez em que o palpiteiro conversou com ele, ficou sabendo do  seu orgulho de ter cumprido a ordem de despejo na favela do Pinheirinho, em São José dos Campos. A última vez foi quando o chamou de "coxinha". O palpiteiro não perdeu a piada, mas perdeu o tal amigo. "Coxinhas" têm mais do que gordura em óleo reaproveitado. Eles têm sentimentos também...

É compreensível a indignação dos PMs com o termo "coxinha". Ganham mal, trabalham sem as mínimas condições de segurança e atuam numa corporação de castas. Altos oficiais que vivem como reis, mandam no governador de plantão e que estão acima da lei. E que comandam soldados que podem ser presos por algum capricho ou simplesmente por não terem feito a barba direito. A PM é desigual e doentia. 


Ser soldado da PM em SP é difícil. Não é possível saber o que pesa mais: a falta de alternativa ou o sincero apreço pela missão de defender a sociedade. E que ninguém duvide que entre os "coxinhas" existam realmente soldados capazes de dar a vida em nome do cidadão comum. Herois anônimos que convivem com parasitas alimentados à base de..."coxinhas"...


Na última semana duas notícias fizeram o palpiteiro pensar nos "coxinhas". A primeira e mais chocante foi a de que a PM identificou a fonte de informações do PCC para matar soldados. Diz-se que num quartel da PM na grande SP houve o vazamento de dados dos computadores, com nomes, endereços e telefones de policiais militares. Isso mesmo, policiais militares se venderam e repassaram as informações que facilitaram os atentados do PCC contra PMs... Traidores que negociaram a vida de colegas. Ou seja, o pior tipo de "coxinha" que já existiu na PM...

Outra notícia foi mais original. Transita entre o trágico e o patético. O governador Geraldo Alckimin afirmou que o uso de celulares nos presídios paulistas - que facilitam as ordens de execução contra PMs- "auxiliam" a polícia a ter informações sobre o crime. O inusitado da afirmação é a crença de que o crime pode ser combatido a partir da vista grossa que se faz com a prática do próprio crime... Genial...


Na lógica "alckimista" não se pode fumar em recintos fechados, como restaurantes, mas usar celular em presídio pode. E com justificativa!

O palpiteiro entende menos de segurança pública do que o ilustríssimo governador. Mas entendeu a sua lógica. 

Portanto, não custa pensarmos a respeito de outras medidas contra o PCC:

- facilitar a venda de drogas para crianças e jovens, pois assim saberemos quem são os traficantes; 

- deixar que mulheres sejam estupradas, para que assim possamos identificar os potenciais estupradores; 

- não prender quem bebe e dirige, pois no caso de acidentes, saberemos exatamente quem é que faz mal ou não para a sociedade...


Mais de 90 policias militares assassinados em 2012 e, quase 200 mortos em chacinas em menos de 30 dias, deveriam ser suficientes para percebermos que há algo de muito grave, sujo e inaceitável em SP. 


Mas a crise de insegurança ainda não chegou para valer na classe média. Os brancos de SP ainda estão no nível cotidiano de insegurança. Toque de recolher e chacinas ocorrem fora do centro expandido. 

Uma hora dessas a violência atravessa os rios Tietê e Pinheiros. Por enquanto só amedronta e mata "da ponte pra cá". 

Triste é saber que um governador frouxo ainda não se deu conta da gravidade do que seus atos fúteis tem resultado.    


Quantos "coxinhas" serão mortos até que São Paulo perceba que sua política de segurança é ineficaz, corrupta e desumana?