Thursday, November 15, 2012

"Coxinhas"

Por volta das 22:45h estava sempre lá, a viatura da PM, estacionada em frente à padaria. Farois altos ligados, portas abertas e as luzes vermelhas, piscando e rodando. A imagem do "policiamento ostensivo", segunda a linguagem técnica.

O padrão era o mesmo. Um policial atrás de uma das portas da viatura, como se estivesse com a arma em punho. O outro, seu parceiro, dentro da padaria, conversando ou comendo alguma coisa. 

Essa cena é tão comum em SP quanto as próprias padarias. A explicação é simples. À noite, os donos ou gerentes das padarias tiram o movimento do dia e precisam levar o dinheiro para suas casas. O esperado é que fiquem com o dinheiro até o dia seguinte, quando depositarão no banco. A presença de viaturas nesse momento é para afastar assaltantes. 

A PM que demora para chegar nos casos de agressão à mulher, nas brigas entre vizinhos ou quando uma pessoa reclama da música alta é prestativa com o pequeno comércio da periferia. A regra é simples e inconsciente: o respeito à vida vale menos do que a defesa do patrimônio.

Na periferia da cidade de São Paulo o povo pobre, como em qualquer lugar do mundo, constroi as suas próprias explicações. A presença recorrente de policiais militares nos balcões das padarias, amigos de comerciantes e inacessíveis ao que deles precisam, rendeu o singelo apelido de "coxinha". 

A elite branca de SP em geral desconhece o termo. Mas qualquer moleque da periferia de SP sabe. "Coxinha" é termo pejorativo para os PMs que protegem o patrimônio e que dão tapas em trabalhadores que julgam inconvenientes. 

Jamais, nunca, em hipótese alguma, chame um PM de "coxinha". Eles odeiam. O palpiteiro tinha um amigo que se perdeu na vida e se tornou tenente da PM. A penúltima vez em que o palpiteiro conversou com ele, ficou sabendo do  seu orgulho de ter cumprido a ordem de despejo na favela do Pinheirinho, em São José dos Campos. A última vez foi quando o chamou de "coxinha". O palpiteiro não perdeu a piada, mas perdeu o tal amigo. "Coxinhas" têm mais do que gordura em óleo reaproveitado. Eles têm sentimentos também...

É compreensível a indignação dos PMs com o termo "coxinha". Ganham mal, trabalham sem as mínimas condições de segurança e atuam numa corporação de castas. Altos oficiais que vivem como reis, mandam no governador de plantão e que estão acima da lei. E que comandam soldados que podem ser presos por algum capricho ou simplesmente por não terem feito a barba direito. A PM é desigual e doentia. 


Ser soldado da PM em SP é difícil. Não é possível saber o que pesa mais: a falta de alternativa ou o sincero apreço pela missão de defender a sociedade. E que ninguém duvide que entre os "coxinhas" existam realmente soldados capazes de dar a vida em nome do cidadão comum. Herois anônimos que convivem com parasitas alimentados à base de..."coxinhas"...


Na última semana duas notícias fizeram o palpiteiro pensar nos "coxinhas". A primeira e mais chocante foi a de que a PM identificou a fonte de informações do PCC para matar soldados. Diz-se que num quartel da PM na grande SP houve o vazamento de dados dos computadores, com nomes, endereços e telefones de policiais militares. Isso mesmo, policiais militares se venderam e repassaram as informações que facilitaram os atentados do PCC contra PMs... Traidores que negociaram a vida de colegas. Ou seja, o pior tipo de "coxinha" que já existiu na PM...

Outra notícia foi mais original. Transita entre o trágico e o patético. O governador Geraldo Alckimin afirmou que o uso de celulares nos presídios paulistas - que facilitam as ordens de execução contra PMs- "auxiliam" a polícia a ter informações sobre o crime. O inusitado da afirmação é a crença de que o crime pode ser combatido a partir da vista grossa que se faz com a prática do próprio crime... Genial...


Na lógica "alckimista" não se pode fumar em recintos fechados, como restaurantes, mas usar celular em presídio pode. E com justificativa!

O palpiteiro entende menos de segurança pública do que o ilustríssimo governador. Mas entendeu a sua lógica. 

Portanto, não custa pensarmos a respeito de outras medidas contra o PCC:

- facilitar a venda de drogas para crianças e jovens, pois assim saberemos quem são os traficantes; 

- deixar que mulheres sejam estupradas, para que assim possamos identificar os potenciais estupradores; 

- não prender quem bebe e dirige, pois no caso de acidentes, saberemos exatamente quem é que faz mal ou não para a sociedade...


Mais de 90 policias militares assassinados em 2012 e, quase 200 mortos em chacinas em menos de 30 dias, deveriam ser suficientes para percebermos que há algo de muito grave, sujo e inaceitável em SP. 


Mas a crise de insegurança ainda não chegou para valer na classe média. Os brancos de SP ainda estão no nível cotidiano de insegurança. Toque de recolher e chacinas ocorrem fora do centro expandido. 

Uma hora dessas a violência atravessa os rios Tietê e Pinheiros. Por enquanto só amedronta e mata "da ponte pra cá". 

Triste é saber que um governador frouxo ainda não se deu conta da gravidade do que seus atos fúteis tem resultado.    


Quantos "coxinhas" serão mortos até que São Paulo perceba que sua política de segurança é ineficaz, corrupta e desumana?  

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