Saturday, September 14, 2013

Um olé de Putin em Obama

Acompanhar o caso da Síria, sob ameaça de ataques dos EUA e Reino Unido nas últimas duas semanas, mesmo que superficialmente, foi certamente uma experiência digna de aprendizado com fortes emoções. 

Pelo lado do aprendizado, ficou a lição de que as palavras, tanto quanto as armas, fazem parte das relações internacionais, ou daquilo que vulgarmente chamam de Geopolítica. 

Pois há poucos dias, menos de 15 para maior exatidão, víamos o presidente da "maior potência" do planeta urrar como um leão, alegrando os velhos senhores da guerra, acionistas de fábricas de armamentos e especialistas formados em tabuleiros de WAR, alguns deles jornalistas de nossa "grande" imprensa. A velha frase "a montanha pariu um rato" nunca foi tão apropriada para uma farsa chamada Barack Obama. 

Não faz muito tempo, desavisados "informados" pela ala histérica de diversos veículos especulavam ante a possibilidade de um conflito generalizado no Oriente Médio, a partir da Síria. O apoio firme da Rússia de Putin levou as mais exaltadas mentes a especular um "eventual conflito de grandes proporções". O sensacionalismo nosso de cada dia deu as caras para, mais uma vez, segurar a audiência e as vendas de jornais e revistas decadentes com os velhos clichês: "...consequências imprevisíveis..." ou (a melhor de todas) "...uma guerra sabemos como começa, nunca como termina...".

Na agência Reuters, em 03/09/2013, líamos:



  Obama pediu, durante encontro com líderes parlamentares na Casa Branca, uma votação rápida do Congresso e reiterou que o plano dos EUA será limitado e não repetirá as longas guerras no Iraque e Afeganistão.
"O que estamos vislumbrando é algo limitado. É algo proporcional. Vai reduzir a capacidade de Assad", disse Obama.



O contexto era de ataques inevitáveis, mesmo que limitados a incursões aéreas, sem invasão terrestre. 

Hoje, 13/09/2013, as informações surgem em outro tom, como pode-se ler no Jornal de Notícias ( jornal português com nome para lá de criativo):

 Na noite de terça-feira, Obama anunciou ter solicitado ao Congresso a suspensão da discussão de uma resolução sobre o uso da força na Síria, depois de os russos, aliados de Al-Assad, terem proposto colocar o arsenal químico sírio sob controlo internacional, para destruição posterior.

Se antes tínhamos um Obama feroz, a rosnar a hegemonia de seu país diante de uma comunidade internacional resignada, hoje testemunhamos um líder fragilizado, a marcar posição de que não recuou e que ainda pode vir a atacar a Síria. Obama, o presidente que se elegeu em 2008 prometendo mais diplomacia e menos guerra é hoje quase patético.

Mas quais teriam sido os fatores a provocar tamanha alteração em tão poucos dias? Fatores, pois em casos como este, nunca se deve atribuir apenas um motivo. 

Certamente, uma das razões foi o vacilo de Obama em ir além do que realmente poderia. Pois se é verdade que militar e politicamente os EUA podem muito, experiências como o Vietnã, Afeganistão e Iraque provam que não podem tudo. Cercado de problemas domésticos, Obama precisa de apoio no Congresso para deixar sua marca como um líder, mais do que um presidente. Seus desafios não são pequenos. Crise econômica, empobrecimento, faltas de perspectivas para milhões de jovens e o risco de ser o presidente que mais prometeu do que cumpriu. Seu sistema de saúde pública ainda não é uma realidade para os 40 milhões de cidadãos que dele precisam e os empregos que a sociedade espera ainda não foram gerados em número suficiente. Obama contagiou os EUA e grande parte do mundo com uma esperança que não se concretizou. Para acelerar suas ações precisa de apoio no Congresso, o que inclui agradar republicanos e democratas ligados aos lobbys do petróleo, dos armamentos e da comunidade judaica. Não criar problemas para Israel na questão Palestina, não avançar nas relações com o Irã e ter um discurso belicista para o Oriente Médio são evidências desse esforço agradar aqueles de quem não se gosta mas de quem se precisa.

Obama deve ter realmente acreditado que poderia atacar a Síria com poucos danos políticos, tanto no plano interno quanto no externo. Deu-se mal. 

Internamente o que se viu foi uma crescente oposição à guerra, maior do que ele certamente esperava. Dizer que o povo americano está cansado de guerras inúteis não é demais. Acreditar que há um número de cidadãos nos EUA constrangidos com a imagem do país após o que ocorreu no Iraque e o que vem ocorrendo no Afeganistão é mais do que razoável. 

Entretanto, foi no lado externo que Obama apanhou feio. Um duro golpe foi a retirada do apoio do Reino Unido. A Rainha Elisabeth, madrinha de tantas mortes em sua história, assim como Cameron, um dos muitos primeiros-ministros dóceis aos EUA, bem que gostariam de manter o apoio ao primo rico. Mas o parlamento britânico não embarcou em mais uma aventura. Sem o apoio do Reino Unido, os EUA caminharam para o isolamento internacional, a despeito do entusiasmo de Hollande, presidente da França, outrora potência relevante. Hollande quis levar a França a ter algum protagonismo, ressuscitar uma influência que seu país já teve. Não foi o bastante para Obama. Hollande também apanhou e carregará o prejuízo de ter evidenciado a reduzida capacidade de influência francesa em nossos dias. Ou seja, a França quis se aliar aos EUA contra a Síria para ter demonstrar alguma importância. Se Obama hoje está queimado, Hollande saiu chamuscado. 

Mas o grande jogador em toda essa história foi Vladimir Putin, presidente da Rússia. Putin é o presidente que demonstra a habilidade política que a história premia com reverência, mesmo àqueles que pouco merecem respeito. Putin, ex-agente da KGB, sabe como poucos agir na política, pelo bem e pelo mal. Internamente é o presidente que manipula a imprensa, ameaça jornalistas, persegue opositores, mata separatistas e promove a intolerância contra os "indesajáveis" na Rússia. Putin é o caso do político que que age contra direitos e valores democráticos, mas tudo que faz é calculado. Como poucos, conhece a alma do povo russo, saudoso dos tempos da União Soviética e coeso sob duas grandes instituições do país, o exército e a Igreja Ortodoxa. Muito do que que Putin faz dentro da Rússia atinge esses dois objetivos, que são o resgate do orgulho russo em sua importância mundial, e a "defesa" de valores tradicionais do clero cristão ortodoxo. Matar chechenos, exaltar o exército e perseguir homossexuais são algumas das ações que fortalecem Putin dentro da Rússia, mesmo que chovam críticas internacionais. 

Em 2008 era primeiro-ministro de Medvedev, o presidente que elegeu para cumprir os 4 anos de mandato necessários para que Putin voltasse. Na Rússia, como no Brasil, só se pode ter uma reeleição consecutiva. Putin ficou no poder entre 2000 e 2008, apoiou Medvedv em 2008 e foi novamente eleito em 2012, com direito a tentar uma reeleição em 2016. Se continuar a jogar bem dentro e fora do país, poderá ficar no poder até 2020. Somando os tempos na presidência e como primeiro-ministro, Putin estará a altura de outros líderes, como Stalin e Brejenev. Certamente mais do que Lênin, Krushev e Gorbachev. 

Do tempo soviético, sobrou à Rússia no Oriente Médio a Síria como aliada, que abriga uma base naval russa no porto de Tartus e recebe apoio militar para manter a ditadura de Assad. Interessado em recuperar a importância que a Rússia já teve, Putin sabe que precisa da Síria para fazer frente aos EUA. Pode-se criticá-lo pelo apoio à ditadura de Assad por isso, mas fazê-lo sem lembrar do apoio dos EUA à ditadura da Arábia Saudita é transitar entre a ignorância e a má-fé. A crítica a ditaduras por respeito a valores democráticos não é compatível com ataques seletivos, diferenciando ditadores "malvados", quando adversários, ou "bonzinhos", "necessários", quando aliados. 

A Rússia tem fornecido armas e apoio ao regime de Assad desde a década de 1970. Não deixou de fazê-lo quando explodiu a guerra civil no país, em 2011. Obama diz se incomodar com as cerca de 1400 vítimas de armas químicas. Mas nada diz sobre as mais de 100.000 que morreram em consequência dos conflitos entre o governo sírio, apoiado pela Rússia, e os "rebeldes", amontoado de opositores armados pelos EUA e Arábia Saudita.

Putin nunca hesitou em seu apoio ao governo sírio. Nunca deixou de afirmar que a Rússia vetaria ataques dos EUA ao país em caso de consulta ao Conselho de Segurança da ONU. Obama ameaçou fazer o que Bush fez em relação ao Iraque e à Líbia: atacar sem consultar a ONU. 

Sem o apoio inglês, com pouco entusiasmo pelo apoio francês, alvo de críticas internas nos EUA e diante da firmeza russa, Obama mudou o tom de seu discurso. Poderia ter ordenado ataques à Síria sem consultar o Congresso dos EUA. Mudou de ideia e anunciou que desejava consultá-lo. Foi apoiado no Senado, mas sentiu que haveria maior resistência com o risco de reprovação dos deputados. Obama decidiu pedir adiamento da votação. 

No documentário "Sob a Névoa da Guerra", Robert McNamara, ex-secretário de Estado dos EUA na administração Kennedy, e condutor das negociações na Crise dos Mísseis entre EUA, Cuba e URSS, em 1962, ensina que não se pode deixar o adversário sem escolhas. Quando se negocia em momentos de forte tensão, um caminho é colocar-se no lugar do adversário. Pensar que ele deve ter uma saída honrosa e que não saia humilhado diante de uma derrota que você deseja lhe impor. Putin fez exatamente isso na última semana. Falou firme contra os ataques à Síria, declarou seu veto na ONU, mas negociou com Assad a entrega de seu arsenal químico a uma comissão internacional que deverá ter participação russa. Para todos os efeitos, Obama ainda quer demonstrar uma firmeza que não teve nos últimos dias. Caso alguém o questione, poderá argumentar que os ataques não foram necessários e que a ameaça deles fez com que Assad entregasse seu armamento. 

Ao fim de tudo, Putin construiu uma solução na qual Obama poderá sair dizendo que ganhou a discussão, num cenário em que Assad permanece no poder, com apoio militar russo e uma base naval aliada para conter eventuais ameaças dos EUA. Como resultado de todo o jogo de ameaças, avanços e recuos, Obama saiu, internacionalmente, menor do que entrou em toda essa história. Putin, sem alarde, saiu maior. 

Obama ainda tem tempo para ações que demonstrem sua grandeza, pois tem mandato até 2016. Mas parece que é Putin que ganhou maior segurança para apostar em sua permanência até 2020. E Assad permance, até então.