Friday, January 25, 2008

São Luís do Paraitinga

Há um município em São Paulo chamado São Luís do Paraitinga. Está encravado no que um de seus cidadãos, Aziz Nacib Ab´Saber, costuma chamar de "mares de morros". Além de Aziz Ab'Saber, a cidade teve também outro filho ilustre, Oswaldo Cruz, nome dado à rodovia que liga Taubaté a Ubatuba e que serve de acesso à cidade de São Luís do Paraitinga. São Luís é uma das muitas cidades do Vale do rio Paraíba do Sul que prosperaram durante o ciclo do café na região, mas que perderam a força econômica com o esgotamento de seus solos e a descoberta de solos mais férteis no interior de SP. Andando pelas ruas dessas cidades e pelas suas áreas rurais ainda se pode ver construções antigas, muitas delas abandonadas ou tansformadas em hotéis e pousadas. Esgotados os solos, hoje a paisagem rural da região tem gado leiteiro e muito eucalipto para a produção de celulose e carvão para churrasco. São Luís e outros municípios da reigião foram vítimas do uso inadequado dos solos, numa época em que pouca gente ligava para isso e o que interessava era o ganho sem preocupação. Explorar o máximo da terra sem nada devolver. Parece que pouco mudou desde então...

O palpiteiro gosta de São Luís do Paraitinga e de imaginar que num lugar tão afastado de SP nasceu gente como Oswaldo Cruz e Ab'Saber, provando que a genialidade pode surgir nos mais diversos lugares e épocas. De vez em quando o palpiteiro almoça em São Luís. Na última vez em que isso aconteceu ocorreu um caso inusitado.

Andando pelas ruas da cidade, em 18 de janeiro o que se podia ver era um exército de pessoas trabalhando para decoração de carnaval. Em São Luís ainda há carnaval de rua com marchinhas e gente fantasiada. Não pode tocar música de outros lugares, tipo Axé. Há um concurso de marchinas de carnaval, assim como um grande número de blocos. Há o bloco do lençol, por exemplo. Basta se enrolar num lençol e sair pelas ruas da cidade cantando um marchinha que foi escolhida semanas antes do carnaval. Naquele dia a cidade se preparava para uma semi-final. Bonecos gigantes podem ser vistos em lojas e casas. Tecidos coloridos e roupas exageradas também, lembrando o carnaval de rua que se brincava no RJ e em SP até décadas não muito distantes. Há um mercado municipal datado de 1924,onde se pode comprar desde um quilo de carne e uma dúzia de ovos até uma viola caipira e sacis de enfeite. O palpiteiro almoçou e foi ver o que estava acontecendo. Quando deu por si, percebeu que havia perdido a chave do carro. Procura pelos bolsos e pelo chão. Tentativa de reconstituição de todo o percurso feito. Perguntas a donos de lojas e outras pessoas para saber "se alguém tinha achado uma chave de carro..."

Meia hora de buscas frustradas. Então uma luz se fez: "será que a chave poderia estar no contato?". Corrida com a imagem na cabeça de um carro com as portas abertas e saqueado... Quando chega ao carro uma cena curiosa. Cerca de cinco moradores da cidade em volta do carro com um cartaz na mão. O palpteiro não foi idiota o suficiente para esquecer a chave no contato. Mas sim para esquecer na fechadura da porta... Um senhora viu e ficou preocupada. Disse que ninguém na cidade roubaria o carro, pois lá não tem dessas coisas. Mas não garantia pelos turistas. Também disse que uma criança poderia levar a chave do carro e por brincadeira perdê-la. A reunião em volta do carro era para saber como achar o imbecil (palpite meu...) que esqueceu a chave na porta do carro. O anúncio foi feito no auto-falante da praça e ninguém apareceu. A mulher então decidiu pela colocação de um cartaz no carro: " senhor propietário, a chave está na rua tal, número 51...". Bastaria ir até lá e dizer que o carro era meu. A mulher esperou por quase 2 horas até ter essa idéia.

O palpiteiro agradeceu como pôde. Queria ter oferecido algum presente ou algo desse tipo, o que foi devidamente inviabiliado diante das circunstâncias. Como querer agradecer materialmente a alguém que se preocupa com o que é do outro? Um obrigado sincero resolveu a questão.

Às vezes somos contaminados pelos pensamentos sobre o que há de pior nas pessoas. Mesmo procurando agir e contar com o que há de melhor, deixamo-nos levar pelo que é mesquinho e ruim. Em meio a tantas notícias e histórias ruins, é preciso lembrar que nem tudo está perdido. E que se é verdade que existem pessoas sem caráter e honestidade, também é verdade que existem outras dignas e honestas. Além de solidárias. As férias não poderiam ter acabado de melhor maneira. Trânsito na volta a SP, motoristas fazendo aberrações, barulho e medo pelas ruas. Mas também a certeza de que há muito mais do que isso. Em São Luís do Paraitinga, em SP e em muitos outros lugares desse país.

Quem puder que vá conhecer a cidade.