Friday, December 07, 2012

A herança de Niemeyer. E de muitos outros também.

O ano de 2012 não terminou e a inteligência universal lamenta grandes perdas. Aziz Nacib Ab'Saber, Eric Hobsbown, Décio Pignatari e Oscar Niemeyer se foram. Todos eles morreram com mais de 80 anos. Pignatari foi, entre eles, o mais novo, com 85 anos, e Niemeyer o mais velho, com 104 anos, a poucos dias de completar 105 anos. 

Morrer é a condição humana que amedronta, intriga e provoca. A morte para nós é diferente. Se para os animais é definida pelo instinto, para os humanos é mais do que isso: é pensamento e dúvida. Fazemos parte da única espécie que sabe que vai morrer e que se preocupa com o como, onde, quando e, de forma arrogante, o por quê isso irá ocorrer. As dúvidas a respeito da morte justificam a religião, motivam a filosofia, inspiram os artistas e amedrontam meio mundo. No limite, fica frase para lá de repetida e verdadeira: "Todo mundo quer ir para o céu, mas ninguém quer morrer".

As pessoas imaginam a morte de diferentes maneiras. As religiões de base judaico-cristã pregam uma vida eterna, ao lado de Deus, livre de erros e maiores preocupações. Outras religições acreditam num ciclo contínuo, em que o espirito migra, se transforma, retorna e parte. Para alguns a reencarnação seria apenas o preço para ficar mais na Terra. Para outros, a aceitação de nossa transitoriedade terrena. Seja lá qual for a crença se se siga, o mais sensanto é pensar justamente nisso: nossa passagem pela Terra é finita no tempo. Temos uma data de nascimento e uma de morte, ainda que não conhecidas. E aceitas.

Os mais materialistas pensam na possibilidade de deixar seu legado para que não os esqueçam. Um anel para um filho, bens, uma vida tranquila. Coisas que poderiam ser listadas em testamento, com registro em cartório, no papel. Nesse time há os ambiciosos que acreditam que podem comprar o reconhecimento pós morte. Aqueles que realizam obras ou patrocinam iniciativas que permitirão a lembrança das gerações seguintes. Isso vale para os Faraós que mandaram erguer suas pirâmides, para os escravistas que bancaram a construção de igrejas barrocas em Ouro Preto e para a família Matarazzo, cujo mausoleu no cemitério da Consolação sustenta este palpite.

Mas há outras formas de lembrança. Um ditado oriental ensina que "um homem só morre quando é esquecido". Tutancamom assim morreu. A Pirâmide que mandou construir à custa de tantas vidas é lembrada por si, não por ele. No final das contas as pessoas visitam o Egito pelas ideias e conhecimentos que permitiram a construção daquelas obras, não de seus mandantes. As construções em pedra mantém vivas as ideias e os conhecimentos do egípicios antigos. Tutancamon é só um morto, a cultura egípcia não.

Aziz Ab'Saber, Hobsbown, Pignatari e Niemeyer não tiveram Ferraris e também não mandaram construir Pirâmides. Mas todos eles serão lembrados pelo que fizeram, escreveram disseram e ensinaram. 

Os prédios de Niemeyr durarão muitos anos, talvez séculos ou milênios. Mas não serão as obras em si a serem descritas. O que ficará para as gerações futuras será a ousadia. O atrevimento de arriscar fazer diferente. 

O palpiteiro aprendeu a respeitar os Modernistas Brasileiros pela ousadia de aceitarem o desafio de fazerem o novo com autenticidade. Esse foi o caminho que permitiu a produção da Teoria dos Refúgios de Ab'Saber e Vanzolini; os poemas concretistas de Pignatari; o concreto armado e curvo de Niemeyer. A história viva, do homem comum e injustiçado de Hobsbown. 

Todos esses grandes homens mortos em 2012 se fizeram notáveis pelo que pensaram. Curiosamente, todos eles prezavam o diálogo, a conversa franca e o reseptio ao homem comum. De Pignatari e Hobsbown o palpiteiro conhece pouco, mas sabe alguma coisa de Ab'Saber e Niemeyer. Dos mestres que se fizeram respeitar no Brasil e no mundo sem esquecer do bom dia ao porteiro, do sorriso ao estudante, o pedido de licença ao garçom. Sem se esquecerem de pensar no outro, de se indignarem contra as injustiças e de saberem de suas condições humanas, transitórias enfim.

Perdemos grandes pensadores. Mas herdamos muitos de seus ensinamentos. Temos a chance de melhorar, estudando o que construíram, o que fizeram e o que foram como pessoas. Quanto à morte, permaneceremos em dúvida. Permaneceremos enfim limitados na nossa transitoriedade humana, seja lá qual for nosso destino. 

P.S.: Esse palpite é dedicado ao amigo Luis Fernando, que perdeu D. Hilda um dia antes da morte de Niemeyer. D. Hilda não foi conhecida como os mestres acima. Mas será lembrada e reconhecida pela pessoa boa que foi.
 

  

Monday, November 26, 2012

Há saída

Às vezes o noticiário revela verdades que mesmo o mais manipulador dos mortais não teria como negar. Às vezes a realidade é tão gritante que surge asssim mesmo, intrometida, sem pudores, mas nem por isso menos discreta.
 
Há poucos dias Boris Casoy, um representante do jornalismo capenga, teve que pagar, por acordo judicial, assim como sua empregadora a Rede Bandeirantes de TV, uma indenização de 21 mil reais a um gari. Quem lembra do caso, sabe que Boris Casoy fez um comentário preconceituoso contra o homem. Era um 31 de dezembro e o Jornal da Bandeirantes colocou saudações de feliz ano-novo de pessoas anônimas, literalmente, pois não havia caracteres que as identificasse. Numa delas um gari desejou felicidades a todos os que o vissem. Boris Casoy ironizou, menosprezando a sinceridade do gari. O áudio da fala do "homem branco, rico, letrado e superior" ao gari vazou. Pegou muito mal. No dia seguinte, Boris Casoy piorou as coisas. Pediu desculpas pelo vazamento do áudio, não pelo conteúdo do que disse. A Bandeirantes fez pior: manteve o "nobre" jornalista no ar e em seu quadro de "apresentadores de alto nível". Bem verdade que no horário da meia-noite, quando garis dormem...
 
Os anos se passaram e aparentemente justiça se fez. A moral ofendida do gari não pode ser reparada por 21 mil reais, dinheiro que não fará falta alguma a Casoy e ao grupo Bandeirantes. Mas o caráter simbólico da decisão é relevante. Lamentalvemente a imprensa que saúda a justiça que condena políticos silencia diante daquela que pune - com leveza, é verdade- os maus jornalistas. De todo modo, o gari passará um ótimo natal e um agradável ano-novo. A felicidade que ele desejou a todos, e que Boris Preconcetuoso-Arrogante Casoy desdenhou, fará a felicidade dele. Quem disse que o bem desejado não retorna?
 
Hoje o palpiteiro leu no Estadão a notícia que completa a realidade perturbadora, que protege garis e que ofende a outros. Trata-se da declaração do Reitor da Unesp de que as 3 universidades públicas estaduais de SP adotarão uma política de cotas sociais. De acordo com ele, será "semelhante ao que o governo Federal aprovou, porém melhor". 
 
Na notícia que o palpiteiro leu no Estadão, cerca de 50% das vagas nas "3 irmãs" ( USP, UNESP e UNICAMP) seriam destinadas a alunos de escolas públicas a partir de 2014. Destas, 35% para alunos negros ou pardos.
 
Como de costume, a notícia suscitará declarações raivosas contra as injustiças, a oportunista "defesa da escola pública" e o conceito para lá de retorcido de uma tal "meritocracia". Seja lá o que seus defensores entendam o que seja. 
 
Discursos hidrofóbicos a parte, o que se percebe é que o governo do Estado resolveu se mexer. Após os resultados das eleições de 2010 e 2012, descobriu que a questão social e racial não podem ser ignoradas no Brasil. Muito menos camufladas por "analistas" e "palpiteiros" de bem, brancos, escolarizados, com todos os dentes na boca e, em alguns casos, alérgicos a garis.
 
As mudanças que apontam para a inserção socioeconômica dos mais pobres, social e racialmente excluídos ao longo da história, vieram para ficar. Em pouco tempo deixaremos de discutir se devem ou não ser implantadas. Não demorará para avançarmos na discussão a respeito de COMO deverão ser efetivadas.
 
O palpiteiro tem uma triste notícia aos que desejam um país exclusivamente branco na sua elite e sem espaço para o pleno exercício da cidadania de pobres, negros e garis: esse país está deixando de existir. Devagar demais, é verdade. Mas está.
 
Em outros tempos você, amigo racista, teria a violência, o golpe, a repressão para conter esse tipo de avanço. Conseguiu isso no passado, no Brasil, na África do Sul. Naqueles tempos a CIA acreditava que seu racismo dava a vantagem de conter o comunismo. A história avançou, o comunismo não é mais assunto da CIA e os EUA - país de cotas raciais - tem um negão na presidência da República.
 
Na falta de meios extra-civilizatórios, o palpiteiro sugere que vá para Nova Iorque ou para a Suíça. Não que você incomode alguém por aqui, afinal você tende a ser uma minoria cada vez mais insignifcante como referência de ideias. Mas pelo seu próprio bem. A longo prazo, o desconforto e o sofrimento que você sente hoje só tende a aumentar. Vá por mim. Vá por você. Vá por nós.  

Saturday, November 24, 2012

Não deixe de perder: lista de coisas inúteis para a Fuvest

Amanhã, 25 de Novembro de 2012, teremos mais uma prova de primeira fase da Fuvest. Tem sido assim há décadas. Trata-se de primeira etapa de avaliação aos interessados em estudar e seguir alguma carreira oferecida pela Universidade de São Paulo, a USP. 

A USP é cercada não apenas por muros, mas também por mitos, lendas e julgamentos que variam desde a admiração sincera até a inveja mais descabida e mal disfarçada. A Fuvest é o nome da Fundação para o Vestibular, entidade que elabora as provas e organiza a sua aplicação que se dá em duas fases para a maioria dos cursos. Alguns têm provas de aptidão, como Arquitetura e Música, o que resulta numa avaliação a mais. 

Como de costume, algumas coisas se repetirão ao longo do dia de hoje. Conselhos, comentários e "dicas" para as pobres almas vulgarmente conhecidas como "vestibulandos". O palpiteiro não quis ficar de fora, pois sempre há uma oportunidade para se promover à custa do sofrimento alheio. No interesse de facilitar a vida daqueles que se submeterão ao moedor de carne chamado Fuvest, seguem aqui algumas dicas do que o vestibulando realmente não precisa:

Estudar até o último minuto - 

Tontice pura. O cidadão ouve aqueles testemunhos dos caras que passaram nas provas anteriores e se impressiona com o desabafo "se não fosse olhar a tabela periódica antes da prova não teria conseguido aquele precioso ponto para a segunda fase...". Numa prova de 90 questões, conseguir um mísero ponto com o desespero nas horas que precedem o exame é discutível. Se o cidadão precisou de 53 pontos para determinada carreira, isso significa que ele garantiu 52 antes do dia da primeira prova. Horas antes do exame, ficar tranquilo, distrair-se com coisas banais, prazerosas e seguras podem dar mais resultado do que a pressão que só uma apostila de cursinho pode oferecer...

Fórmula 1 - 


Totalmente inútil para a cidade, para o país e para quem vai prestar a Fuvest, a despeito dos lucros que rendem aos seus promotores, donos de hoteis e empresários ligados ao turismo em São Paulo. Pois bem, teremos a prova da primeira fase da Fuvest simultaneamente ao GP Brasil, em Interlagos. Para a maioria dos vestibulandos isso não causará maiores problemas. Para quem mora na Zona Sul, nas imediações de Interlagos, isso significará trânsito, stress e aumento de tensões. Além disso, o grande número de agentes da CET que conduzirão o trânsito em Interlagos deixarão de fazê-lo nos locais de prova da Fuvest onde haverá mais carros. São Paulo é jenial. Promove um GP de Fórmula 1, que atrais milhares de carros, no mesmo dia em que um exame para mais de 100 mil pessoas será aplicado. Tudo correrá bem para quem se precaver. Mas não deixa de ser interessante o palpite: confirmado a simultaneidade do GP Brasil com a Fórmula 1, podemos ficar tranquilos para a Copa 2014 em São Paulo...


Dúvidas a respeito da carreira na hora da prova - 

O garoto de 17 anos fez a inscrição há alguns meses e, em meio a incertezas, selecionou uma carreira da qual ele não tem muita convicção de seguir. Na hora da prova, ao invés de se concentrar, resolve se questionar por que optou por Geologia ao invés de Nutrição ou Letras... Não é feio ter dúvidas na vida. É muito nobre se questionar. MAS NÃO NA HORA DA PROVA. Por algum desígnio divino ou da natureza, o cidadão fez uma determinada escolha. Se vai fazer a prova, é coerente jogar conforme o combinado. Se não quiser fazer o curso ou se arrependeu amargamente por qualquer outro motivo, resolva depois. A prova é uma oportunidade de reflexão e testes de conhecimentos. Aproveitar esse momento para aprimorar a capacidade de ser testado é no mínimo interessante.

Certeza - 

Apenas os idiotas a possuem. E, geralmente, quanto mais certeza, maior a idiotice. Alguns jovens pensam: "Vou entrar na USP com 18 anos, concluir meu curso aos 23, seguir minha carreira, curtir a vida, casar-me aos 39 anos, comprar meu Iate aos 43 e subir o Everest antes dos 60 anos..." Não é estúpido fazer planos e sonhar para o futuro. Estúpido é acreditar que planos traçados aos 18 anos serão realizados EXATAMENTE do jeito que foram elaborados. Se você elaborou um plano com tanta certeza e detalhamento o palpiteiro lamenta: você tem uma lista de desejos, não um plano. Eventualmente um mau desempenho na Fuvest pode alterar esse plano. O que não quer dizer que deva ser descartado. Viver é arriscar, errar, aprender e seguir. 

Cobertura "jornalística" sobre a Fuvest -


A imprensa aparentemente presta um serviço quando aborda a Fuvest nos dias que antecedem a sua aplicação. Informar a respeito do trânsito ou indicar algumas dificuldades de acesso é trabalho jornalístico. Mas raramente essas matérias acrescentam algo ao que o vestibulando já sabe. O cara já leu o manual, já sabe onde fará a sua prova e deve ter uma noção do tempo e do que será preciso para chegar até o local da prova. Mas o mais interessante é assistir aquela matéria jornalística com aquele tom "...tensão antes da Fuvest, candidatos aproveitam os últimos momentos de preparação, nesse cursinho...". 
A emissora líder de audiência mostra professores dando aula, entrevista alguns alunos e, coincidentemente, o cursinho onde a "matéria jornalística" foi gravada anuncia no intervalo comercial... Existe uma certa emissora que até esconde o nome e o logotipo do cursinho, mas deixa "acidentalmente" aparecer as cores e o visual que identifica o dito cujo. Campanha de marketing bem feita é aquela em que você vende o produto sem que o cliente perceba que foi induzido a fazê-lo. Isso mesmo: essas "matérias jornalísticas" nada mais são do que isso. Peças publicitárias disfarçadas de jornalismo.


Assumir culpa alheia - 

Passar na USP não é fácil. São mais de 130  mil candidatos para pouco mais de 10 mil vagas. A maioria será excluída muito menos por incapacidade acadêmica e muito mais pela simples injustiça de não haver um número digno de oportunidades para mais pessoas. O Estado brasileiro não foi capaz de resolver isso. O governo federal, o estadual e o municipal poderiam fazer muito mais pela educação do que fazem. Se o resultado de sua omissão é excluir jovens, o que se deve fazer é colocar as coisas nos seus devidos lugares. Fazer a prova com toda a dedicação e honestidade que lhe cabe. E exigir, continuamente, que essa situação mude. Há jovens que se sentem muito mal após o exame diante de um desempenho ruim. Passam a julgar a si mesmos. Autocrítica é importante, mas você não deve carregar nas costas a culpa da incompetência do Estado brasileiro no ensino superior. Menos.

Conduta de mau perdedor - 


O palpiteiro ingressou no curso de Geografia da USP em 1993. Em cinco anos de curso, pagou apenas pela  taxa de inscrição para a Fuvest e R$ 40,00 para o calígrafo escrever o diploma. Fez um bom curso, com excelentes professores e instalações muito boas, mesmo que abaixo do ideal. A USP proporciona isso em praticamente todas as carreiras. Mesmo nos cursos em que faltam equipamentos, há sobra de professores que compensam de algum modo. 
As universidades privadas atuam nessa realidade: absorvem as pessoas que não puderam ingressar numa universidade pública. Algumas - poucas - o fazem com dignidade. A maioria só quer ganhar dinheiro. Nessa história o palpiteiro tem percebido um discursinho pitoresco entre alguns jovens de classe média. Não admitem claramente que possuem poucas chances de ingressar na USP. Deve ser duro para alguns adolescentes entenderam que seus pais gastaram muito dinheiro para pagar escolas caras que eles não aproveitaram. Pior para aqueles que acreditam que o dinheiro compra muita coisa, menos vaga na USP. Seria digno repensar a vida. Alguns fazem isso. Outros não. Preferem falar mal da USP. Bradam que a "estrutura" é precária ( o palpiteiro sempre quis saber qual: a óssea, a molecular ou a dos prédios...). Querem acreditar que "só tem greve" e que a USP já era. Ou que "já não é mais a mesma".  Assim fica mais fácil pagar por cursos de qualidade discutível que cobram mais de R$ 1.500,00 mensais, além de outras taxas. É muito bom valorizar a universidade privada que presta um bom serviço. Mas não é elegante diminuir a outra universidade para destacar a que ele escolheu. Isso soa muito mal. É típico de maus perdedores...



Há muito mais coisas inúteis que um candidato da Fuvest não precisa. O palpiteiro só lembrou dessas. no mais, deseja muita tranquilidade e leveza na hora da prova. Ao fim de tudo, é só mais um prova em meio tantas outras que a vida irá oferecer. Provas que nenhuma escola ou cursinho irá prepará-lo. Sucesso, é o que o palpiteiro lhe deseja. 


Sunday, November 18, 2012

Lideranças que se perdem...

Quais seriam as diferenças reais entre a sinceridade e o oportunismo? Quem seria capaz de responder - para si mesmo- esse limite?

Heloísa Helena e Marina Silva figuram entre as personalidades que mais justificam essas perguntas. Ambas foram senadoras pelo PT e, por mais que se diga, nada há que desabone as suas condutas. Ninguém até agora as denunciou por corrupção, desonestidade ou incoerência. Mas será que ser "gente boa" é suficiente?

O sistema político partidário no Brasil tem muitos defeitos. Listá-los é tão desnecessário quanto improdutivo. Erros e sujeiras seriam difíceis de serem descritas em sua plenitude. 

Mas há algo mais do que a desonestidade. Há propósitos e compromisso. 

Heloísa Helena foi uma das maiores lideranças do PT em Alagoas, assim como Marina Silva no Acre. Suas personalidades e suas atuações não permitem que ninguém as definam como desonestas, hipócritas ou bandidas. Estiveram na base daquilo que o PT produziu de melhor desde 1980 até a chegada de Lula à presidência, em 2002. 

Primeiro foi Heloísa Helena. Confrontou o PT na votação da revisão da previdência social e acabou expulsa do partido. For execrada por colegas fundadores do PT, mas manteve a dignidade e os seus princípios. fundou um partido próprio, com descontentes do PT. Queria realmente criar algo novo a partir de antigas ambições: mudança política, pacífica e sem desonestidade. Princípios nobres em qualquer lugar do mundo. Mas tão difíceis de serem alcançados por falta de mão de obra: não há, em nenhum lugar do mundo, gente suficiente para dar conta de tamanha ambição. 

Heloísa Helena fundou o PSOL, partido de esquerda que se pretendia melhor do que o PT. Foi gradativamente marginalizada do partido que fundou. Foi uma grande personalidade em 2006, por ocasião da reeleição de Lula. Suas ideias e seus discursos forma notícias nacionais enquanto foram úteis para evitar um segundo turno. Passadas as eleições de 2006 a mesma mídia que a reverenciou, jogou-a no limbo do esquecimento. Heloísa Helena não errou por dizer o que acreditava. Errou por acreditar que o que dizia tocou aqueles que conduzem as opiniões de tantas ovelhas... Hoje é vereadora pelo Psol de Maceió, sem a grande expressão nacional que desfrutou até 2006. Outubro, para ser mair preciso...

Marina Silva foi a liderança política que ajudou a fundar o PT no Acre, onde surgiram importantes lideranças nacionais com respeito nacional. Desligou-se do PT após ter passado pelo ministério do meio ambiente. Ingressou no PV com uma proposta relativamente nova. Acreditava, sinceramente, na compatibilidade entre o discurso social e o apelo ambiental. Acabou por se aproximar demais de oportunistas religiosos. Foi a terceira mais votada em 2010, atrás de Dilma Roussef e José Serra. Poderia ter se destacado naquele ano ao apoiar um ou outro. Se fosse Serra, não teria nada a perder em caso de derrota. Pois poderia dizer que sua parte fora feita. No caso de Dilma, teria a chance de escolher entre a participação no governo ou uma oposição crítica e com a legitimidade de atacar a pessoa que apoiou. Tanto não apoiou Serra quanto Dilma. Hoje poucos se lembram de Marina Silva quando discutem a política nacional. Marina quis fazer diferença sem se comprometer com Serra ou Dilma. Foi engolida pela história. A eleição de 2010 passou, Dilma venceu, Serra perdeu e Marina Silva foi esquecida. Hoje em dia ninguém mais se lembra dela quando discute as eleições de 2014.

A vida é assim. Ou aproveitamos as oportunidades quando surgem ou lamentamos pelo resto de nossos dias. Aquele gesto, aquele sorriso, ou aquela ofensa que poderiam ter mudado nossas histórias se tornam lembranças do que poderiam ter sido, não o que realmente são: esboços da vontade que não se concretizou.


Talvez algum aprendizado possamos tirar das histórias de Heloísa Helena e Marina Silva:

- Jamais acredite na mídia. Saiba que aqueles que o reverenciam hoje não o fazem por seus talentos. Antes, aproveitam suas ideias, seu discurso e sua história para atacar aqueles que ameaçam os candidatos que preferem, há tempos.

- Saiba diferenciar entre apoio sincero e oportunismo eleitoreiro. Gente que nunca o procurou antes de sua chegada à fama, dificilmente terá o que contribuir para a manutenção dela.

- Quando veja, Folha, Estadão e Globo o tratarem com alguma reverência, desconfie. Isso é feito menos pelo que você é e muito mais pelo que você pode significar em termos de importância eleitoral - para outros quem não você...

- A honestidade e a ética são valores. Não são mais do que a direção em que todas as pessoas que se dizem do bem deveriam seguir. Na vida prática, em especial política, funcionam mais como plataformas de campanha do que realmente como bandeira política-partidária. O mesmo cara que admira a sua honestidade vota no candidato que mais desonesto se apresenta. 

- Flashes de TV são sedutores, mas não passam disso. Piscam e apagam, assim como a sua importância numa mídia podre, partidária e imoral.

- O sistema político-eleitoral no Brasil é nojento. Mas é a única forma real de se chegar ao Poder pela via institucional. 

- Não existe "meia-ética". Ou se é ético, ou não é. 




Thursday, November 15, 2012

"Coxinhas"

Por volta das 22:45h estava sempre lá, a viatura da PM, estacionada em frente à padaria. Farois altos ligados, portas abertas e as luzes vermelhas, piscando e rodando. A imagem do "policiamento ostensivo", segunda a linguagem técnica.

O padrão era o mesmo. Um policial atrás de uma das portas da viatura, como se estivesse com a arma em punho. O outro, seu parceiro, dentro da padaria, conversando ou comendo alguma coisa. 

Essa cena é tão comum em SP quanto as próprias padarias. A explicação é simples. À noite, os donos ou gerentes das padarias tiram o movimento do dia e precisam levar o dinheiro para suas casas. O esperado é que fiquem com o dinheiro até o dia seguinte, quando depositarão no banco. A presença de viaturas nesse momento é para afastar assaltantes. 

A PM que demora para chegar nos casos de agressão à mulher, nas brigas entre vizinhos ou quando uma pessoa reclama da música alta é prestativa com o pequeno comércio da periferia. A regra é simples e inconsciente: o respeito à vida vale menos do que a defesa do patrimônio.

Na periferia da cidade de São Paulo o povo pobre, como em qualquer lugar do mundo, constroi as suas próprias explicações. A presença recorrente de policiais militares nos balcões das padarias, amigos de comerciantes e inacessíveis ao que deles precisam, rendeu o singelo apelido de "coxinha". 

A elite branca de SP em geral desconhece o termo. Mas qualquer moleque da periferia de SP sabe. "Coxinha" é termo pejorativo para os PMs que protegem o patrimônio e que dão tapas em trabalhadores que julgam inconvenientes. 

Jamais, nunca, em hipótese alguma, chame um PM de "coxinha". Eles odeiam. O palpiteiro tinha um amigo que se perdeu na vida e se tornou tenente da PM. A penúltima vez em que o palpiteiro conversou com ele, ficou sabendo do  seu orgulho de ter cumprido a ordem de despejo na favela do Pinheirinho, em São José dos Campos. A última vez foi quando o chamou de "coxinha". O palpiteiro não perdeu a piada, mas perdeu o tal amigo. "Coxinhas" têm mais do que gordura em óleo reaproveitado. Eles têm sentimentos também...

É compreensível a indignação dos PMs com o termo "coxinha". Ganham mal, trabalham sem as mínimas condições de segurança e atuam numa corporação de castas. Altos oficiais que vivem como reis, mandam no governador de plantão e que estão acima da lei. E que comandam soldados que podem ser presos por algum capricho ou simplesmente por não terem feito a barba direito. A PM é desigual e doentia. 


Ser soldado da PM em SP é difícil. Não é possível saber o que pesa mais: a falta de alternativa ou o sincero apreço pela missão de defender a sociedade. E que ninguém duvide que entre os "coxinhas" existam realmente soldados capazes de dar a vida em nome do cidadão comum. Herois anônimos que convivem com parasitas alimentados à base de..."coxinhas"...


Na última semana duas notícias fizeram o palpiteiro pensar nos "coxinhas". A primeira e mais chocante foi a de que a PM identificou a fonte de informações do PCC para matar soldados. Diz-se que num quartel da PM na grande SP houve o vazamento de dados dos computadores, com nomes, endereços e telefones de policiais militares. Isso mesmo, policiais militares se venderam e repassaram as informações que facilitaram os atentados do PCC contra PMs... Traidores que negociaram a vida de colegas. Ou seja, o pior tipo de "coxinha" que já existiu na PM...

Outra notícia foi mais original. Transita entre o trágico e o patético. O governador Geraldo Alckimin afirmou que o uso de celulares nos presídios paulistas - que facilitam as ordens de execução contra PMs- "auxiliam" a polícia a ter informações sobre o crime. O inusitado da afirmação é a crença de que o crime pode ser combatido a partir da vista grossa que se faz com a prática do próprio crime... Genial...


Na lógica "alckimista" não se pode fumar em recintos fechados, como restaurantes, mas usar celular em presídio pode. E com justificativa!

O palpiteiro entende menos de segurança pública do que o ilustríssimo governador. Mas entendeu a sua lógica. 

Portanto, não custa pensarmos a respeito de outras medidas contra o PCC:

- facilitar a venda de drogas para crianças e jovens, pois assim saberemos quem são os traficantes; 

- deixar que mulheres sejam estupradas, para que assim possamos identificar os potenciais estupradores; 

- não prender quem bebe e dirige, pois no caso de acidentes, saberemos exatamente quem é que faz mal ou não para a sociedade...


Mais de 90 policias militares assassinados em 2012 e, quase 200 mortos em chacinas em menos de 30 dias, deveriam ser suficientes para percebermos que há algo de muito grave, sujo e inaceitável em SP. 


Mas a crise de insegurança ainda não chegou para valer na classe média. Os brancos de SP ainda estão no nível cotidiano de insegurança. Toque de recolher e chacinas ocorrem fora do centro expandido. 

Uma hora dessas a violência atravessa os rios Tietê e Pinheiros. Por enquanto só amedronta e mata "da ponte pra cá". 

Triste é saber que um governador frouxo ainda não se deu conta da gravidade do que seus atos fúteis tem resultado.    


Quantos "coxinhas" serão mortos até que São Paulo perceba que sua política de segurança é ineficaz, corrupta e desumana?  

Sunday, September 30, 2012

Hebe Camargo e o respeito à vida (ou a falta dele)

Dou aulas de Geografia há de 19 anos. Talvez poucos nomes foram tão lembrados nas minhas aulas quanto o de Hebe Camargo. E tenho certeza de que jamais disse algo de bom a respeito dela. Muita gente deu risada e, de vez em quando, alguém não se continha e perguntava: "Mas por que você não gosta dela?". Para alguns alunos eu dizia as minhas razões. Na maior parte das vezes respondia com outra pergunta: "Por que deveria gostar dela?", ou ainda, "Dê-me pelo menos 3 razões para gostar dela...". Nunca me disseram uma única razão.  

Ontem Hebe Camargo morreu e não foram poucos os amigos que me avisaram. Mensagens pelo celular, recados em caixa-postal e mais de 60 notificações no Facebook me obrigaram a dizer qualquer coisa. 

A primeira coisa que pensei foi explicar, finalmente, as razões de minha implicância com a falecida. Mas julguei que tão importante quanto isso seria deixar claro que não havia motivo para debochar da sua morte. Quem respeita a vida e luta contra os abusos contra ela não tem o direito de brincar com a morte dos outros. Eventualmente uma piada ou outra acaba saindo, em ambiente privado, descontraído. Publicamente não é bom. E no mundo em que vivemos é preciso cada vez mais separar o que é íntimo, privado, daquilo que pode ser público, aberto. 

E eis que aí procuro me diferenciar de Hebe Camargo. A busca pela correção   naquilo que tornamos público. 

Já disse algumas vezes, para algumas turmas de alunos, que um professor deve ter responsabilidade com aquilo que diz. Brincadeiras à parte, manifestações racistas, preconceituosas ou que preguem qualquer tipo de mal individual ou coletivo, devem ser combatidas, mais do que evitadas. Na minha carreira de professor tive períodos de lecionar, semanalmente, para centenas de alunos. Não tive o direito de pregar ódio. E procurei ser cuidadoso com isso. Sempre, apesar de erros.

Hebe Camargo tinha um alcance maior. Em rede nacional de TV atingia milhões de brasileiros. Era descontraída e tinha uma capacidade de comunicação rara. Reconhecer isso não me traz nenhuma dificuldade. Minha repulsa era justamente o que ela fazia com essa capacidade rara de comunicação. 

Quem ler o livro "Autopsia do medo", de Percival de Souza, ficará sabendo de muitas histórias a respeito do maior torturador do regime militar, Sergio Paranhos Fleury. Nele saberá de ao menos uma das relações entre o delegado torturador e Hebe Carmargo. 

Fleury se notabilizou pela capacidade de combater opositores do regime militar, em especial os guerrilheiros.  Ele era um delegado de péssima reputação na polícia de SP, mas foi útil ao empregar suas "técnicas" para a ditadura. Um promotor público de SP, baixinho e fisicamente frágil, chamado Hélio Bicudo, ousou enfrentar o delegado torturador, assassino e ocultador de cadáveres. 

Hélio Bicudo sabia que não podia enquadrar Fleury por crimes de combate a perseguidos políticos. Usou outra estratégia. Resolveu enquadrar o delegado pelos abusos que cometeu ANTES de ser agente da repressão política. Fleury fazia parte de um esquema de assassinatos conhecido como "Esquadrão da Morte", e por ele foi processado e julgado. 

A estratégia de Hélio Bicudo foi tão engenhosa que a ditadura não tinha como livrá-lo da cadeia. A solução para a ditadura foi mudar a lei. Inventou que réu primário não precisava necessariamente ser preso. A lei ficou conhecida como "Lei Fleury". Criada para livrar a cara de um delegado torturador. 

No processo contra Fleury foram arroladas testemunhas de para a sua defesa. Uma delas foi Hebe Camargo. Fleury agenciava policiais que trabalhavam como seguranças para cantores e gente da televisão. Por isso era bem relacionado com gente da TV. A estratégia da sua  defesa foi impressionar o tribunal com uma figura conhecida e muito influente. 

Muita gente pode ser poupada de críticas pelo que fez ou  deixou de fazer durante a ditadura. Hebe Camargo não. Num dos momentos mais tristes da história do nosso país ela escolheu um lado. No caso, o lado de quem não respeitava a vida e a dignidade. E fez isso conscientemente. 

No período pós ditadura não me impressionou que Hebe apoiasse Paulo Maluf e atacasse uma figura como Dom Paulo Evaristo Arns. Não foram poucas as vezes em que vi Hebe Camargo protestar contra defensores de direitos humanos. 

Também não me causou espanto vê-la no falido movimento "Cansei", aquele que tentou explorar politicamente a dor causada pela queda do avião da TAM. O movimento "Cansei" partiu de uma ação nojenta. Usar a morte e a tristeza para interesses político-eleitorais. Hebe Camargo mais uma vez não respeitou isso. 

Num país que valorizasse a vida humana e o respeito ao direito básicos de TODOS, Hebe Camargo não teria público. Não seria proibida de falar as bobagens e as apologias de violência que tanto apreciava. Num país mais civilizado ela simplesmente seria ignorada.

Entendo que uma figura como Hebe Camargo não aparecerá novamente, pela simples razão de que a televisão já não é a mesma. Até poucos anos atrás uma apresentadora de TV tinha um peso muito grande na opinião das pessoas, pois não havia muitas opções. Fico muito feliz hoje em saber que meus alunos ficam mais tempo da internet do que diante da TV. É cada vez menor o número de pessoas que ainda assistem novela e que levam a sério porcarias de programas como os que são apresentados na TV brasileira. 

O que lamento nessa história toda é que a saída de Hebe Camargo da TV brasileira se tenha dado apenas por conta da sua morte. O país que desejo para o povo seria capaz de se livrar desse tipo de conduta sem a morte. 

O respeito à vida me obriga a continuar lutando e me manifestando nessa direção. O respeito à vida humana  que Hebe Camargo jamais demonstrou ter. 

Morreu Hebe Camargo e espero que um dia morra esse jeito nefasto e desumano de usar a TV no Brasil. 



       

Thursday, August 30, 2012

Os 100 mil acessos

Em questão de horas, de acordo com as estatísticas do Sr. Google, o espaço em que agora escrevo terá alcançado 100.000 acessos. 

É razoável aceitar que uns 5.000 deles são do próprio palpiteiro, dada a necessidade de acessar o blog para   postar palpites, moderar comentários, ou simplesmente cortar o caminho para acessar os blogs do Luis Nassif e do Paulo Henrique Amorim.

A ideia do blog em questão nasceu da arrogante necessidade de publicar opiniões que ninguém solicitou. Mas também manter o agradável exercício da escrita. Escrever é antes de tudo uma prática. O palpiteiro sempre gostou de escrever, desde a primeira série do antigo primeiro grau. A composição com uma narrativa "da barata" se perdeu com o tempo. Mas está na memória, na folha de linguagem, com o carimbo da "lição da barata", que a professora usava para estimular a imaginação da molecada. (Os mais velhos devem se lembrar da lição da Barata da Cartilha "Caminho Suave").

Escrever é muito bom para quem gosta e tem tempo. Mas, segundo o velho Jorge Luís Borges, ler é a atitude mais nobre. Quando escrevemos perdemos tempo pensando nas palavras mais adequadas para ideias que ainda não temos necessariamente a clareza do que significam. No papel riscamos, na tela, deletamos. Mas ler é nobre. E o velho poeta cego disse que a pessoa que lê dedica-se apenas a ler. Não porta caneta, não mira o papel e não pensa em palavras. Desfruta das ideias e libera a imaginação. Borges sabia da importância do leitor para tudo o que escreveu. 

Escrita sem leitura não tem valor algum.

Sem demagogia, sem apelação ou markentig miserável, o palpiteiro agradece aos que por aqui passaram e leram, mesmo que apenas alguns parágrafos. Nesses 100.000 acessos não se descarta o número de pessoas que abriram, viram o título, leram a primeira linha e mudaram de endereço, em busca de algo mais importante. 

Mas há certamente aqueles que leram e gostaram. E tantos que se indignaram. Além dos que apenas lamentaram. 

Seja como for, o que vale é a comunicação. Não apenas aos que leram, mas principalmente àqueles que de algum modo pensaram no que foi escrito. A essas pessoas dedico o trabalho e o tempo - escasso - para algo em torno de 700 postagens e, agora, 100.000 acessos. 

Não parece nada. 

Para mim é muito. 


Grato a todos. 


Sergio de Moraes Paulo - opalpiteiro.



Obs.: em homenagem aos que passam por aqui, quero fazer algum tipo de sorteio. Vou escolher o livro, mas não me atrevo a montar a forma de presenteá-lo. Quem se dispuser a ter alguma ideia que seja simples e justa, que apareça. Não encontro outra forma mas adequada de solução que não seja a colaboração dos amigos - e eventuais inimigos- que acessam esse blog de quando em vez.

Tuesday, August 07, 2012

Hinos bonitos

Gostar do hino nacional dos outros não para qualquer um. Mas professores de Geografia, História e eventuais curiosos apreciam esse desvio.

Hinos nacionais surgem por razões diversas e nem sempre nobres. Não raro prevalecem pelo gosto do que estão no Poder e que desejam perpetuar o momento de seu comando. 

O hino da França tem tanto melodia quanto uma história bonita. Não nasceu para ser o hino oficial do país. Mas o seu significado foi tão forte que os franceses acabaram por adotá-lo. Foi o hino que ajudou a mobilizar as massas que da Revolução Francesa participaram. Seu apelo popular é tão forte entre os franceses que chegou a ser proibido por algum tempo.




O hino de Israel tem uma melodia triste e uma letra em forma de oração. O sofrimento dos antepassados em diferentes momentos da história serve para entendê-lo. Não precisa ser judeu e nem saber hebraico para se ter uma ideia do que representa. 


O da Alemanha é também interessante e com uma melodia não menos impactante. Originalmente nasceu como a "Canção dos Alemães" e pegou como hino. Há uma polêmica em torno de alguns de seus trechos. Quando se canta "Alemanha acima de tudo", há quem imediatamente acredite ser herança nazista. O mais interessante é saber que foi adotado como hino antes da ascensão dos nazistas. A turminha fanática do Hitler não inventou a exaltação da "Alemanha acima de tudo", mas soube aproveitar bem para os seus interesses. No pós-guerra o trecho em questão era evitado, e cantado apenas pelos neonazistas de plantão. Após a queda do Muro de Berlim, da reunificação do pais e de muitas discussões internas, aceitou-se que o hino deve ser cantado em sua versão integral. Com polêmica e tudo.


Os EUA podem ser criticados por muitas coisas. Mas indiscutivelmente possuem um belo hino. O palpiteiro nunca se deu ao trabalho de ler a letra com calma. Mas a sua melodia é muito agradável. Protestos à parte, Jimmy Hendrix o melhorou muito...


O da Argentina não deixa de ser bonito também. Mas provocações deixadas de lado, o palpiteiro tem sempre a impressão de ouvir muito mais um toque de fanfarra do que propriamente um hino. Como o da Itália, que lembra muito uma festa animada em alguma cantina do Bexiga. Embora alguns italianos apreciem muito uma segunda música que entendem ser uma espécie de segundo hino. Trata-se de Nabuco, de Verdi. Muito bonita, sem dúvida. 




O hino hino nacional brasileiro às vezes soa como marchinha, é animado e muito comprido, comparado aos dos outros países. Mas não deixa de ter sua beleza. Difícil é saber o quanto gostamos dele por ser belo ou apenas por representar o país.

Mas na tendenciosa, parcial e inútil opinião do palpiteiro, poucos chegaram perto do hino da Rússia. Eles tinham uma monarquia imoral quando os Bolcheviques tomaram o Poder e precipitaram a Guerra Civil que resultou na Revolução Russa. Lênin, a exemplo de outros líderes políticos, entendeu que era necessário um novo hino, para um novo país, que inaugurava uma nova era. 




Entenderam os líderes da Rússia comunista que o hino mais adequado seria a versão em russo da Internacional Socialista. Acreditavam que lideravam um novo processo de transformações que algum dia aboliria as fronteiras dos países. 

Lênin morreu, Stalin se tornou ou líder da URSS e a revolução mundial não ocorreu como anunciado. Assim como muitas coisas boas prometidas também não se confirmaram. 

Na Segunda Guerra Mundial os nazistas invadiram a URSS. Stalin e seus generais acreditaram que a mobilização nacionalista na guerra exigia um hino próprio. Encomendaram um hino com melodia forte e letra para lá de russa. Ele ficou pronto em 1944 e agradou muita gente cansada dos alemães. 

Os russos gostaram do hino, mas na década de 1950 alteraram a letra, que exaltava Stalin no momento em que denunciavam os abusos do seu regime ditatorial. 

Logo após o colapso do regime socialista e da desintegração da URSS abandonaram o hino de 1944, alterado na década de 1950. 

A URSS acabou em 1991 e, em 1992, nos jogos olímpicos de Barcelona, a Rússia se manteve como maior ganhadora de medalhas de ouro. O inusitado era assistir a medalhistas russos, orgulhosos de suas vitórias, mas constrangidos por ouvirem um hino que já não lhe dizia muito a respeito de seu país. 

Na década de 2000, a turma de Vladimir Putin inaugurou o hino atual. Mantido com a melodia e a exaltação da Rússia, dos tempos da URSS, mas com alterações na letra, para não incomodarem aqueles que se irritam com a lembrança dos erros e abusos da era soviética. 

Nos jogos olímpicos de Londres a Rússia já não tem mais a força dos tempos da Guerra Fria. Ver a Coreia do Sul ter mais medalhas que ela deve ser muito desagradável para muita gente da Bacia do Volga. Mas de uma coisa eles não podem reclamar: ainda vêem sua bandeira tremular em modalidades nobres e ouvem um hino que muito gostam. Assim como palpiteiros pelo mundo afora.

Sunday, July 15, 2012

Para o bem de todos

Para a necessária preservação da tranquilidade das cabeças alheias, assim como da própria, o palpiteiro não postará nada nos próximos 10 dias.

Wednesday, July 04, 2012

Uma despedida do Pacaembu

Na metáfora mais óbvia o futebol seria uma religião, os torcedores seus adeptos e os estádios os templos.


Na metáfora mais óbvia os estádios seriam os templos das alegrias e das tristezas. Das frustrações e das esperanças.

Na metáfora mais óbvia, o futebol seria politeísta. E seus Deuses teriam desígnios desconhecidos para os mortais. Nós.

Nenhum templo do futebol brasileiro tem o charme do Pacaembu. Construído para a  copa de 1950, foi sede do time campeão, a seleção uruguaia. Campeã.

O Pacaembu nasceu para ser nobre. 


Está localizado em bairro arborizado e que abrigava até uma concha acústica, derrubada para a construção daquela horrorosa arquibancada que chamam de "tobogã".

O palpiteiro confessa que já assistiu a jogo do Corínthians no Pacaembu. Além da memorável apresentação de Jimmy Page e Robert Plant, em 1995, talvez.

O Pacaembu foi o templo de outras paixões também, além da corinthiana. Palmeirenses e santistas também tiveram por lá as suas glórias. Pelé jogou muitas vezes naquele estádio.


Mas não há dúvidas de que foram os os corinthianos que mais amaram o Pacaembu. Isso é indiscutível.

Amaram? Não amam mais?


Parece que não. Caberá a Juvenal Juvêncio, o mais pateta dos presidentes que o São Paulo teve, a honra de ter mexido com o brio dos corinthianos e, ao mesmo tempo, ter tirado o Morumbi da Copa e estimulado o Corínthians a ter seu próprio estádio.

Juvenal Juvêncio quis humilhar o Corínthians e vender apenas 10% dos ingressos para um clássico com o SPFC. Achou que seria popular com seus torcedores sendo arrogante e burro. 

A humilhação levou a um ponto de honra: como mandante, o Corínthians jamais jogaria no Morumbi de novo. 

 Num primeiro momento  o caso prejudicou o Corínthians, pois o Pacaembu tem menor capacidade do que o Morumbi.O que significa menos ingresso vendidos. 

Mas o capitalismo jogou a favor do Corínthians. Com menos ingressos, os valores foram aumentados, devido a uma tal lei da oferta e da procura. 

Mesmo com preços exorbitantes, o estádio enchia e ainda dava para liberar o sinal para a Globo transmitir em TV aberta. 


Não demorou muito para o Corínthians descobrir que direitos de TV e ingressos caros dava mais grana que lotar o Morumbi inteiro com corinthianos a preços populares. O time do povo aprendeu a se elitizar. E ganhar muito com isso.

E assim se fez a aliança maligna, entre a Globo,o Corínthians e, mais adiante, o Poder Público nas suas 3 esferas, Federal, Estadual e Municipal.

Lula quando era presidente percebeu mais uma vez para onde os ventos sopravam. E sopravam para os lados da zona leste de SP...

Oportunismo todo político tem, mas negar o amor de Lula ao Corínthians é negar a realidade. 


Com interesses diversos e nem sempre dignos, viabilizou-se a construção do estádio do Corínthians. Sede da Copa do Mundo de 2014 em SP. 

Será um estádio moderno e à altura do novo momento do futebol: não muito grande e adequado para garantir ganhos de bilheteria com transmissões pela TV, que não afetarão as vendas de ingressos. 

O Morumbi é muito maior, mas quem já assistiu jogo lá sabe que é um estádio velho e inadequado para um espetáculo que exige cada vez a transmissão pela TV.

O Corínthians então terá o seu próprio estádio, com o estimulo do tricolor Juvenal Juvêncio, o mais cretino dos presidentes que o SPFC já teve.


E hoje será a despedida do Corínthians do Pacaembu. Seja lá qual for o resultado, no ano que vem o novo estádio estará pronto e, para o brasileirão 2012, há poucas chances do time da ZL decidir o título.

Caberão aos deuses do futebol decidir como será essa despedida. 


O templo poderá ser condescendente e ajudar o Corínthians de todas as maneiras: bola na trave, pênalti não dado e gol impedido poderão dar ao Corínthians o almejado título da Libertadores. Além da inspiração a gols históricos e ou heroicos. 

Mas também poderá haver um acerto de contas. O templo que tantas alegrias deu ao Corínthians, hoje desprezado, poderá ficar chateado. E tudo poderá da errado numa decisão em pênaltis. E sabemos que ao contrário do Deus judaico-cristão, os deuses do futebol são maliciosos, caprichosos e vingativos.


O palpiteiro não nega que assistirá ao jogo de hoje torcendo para o melhor, o Boca. E que ficará atento ao que o Pacaembu decidirá. 

A despedida do Pacaembu poderá ser inesquecivelmente boa para o Corínthians. Ou não. 

Os deuses falarão...

Monday, June 25, 2012

Quando os bovinos incomodam

Há momentos em que a ira se mistura ao desânimo.

Condição humana. Humana fraqueza.

Humanos são os erros.

Humanas são as tolices.

As vacas são felizes. 

Nunca erram. Pastam, ruminam e repetem sua vida ordinária.

Bovinamente.

O que fazer quando o desânimo e a ira se intrometem no seu caminho?

O que fazer diante de tanto pasto, ruminantes e ordinários?

Simples: voltar às raízes.

Sentir no coração e na alma de novo o motivo da caminhada. 

A alegria da renúncia consciente. 

Não pastar, não ruminar. Não repetir. 

Erros e desânimo. 

A ira então se vai...


Obs.: Para tanto


"A Cruz de Giz" (Bertold Brecht)

Eu sou uma criada. Eu tive um romance
Com um homem que era da SA.
Um dia, antes de ir
Ele me mostrou, sorrindo, como fazem
Para pegar os insatisfeitos.
Com um giz tirado do bolso do casaco
Ele fez uma pequena cruz na palma da mão.
Ele contou que assim, e vestido à paisana
anda pelas repartições do trabalho
Onde os empregados fazem fila e xingam
E xinga junto com eles, e fazendo isso
Em sinal de aprovação e solidariedade
Dá um tapinha nas costas do homem que xinga
E este, marcado com a cruz branca
ë apanhado pela SA. Nós rimos com isso.
Andei com ele um ano, então descobri
Que ele havia retirado dinheiro
Da minha caderneta de poupança.
Havia dito que a guardaria para mim
Pois os tempos eram incertos.
Quando lhe tomei satisfações, ele jurou
Que suas intenções eram honestas. Dizendo isso
Pôs a mão em meu ombro para me acalmar.
Eu corri, aterrorizada. Em casa
Olhei minhas costas no espelho, para ver
Se não havia uma cruz branca.
Bertold Brecht (Alemanha)