Saturday, December 07, 2013

A liderança de Mandela continua a unir

A morte de alguém oferece sempre a oportunidade para repensarmos muitas coisas. A morte de alguém como Nelson Mandela não deve ser diferente.

Madiba Mandela estava muito debilitado, tinha 95 anos e sua morte era esperada há meses. Muita gente apostou que ele morreria no hospital, quando estava internado por ter pneumonia.Até uma disputa familiar pelo direito de determinar o túmulo da família chegou a ser anunciada.

A imprensa nos últimos dias agiu como de costume. Biografia resumida em poucos minutos no rádio e na TV, ou publicada em páginas impressas deram a tonalidade emocional que mantém preciosos pontos de audiência ou alguma venda a mais para jornais e revistas em estado de coma. Nesses casos, é comum que a editoria prepare o material que será publicado tão logo se confirme a morte esperada. Anunciada ao mundo na tarde do dia 5/12, o Jornal Nacional dedicou um tempo considerável para o fato. Frases pinçadas, efeitos visuais e um bom material de arquivo certamente não foram improvisados naquele dia. 

Neste caso, a morte de Mandela para muita gente não se diferencia daquelas que recebem tratamento jornalístico mais prolongado. Jogadores de futebol, atores de cinema, políticos e tantos outros são igualados. Despertam alguma atenção e logo caem no esquecimento. 

Mas a partida de Mandela suscita outras condutas. A primeira é a de reconhecer que não foi apenas um ex-presidente de destaque internacional que morreu. Mas um líder. Certamente um dos líderes que fizeram diferença no século XX. 

Presidentes muitos podem ser. Muitos foram e são. Mas um grande líder  não aparece todos os dias. Líderes de verdade conseguem reconfigurar seus povos e contribuem para mudanças de caminho. Verdade que alguns podem liderar para a catástrofe, como Hitler. Mas outros usam sua liderança para a construção de uma vida melhor. Os líderes que realmente fazem diferença são reconhecidos pela continuidade de suas iniciativas, para além de seu próprio tempo. A liderança talvez possa ser medida justamente por isso, pelo tempo de permanência das ações. E também pelo alcance espacial delas. Certas realizações podem ultrapassar fronteiras. E por isso Mandela se destaca. Pelo alcance de sua obra no tempo e no espaço. 

A África do Sul teve um regime político racista dos mais vergonhosos do século XX. Mandela foi um líder da oposição contra ele. Agiu politicamente desde o início. Optou pela luta armada e não negou isso, jamais. Foi preso por pouco mais de um quarto de século. Sua filha mais nova tinha 2 anos quando ele foi encarcerado. Ele só a reencontrou a poucos anos de sair da prisão, quando ela já era mãe, com mais de 24 anos de idade. 

É impossível entender Mandela sem considerar o tempo em que foi preso. Quebrava pedras de calcário e dormia em péssimas condições. Teve muito tempo para pensar, sofrer e sonhar. Quando foi solto, não apenas a África do Sul o considerava um líder. Mas todo o mundo. Campanhas internacionais foram feitas para libertá-lo. 

Quando Mandela foi solto, ele tinha mais de 90% do país em suas mãos. Não tinha o poder de direito. Mas tinha de fato. Qualquer ser humano teria partido para a vingança contra os brancos. Mas Mandela não foi um ser humano qualquer. Conciliou com a minoria branca, que numericamente era reduzida. Mas militar e economicamente muito forte. Muitos acusam Mandela de ter feito muitas concessões e que por conta disso, as desigualdades entre brancos e negros ainda permanecem. Talvez seus críticos tenham certa razão. Mas um fato é indiscutível. Muitos eram aqueles que apostavam numa guerra civil com um esperado massacre do minoria branca. Um genocídio anunciado e não raro nas décadas de 1980 e 1990. Todas as apostas  num desfecho violento do Apartheid foram erradas. É bem razoável acreditar que as previsões mais pessimistas guardavam o equívoco de subestimar a capacidade política de Mandela.  


Por muitas décadas, uma parte significativa da minoria branca que detinha o poder acusou Mandela de comunista, corrupto, imoral e demagogo. Quando perguntado sobre isso, mesmo que indiretamente, Mandela sacava a frase feita: "Não sou santo...". 

Curioso notar que as grandes realizações se sobrepuseram aos erros do líder sulafricano. Uma dessas realizações foi o resgate da história do Apartheid na Comissão da Verdade e Reconciliação. Mandela entendia que não era o caso de partir para uma revanche, mas também que isso não significava a ocultação dos fatos ocorridos. Era preciso que seu país e que outros povos soubessem a verdade, para que os erros não fossem repetidos. 

Com o tempo, os detratores internos de Mandela se calaram. Muitos brancos não o suportavam mas, diante da força de sua liderança, simplesmente deixaram de se manifestar. 

Falar em lideranças que pregam a paz e defendem soluções negociadas parece algo impossível no Brasil de hoje. Certos segmentos da sociedade brasileira acostumaram-se mal. Passaram a confundir divergência política com inimizade. Críticas com ofensas.E tristemente não têm sido raro vermos
comemorações do câncer alheio ou do sofrimento daquele de quem se discorda. 


A presidência da República emitiu nota que a presidente Dilma irá ao funeral de Nelson Mandela. Na viagem a África do Sul, Dilma terá como convidados 4 ex-presidentes da república. Lula, FHC, Collor e Sarney aceitaram o convite. Não faltarão críticas ao desperdício de dinheiro público ou ao interesse de auto-promoção. Mas não deixa de ser interessante imaginar um bate-papo entre Lula, FHC, Dilma, Collor e Sarney no mesmo avião, por horas. Lideranças políticas de diferentes pesos, com pensamentos distintos e biografias muito peculiares. 

Em tempos de manifestações políticas marcadas pelo ódio e outros rancores, saber que Dilma, Lula e FHC terão a oportunidade de conversarem por horas, sem a presença da imprensa, é muito relevante. Entre os tantos motivos de conversa, certamente estará a vida de Mandela. Se Lula, Dilma e FHC tiverem juízo, farão um balanço honesto de tudo o que fizeram de bom e de ruim para as relações políticas do Brasil. Se tiveram a grandeza que se espera de ex-presidentes, chegarão à conclusão de que o Brasil carece de modos menos virulentos de tratamento entre adversários. 

A possibilidade de que as relações entre líderes petistas e do líder tucano possam ser menos agressivas não significaria a conciliação oportunista. Estaria muito mais próxima de um troço que chamam de civilidade. 

Mandela lutou pela união de seu país e o mundo reconhece isso. Não custa sonhar que possa fazer isso para além de suas fronteiras nacionais. Que o exemplo de Madiba Mandela sirva de assunto no avião da presidência da república.

Saturday, November 23, 2013

Outro recado para você que vai prestar Fuvest

Barack Obama cursou Ciências Políticas na Universidade de Colúmbia e depois Direito em Harvard. Foi líder comunitário em Chicago. Membro do Partido Democrata, elegeu-se senador pelo Estado de Illinois, em 1996. Em 2003, quando o presidente George War Bush tinha grande apoio popular para invadir o Iraque, Obama teve a coragem de se manifestar contra. Tantos os republicanos quanto os democratas apoiaram Bush. Naqueles sombrios dias de março de 2003, quem se opunha à invasão do Iraque era facilmente rotulado de anti-patriota ou conivente com o terrorismo. Os anos se passaram e o mundo constatou o erro da guerra contra o Iraque. Obama tem essa moral até hoje, a de ter escolhido e apontado o lado certo quando a maioria surda convictamente apoiava o erro. Dito isso hoje parece ter sido fácil para ele. Mas é razoável apostar na angústia e no mal-estar que deve ter sentido quando muitos o hostilizavam por suas convicções. Seja lá o que tenha pensado, Obama é o presidente do país mais poderoso do mundo hoje. 

Fernando Henrique Cardoso estudou Ciências Sociais e se tornou professor da USP. Poderia ter se aposentado nessa condição. Ingressou na política, fundou um partido e foi presidente do Brasil, eleito e reeleito. Luis Inácio Lula da Silva era operário. Ingressou na vida sindical num momento de desgosto pessoal. Também tomou gostou pela política, fundou um partido e foi eleito e reeleito presidente do Brasil. Assim como no caso de Obama, é um exercício interessante especular se esses dois líderes políticos tinham tanta convicção das decisões que tomaram e que acabaram, por diferentes modos, trazendo resultados satisfatórios para suas pretensões políticas. 

Florestan Fernandes foi um menino pobre que trabalhava como garçom num restaurante do centro de São Paulo. Não tinha terminado os estudos no tempo certo. Cursou o "madureza" - um tipo de supletivo- e entrou na USP, no curso de Ciências Sociais. Anos mais tarde ele se tornou doutor em Sociologia. Florestan Fernandes foi professor de Fernando Henrique Cardoso e amigo de Lula. Foi conselheiro dos DOIS durante a elaboração da Constituição que temos até hoje. Florestan poderia ter se aposentado como garçom. Preferiu estudar um pouco mais. Arriscou, talvez sem saber se poderia ter ido tão longe - quem é que sabe? Mas ele tentou. Não foi presidente do Brasil. Mas formou dois deles. 

Um jovem chamado Nelson Massini ingressou na Unicamp para cursar odontologia. Queria ser dentista. No meio do curso descobriu um outro mundo. Especializou-se em Medicina Legal. Na década de 1980 já era uma referência na sua área, quando se descobriu que um dos maiores criminosos nazistas tinha vivido no Brasil. Joseph Mengele, o Anjo da Morte do Campo de Awschvitz, viveu em São Paulo, morreu afogado em Bertioga e foi enterrado no cemitério na cidade de Embu, com nome falso. O mundo deve à perspicácia de Nelson Massini a comprovação de que o corpo enterrado no Embu era mesmo de Mengele. Nelson Massini é consultor da ONU, para perícia em casos de genocídio, como os que ocorreram na antiga Iugoslávia. Massini poderia ter sido dentista. Foi muito mais longe do que isso. Quem é que sabe o quanto de dúvida pairou sobre sua cabeça nos momentos de tomada de decisão? Hoje o sucesso acadêmico e o reconhecimento público dão a impressão de um ser anormal, um ser humano inigualável. Mas também é razoável apostar que teve alguma insegurança. Assim como tiveram Obama, FHC, Lula e Florestan. 

Aziz Nacib Ab-Saber queria ser professor de escola básica. Ingressou na USP para fazer História. Apaixonou-se pela Geografia. Pouco tempo antes de terminar o curso de Geografia estava determinado a ser professor da rede estadual de ensino de São Paulo. O salário era bom na época e ele precisava ajudar os pais com as despesas dos irmãos mais novos. Um professor propôs que ele se dedicasse à pesquisa. Mas ele teria que trabalhar como jardineiro da USP, até que dessem um jeito de contratá-lo. Aziz trabalhou como jardineiro por cerca de de 4 meses. Orgulhava-se de dizer isso. Depois da curta experiência como jardineiro foi técnico de Laboratório, doutorou-se e se tornou professor da USP. Emérito, como Florestan e FHC. Aziz foi o maior conhecedor da Amazônia que o mundo já teve. Será para sempre um dos nomes para estudos ambientais no Brasil e no mundo tropical. Aziz poderia ter sido, dignamente, apenas professor da escola básica. Foi muito mais longe do que isso. Foi o Professor de todos os professores de Geografia do Brasil.

A vida nos coloca o tempo todo diante de tomadas de decisão. Algumas são banais e outras podem mudar nossas vidas para sempre. Atravessar uma rua no tempo certo, não reagir a um assalto ou aceitar o amor de alguém que nos surge de repente. Nunca sabemos, no momento da decisão, se estamos de fato acertando. Decidimos e apostamos. Às vezes com maior ou menor convicção. Mas sempre é uma aposta. 

Podemos aceitar que a vida é feita de inúmeras situações em que a dúvida nos provoca. Se for assim, aumentam as chances de suportar melhor toda a pressão, angústia e ansiedades que as dúvidas nos colocam. 

Estamos a poucas horas de mais uma edição da Fuvest. Se você acreditar que é um monstro medonho, um monstro medonho ela será. Se permitir-se aceitar que se trata de uma longa prova que exige muitas decisões, verá que não há monstro. Há uma circunstância da vida em que haverá pressão e dúvida. 

Não sei o que essa prova pedirá. Tenho certeza de que será mais uma entre tantas que já ocorreram e outras que ocorrerão. Sei que  no passado muitos se decepcionaram e que outros tiveram o sucesso desejado. Tenho certeza de que aqueles que tinham a convicção da aprovação eram muito poucos. 

Queria ter escrito alguma coisa para você nesse momento. Pensei muito sobre isso. Penso todos os anos, às vésperas dessa aberração brasileira chamada vestibular. Não sei o quanto isso poderá ajudar ou atrapalhar. Na dúvida, preferi acreditar que poderia lhe dar algum alento e dizer que muitos desejam seu sucesso. E que ter dúvida ou insegurança não é feio ou pequeno. É humano. Como são humanos os que acertam e os que erram. 

Quero muito que você acerte.  Boa prova.                

Saturday, September 14, 2013

Um olé de Putin em Obama

Acompanhar o caso da Síria, sob ameaça de ataques dos EUA e Reino Unido nas últimas duas semanas, mesmo que superficialmente, foi certamente uma experiência digna de aprendizado com fortes emoções. 

Pelo lado do aprendizado, ficou a lição de que as palavras, tanto quanto as armas, fazem parte das relações internacionais, ou daquilo que vulgarmente chamam de Geopolítica. 

Pois há poucos dias, menos de 15 para maior exatidão, víamos o presidente da "maior potência" do planeta urrar como um leão, alegrando os velhos senhores da guerra, acionistas de fábricas de armamentos e especialistas formados em tabuleiros de WAR, alguns deles jornalistas de nossa "grande" imprensa. A velha frase "a montanha pariu um rato" nunca foi tão apropriada para uma farsa chamada Barack Obama. 

Não faz muito tempo, desavisados "informados" pela ala histérica de diversos veículos especulavam ante a possibilidade de um conflito generalizado no Oriente Médio, a partir da Síria. O apoio firme da Rússia de Putin levou as mais exaltadas mentes a especular um "eventual conflito de grandes proporções". O sensacionalismo nosso de cada dia deu as caras para, mais uma vez, segurar a audiência e as vendas de jornais e revistas decadentes com os velhos clichês: "...consequências imprevisíveis..." ou (a melhor de todas) "...uma guerra sabemos como começa, nunca como termina...".

Na agência Reuters, em 03/09/2013, líamos:



  Obama pediu, durante encontro com líderes parlamentares na Casa Branca, uma votação rápida do Congresso e reiterou que o plano dos EUA será limitado e não repetirá as longas guerras no Iraque e Afeganistão.
"O que estamos vislumbrando é algo limitado. É algo proporcional. Vai reduzir a capacidade de Assad", disse Obama.



O contexto era de ataques inevitáveis, mesmo que limitados a incursões aéreas, sem invasão terrestre. 

Hoje, 13/09/2013, as informações surgem em outro tom, como pode-se ler no Jornal de Notícias ( jornal português com nome para lá de criativo):

 Na noite de terça-feira, Obama anunciou ter solicitado ao Congresso a suspensão da discussão de uma resolução sobre o uso da força na Síria, depois de os russos, aliados de Al-Assad, terem proposto colocar o arsenal químico sírio sob controlo internacional, para destruição posterior.

Se antes tínhamos um Obama feroz, a rosnar a hegemonia de seu país diante de uma comunidade internacional resignada, hoje testemunhamos um líder fragilizado, a marcar posição de que não recuou e que ainda pode vir a atacar a Síria. Obama, o presidente que se elegeu em 2008 prometendo mais diplomacia e menos guerra é hoje quase patético.

Mas quais teriam sido os fatores a provocar tamanha alteração em tão poucos dias? Fatores, pois em casos como este, nunca se deve atribuir apenas um motivo. 

Certamente, uma das razões foi o vacilo de Obama em ir além do que realmente poderia. Pois se é verdade que militar e politicamente os EUA podem muito, experiências como o Vietnã, Afeganistão e Iraque provam que não podem tudo. Cercado de problemas domésticos, Obama precisa de apoio no Congresso para deixar sua marca como um líder, mais do que um presidente. Seus desafios não são pequenos. Crise econômica, empobrecimento, faltas de perspectivas para milhões de jovens e o risco de ser o presidente que mais prometeu do que cumpriu. Seu sistema de saúde pública ainda não é uma realidade para os 40 milhões de cidadãos que dele precisam e os empregos que a sociedade espera ainda não foram gerados em número suficiente. Obama contagiou os EUA e grande parte do mundo com uma esperança que não se concretizou. Para acelerar suas ações precisa de apoio no Congresso, o que inclui agradar republicanos e democratas ligados aos lobbys do petróleo, dos armamentos e da comunidade judaica. Não criar problemas para Israel na questão Palestina, não avançar nas relações com o Irã e ter um discurso belicista para o Oriente Médio são evidências desse esforço agradar aqueles de quem não se gosta mas de quem se precisa.

Obama deve ter realmente acreditado que poderia atacar a Síria com poucos danos políticos, tanto no plano interno quanto no externo. Deu-se mal. 

Internamente o que se viu foi uma crescente oposição à guerra, maior do que ele certamente esperava. Dizer que o povo americano está cansado de guerras inúteis não é demais. Acreditar que há um número de cidadãos nos EUA constrangidos com a imagem do país após o que ocorreu no Iraque e o que vem ocorrendo no Afeganistão é mais do que razoável. 

Entretanto, foi no lado externo que Obama apanhou feio. Um duro golpe foi a retirada do apoio do Reino Unido. A Rainha Elisabeth, madrinha de tantas mortes em sua história, assim como Cameron, um dos muitos primeiros-ministros dóceis aos EUA, bem que gostariam de manter o apoio ao primo rico. Mas o parlamento britânico não embarcou em mais uma aventura. Sem o apoio do Reino Unido, os EUA caminharam para o isolamento internacional, a despeito do entusiasmo de Hollande, presidente da França, outrora potência relevante. Hollande quis levar a França a ter algum protagonismo, ressuscitar uma influência que seu país já teve. Não foi o bastante para Obama. Hollande também apanhou e carregará o prejuízo de ter evidenciado a reduzida capacidade de influência francesa em nossos dias. Ou seja, a França quis se aliar aos EUA contra a Síria para ter demonstrar alguma importância. Se Obama hoje está queimado, Hollande saiu chamuscado. 

Mas o grande jogador em toda essa história foi Vladimir Putin, presidente da Rússia. Putin é o presidente que demonstra a habilidade política que a história premia com reverência, mesmo àqueles que pouco merecem respeito. Putin, ex-agente da KGB, sabe como poucos agir na política, pelo bem e pelo mal. Internamente é o presidente que manipula a imprensa, ameaça jornalistas, persegue opositores, mata separatistas e promove a intolerância contra os "indesajáveis" na Rússia. Putin é o caso do político que que age contra direitos e valores democráticos, mas tudo que faz é calculado. Como poucos, conhece a alma do povo russo, saudoso dos tempos da União Soviética e coeso sob duas grandes instituições do país, o exército e a Igreja Ortodoxa. Muito do que que Putin faz dentro da Rússia atinge esses dois objetivos, que são o resgate do orgulho russo em sua importância mundial, e a "defesa" de valores tradicionais do clero cristão ortodoxo. Matar chechenos, exaltar o exército e perseguir homossexuais são algumas das ações que fortalecem Putin dentro da Rússia, mesmo que chovam críticas internacionais. 

Em 2008 era primeiro-ministro de Medvedev, o presidente que elegeu para cumprir os 4 anos de mandato necessários para que Putin voltasse. Na Rússia, como no Brasil, só se pode ter uma reeleição consecutiva. Putin ficou no poder entre 2000 e 2008, apoiou Medvedv em 2008 e foi novamente eleito em 2012, com direito a tentar uma reeleição em 2016. Se continuar a jogar bem dentro e fora do país, poderá ficar no poder até 2020. Somando os tempos na presidência e como primeiro-ministro, Putin estará a altura de outros líderes, como Stalin e Brejenev. Certamente mais do que Lênin, Krushev e Gorbachev. 

Do tempo soviético, sobrou à Rússia no Oriente Médio a Síria como aliada, que abriga uma base naval russa no porto de Tartus e recebe apoio militar para manter a ditadura de Assad. Interessado em recuperar a importância que a Rússia já teve, Putin sabe que precisa da Síria para fazer frente aos EUA. Pode-se criticá-lo pelo apoio à ditadura de Assad por isso, mas fazê-lo sem lembrar do apoio dos EUA à ditadura da Arábia Saudita é transitar entre a ignorância e a má-fé. A crítica a ditaduras por respeito a valores democráticos não é compatível com ataques seletivos, diferenciando ditadores "malvados", quando adversários, ou "bonzinhos", "necessários", quando aliados. 

A Rússia tem fornecido armas e apoio ao regime de Assad desde a década de 1970. Não deixou de fazê-lo quando explodiu a guerra civil no país, em 2011. Obama diz se incomodar com as cerca de 1400 vítimas de armas químicas. Mas nada diz sobre as mais de 100.000 que morreram em consequência dos conflitos entre o governo sírio, apoiado pela Rússia, e os "rebeldes", amontoado de opositores armados pelos EUA e Arábia Saudita.

Putin nunca hesitou em seu apoio ao governo sírio. Nunca deixou de afirmar que a Rússia vetaria ataques dos EUA ao país em caso de consulta ao Conselho de Segurança da ONU. Obama ameaçou fazer o que Bush fez em relação ao Iraque e à Líbia: atacar sem consultar a ONU. 

Sem o apoio inglês, com pouco entusiasmo pelo apoio francês, alvo de críticas internas nos EUA e diante da firmeza russa, Obama mudou o tom de seu discurso. Poderia ter ordenado ataques à Síria sem consultar o Congresso dos EUA. Mudou de ideia e anunciou que desejava consultá-lo. Foi apoiado no Senado, mas sentiu que haveria maior resistência com o risco de reprovação dos deputados. Obama decidiu pedir adiamento da votação. 

No documentário "Sob a Névoa da Guerra", Robert McNamara, ex-secretário de Estado dos EUA na administração Kennedy, e condutor das negociações na Crise dos Mísseis entre EUA, Cuba e URSS, em 1962, ensina que não se pode deixar o adversário sem escolhas. Quando se negocia em momentos de forte tensão, um caminho é colocar-se no lugar do adversário. Pensar que ele deve ter uma saída honrosa e que não saia humilhado diante de uma derrota que você deseja lhe impor. Putin fez exatamente isso na última semana. Falou firme contra os ataques à Síria, declarou seu veto na ONU, mas negociou com Assad a entrega de seu arsenal químico a uma comissão internacional que deverá ter participação russa. Para todos os efeitos, Obama ainda quer demonstrar uma firmeza que não teve nos últimos dias. Caso alguém o questione, poderá argumentar que os ataques não foram necessários e que a ameaça deles fez com que Assad entregasse seu armamento. 

Ao fim de tudo, Putin construiu uma solução na qual Obama poderá sair dizendo que ganhou a discussão, num cenário em que Assad permanece no poder, com apoio militar russo e uma base naval aliada para conter eventuais ameaças dos EUA. Como resultado de todo o jogo de ameaças, avanços e recuos, Obama saiu, internacionalmente, menor do que entrou em toda essa história. Putin, sem alarde, saiu maior. 

Obama ainda tem tempo para ações que demonstrem sua grandeza, pois tem mandato até 2016. Mas parece que é Putin que ganhou maior segurança para apostar em sua permanência até 2020. E Assad permance, até então. 

     

   

Monday, July 15, 2013

Fora do ar

Por razões humanitárias este espaço ficará sem postagens até o próximo dia 24/07. 

O palpiteiro estará em algum lugar do Atlântico Sul. 

Caso queira saber mais do que isso, tente com esse pessoal:


CIA: 
 By postal mail:
Central Intelligence Agency

Office of Public Affairs

Washington, D.C. 20505


By phone:

(703) 482-0623

Open during normal business hours.


By fax:

(571) 204-3800



Ou...

NSA


National Security Agency

Attn: NCSC Capability Program

9800 Savage Road, Suite 6940

Fort Meade, MD 20755-6940

Sunday, July 07, 2013

Seria Snowden um heroi?

Em tempos de informação rápida, dispersa e superficial, herois e bandidos são construídos e desconstruídos com requintes de vulgaridade. O velho Mandela é o exemplo do momento. Ele foi condenado por terrorismo pelo regime    racista do Apartheid na África do Sul. E considerado pela CIA como elemento perigoso e potencialmente comunista, razão do apoio dos EUA ao governo racista sul-africano. Mandela defendeu ações terroristas contra o governo do seu país na década de 1960. Décadas depois, constatou-se que os planos de Mandela estavam num contexto de um regime autoritário e desumano, razão pela qual as explosões planejadas por seu grupo deveriam ser consideradas como atos de resistência legítima, a exemplo da resistência francesa contra os nazistas. Mandela foi solto por pressões internas e externas. Ganhou um prêmio Nobel da Paz e, hoje, no leito de morte, é considerado um dos maiores líderes do século XX. Ele teve uma vida pessoal nada tranquila. Contra ele, pesa uma acusação de agressão a sua primeira mulher, ainda antes de ser preso na década de 1960. Sob essa ótica, quem é Mandela? Líder pacifista, libertário, terrorista ou agressor de mulher? Quem leu a autobiografia do velho deve se lembrar da frase que nos ajuda a entende-lo: “não sou santo”.
A mídia estrangeira e sua subsidiária tosca no Brasil vivem a construir herois e bandidos. Curioso é notar que o heroi de hoje pode ser o bandido de amanhã, e vice-versa. Mas será que as pessoas mudam tanto assim? Ou mudam os juízos e rótulos que se constroem sobre elas?
Um palpiteiro notou que um candidato a herói/bandido não tem recebido a atenção devida, em que pese o conteúdo explosivo de sua importância. Edward Snowden é o típico caso misterioso, do qual ainda não tivemos a exata dimensão da sua importância.

Snowden é um nerd que não tem curso superior. Seu talento para sistemas de informação poderia ser comparado a Marc Zuckerberg do Facebook, Bill Gates, da Microsoft, ou Steve Jobs, da Apple. A diferença é que Snowden não ficou rico. Mas convenhamos, azucrinar a Casa Branca, irritar FBI, CIA e outros 13 serviços de inteligência dos EUA e, ainda por cima, indispor as relações dos EUA com dezenas de países, em menos de duas semanas, não é um feito a ser desprezado. Os outros nerds adorados pela mídia fizeram fortuna. Snowden está prestes a fazer história.

O nerd em questão trabalhou na CIA, na Suíça. Para quem não sabe, as contas secretas de paraísos fiscais como a Suíça atendem a mais do que corruptos, sonegadores fiscais, terroristas, traficantes e outros criminosos. Governos usam contas secretas para encobrir ações de seus espiões, em serviço pelo mundo afora. Quanto maior o poder econômico e ou político de uma potência, maior é a necessidade dessas contas secretas em outros países. Se levarmos isso em conta, dá para ter uma leve ideia do quanto Snowden viu e sabe.

As informações disponíveis até agora indicam que o nerd amargurou muita coisa pelo que viu e testemunhou. Em 2008, em final de governo Bush, Guerra do Iraque e campanha eleitoral, Snowden apostou que as coisas poderiam melhorar com a vitória de Obama. Não melhoraram.

O rapaz então tomou a decisão que causa confusão em meio mundo- e isso não é força de expressão. Vivia com sua namorada no Havaí até poucas semanas atrás. Decidiu voar para Hong Kong e denunciar o departamento de Estado dos EUA de lá, da China. O governo dos EUA pediu sua prisão. A China não tem acordo de extradição com os EUA e liberou o rapaz. Interessante notar que a China, acusada de prisões arbitrárias pelos americanos, não ter prendido Snowden em seu território. Gente maldosa e dada a palpites aposta num eventual acordo entre o governo chinês e Snowden: você denuncia os Ianques a partir de nosso território e damos as condições para que saia antes de sermos forçados a prendê-lo. A China não dá ponto sem nó. EUA, Rússia, Europa e América Latina em discussão por conta de Snowden e os chineses assistindo a tudo, de camarote...

Mas afinal, o que Snowden denunciou? Segundo ele, a Agência de Segurança Nacional dos EUA tem condições de monitorar e grampear qualquer computador conectado na internet. Sistemas sofisticados permitem a quebra de sigilo com a manipulação dos dados da Microsoft, Facebook, twitter, Skype e, quem sabe, até naquela página moribunda que você guarda no pré-histórico Orkut.

De acordo com o nerd dedo-duro, os EUA monitoram a União Europeia e várias autoridades dos países do continente. Há informações de que tenham fuçado a vida de autoridades e empresários no Brasil. E, se perguntar não ofende, a questão torna-se tão óbvia quanto abjeta: se os EUA agem assim com amigos, o que não estariam fazendo com inimigos? Ou antigos rivais, como Rússia e a China?

Snowden voou da China para a Rússia, numa área internacional do aeroporto de Moscou. Tecnicamente não está na Rússia. Os EUA pediram à Rússia que o prendesse. Mas o país também não tem acordo de extradição com os EUA. Danadinho esse nerd...

Apesar do escândalo provocado pelas atitudes nada legais- em duplo e pobre sentido- dos EUA, Snowden é um criminoso. Ninguém pode revelar segredos de Estado para o mundo. Isso é tão criminoso nos EUA, quanto no Brasil ou na Tailândia. Mas Snowden e muitas outras pessoas acreditam que não se trata de um crime. Trata-se do descumprimento das leis de um país que descumpriu leis, acordos e bons modos com meio mundo. Para o governo dos EUA, Snowden é nada menos do que um traidor de alto calibre. Para outros mundo afora, é um heroi que lutou pelo direito à verdade.

Na semana passada houve mais um episódio interessante nessa história toda. O presidente da Bolívia, Evo Morales, estava em Moscou, num encontro de chefes de Estados produtores de gás natural. O avião de Morales tem baixa autonomia de voo e precisa ser reabastecido com regularidade para viagens longas. No caminho de volta, Portugal, Espanha e França negaram o necessário pouso para o avião de Morales. Coube à Áustria conceder o direito INTERNACIONAL de um avião presidencial fazer uma parada para reabastecimento. Segundo Morales, os austríacos revistaram seu avião, à procura de Snowden. Não o encontraram. Mas provocaram um incidente internacional sem precedentes na história recente. A atitude dos austríacos é antes de tudo uma agressão, condenada pelos protocolos diplomáticos internacionais. Morales protestou, e teve a solidariedade de outros presidentes latino-americanos, o Brasil inclusive.

Mas cá entre nós, gente maldosa aposta que os russos e os bolivianos deram um passa-moleque nos EUA e nos seus paus-mandados europeus. Não precisa ser um gênio especialista em espionagem para imaginar que há a presença da CIA em Moscou. Assoprar nos ouvidos dos espiões da CIA na Rússia, sugerindo que Snowden estivesse no avião de Morales, não é algo lá tão difícil de fazer. Sobretudo para os russo, velhos conhecidos da CIA... Dada a gana dos EUA para prender Snowden e, a histórica relação hostil do presidente Morales aos EUA, nada mais lógico. Tudo faria muito sentido, caso Snowden estivesse realmente no tal avião. O saldo foi catastrófico para muita gente. Para os europeus que barraram Morales, ficaram o peso de cometerem uma ilegalidade e o constrangimento de terem agido errado sob ordens de Washington. Ou seja, saíram na foto como paus-mandados de Obama. Para os EUA, ficou pior. Seu serviço de inteligência e espionagem pode até ser sofisticado e intrometido, mas, neste caso, provou ser incompetente a ponto de não saber com precisão onde de fato estava Snowden...

A novela prossegue. A Venezuela está disposta a dar asilo político a Snowden. O problema é como deslocar o moço de Moscou a Caracas, num voo que exigiria pouso para reabastecimento. Uma pergunta é mais do que provocativa: onde?
Sabe-se lá o que acontecerá com Snowden e com as relações 

dos EUA com o mundo. Espionar a União Europeia,  indispor-se com a China, se atritar com o governo russo e ofender a América Latina não é pouca coisa para menos de 15 dias. O tempo se encarregará do destino de Snowden que, a despeito de ser inteligente e ousado, precisa de aliados poderosos e, quem sabe, alguma sorte. Não erra quem disser que, hoje, Snowden é prioridade número 1 dos EUA, comparável ao que foi Bin Laden há pouco tempo.

Mas a história, como a Geni, tem lá o seus caprichos. Até o momento, Snowden provou que é bom de xadrez. Joga com muita inteligência e uma ousadia capaz de fazer qualquer 007 de idiota.


Mas então, Snowden será Heroi ou bandido? Talvez daqui a algumas décadas tenhamos um julgamento mais sereno. Hoje, não deixa de ser empolgante assistir a mais uma página da história sendo escrita. E interpretada das maneiras mais diversas.   

Sunday, June 16, 2013

Sem ainda vencedores, há muitos perdedores até agora...

Ainda não está claro quem de fato vai ganhar com toda a movimentação que o Movimento Passe Livre tem promovido em São Paulo, com sinais de expansão nacional e discreta atenção internacional.

Um curioso, testemunha da manifestação histórica de 13 de junho, notou algumas peculiaridades em relação a outras vistas nas décadas de 1980 e 1990. 

Em primeiro lugar, a falta de uma liderança dos moldes convencioanais. Não há carro de som, com liderança discursando à frente. Também não há palanques nos locais de partida e de chegada. Os manifestantes se manifestam, pura e simplesmente. 

Outro aspecto é a idade dos participantes. Em geral, muito jovens, abaixo dos 30 anos. Não poucos, abaixo de 18 anos. O curioso que estava na rua da Consolação, em frente à praça Roosevelt, tinha 40 anos de idade. Notou poucos como ele em meio à multidão. Acima de 30 anos, jornalistas e oficiais da PM. (Curioso registrar que muitos dos soldados têm idade próxima dos manifestantes...)

A manifestação com tantos jovens e nenhuma liderança expressiva tem lá suas virtudes. Conforta aqueles que querem ter participação política mas que não concordam ou não mais suportam as lideranças partidárias formalmente organizadas. Não deixa de emprestar leveza ao que se pretende: livre manifestação. 

Mas também há problemas. Lideranças responsáveis são úteis para dar algum cuidado para com seus liderados. Além da segurança física, quanto a não aceitação de provocações para a violência, as lideranças cumprem o papel de não permitir perda do foco, ou seja, dos motivos pelos quais se protesta. A diversidade de bandeiras e dizeres nos cartazes revela mais do que indignações contidas na garganta. Demonstra o quanto nossa sociedade está carente de organizações sociais, políticas e populares que realmente representem quem dizem representar.

O curioso observou bandeiras do PSOL, PCO e PSTU. Encontrou pessoas simpáticas ao PT. Mas havia também gente que não aprecia partidos de esquerda, moderada ou não. Dizer que as manifestações em São Paulo tem uma coloração partidária definida é não saber o que tem acontecido. Gente que não suporta a esquerda e que sempre simpatizou com a nova direita, representada pelo PSDB e seus aliados, estiveram presente também. Saber se eram minoria inexpressiva ou significativa é ainda um mistério que apenas o tempo nos revelará. 

Mas se não há vencedores ainda definidos, o mesmo não se pode dizer dos perdedores.

Não há dúvidas de que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, com menos de 6 meses completos no cargo, tenha saído chamuscado. Tem boa capacidade de pensamento e fala. Mas é tão burocrático que não percebeu, a partir de seu gabinete, a força e as consequências da manifestações que dele sempre se lembram. Nunca positivamente. Haddad precisa se movimentar. Tem pelo menos 3 anos e meio de cargo. Há tempo para fazer muita coisa. O fato é que já queimou 6 meses, dos quais não se pode dizer que tenha colhido coisas boas para sua carreira política e para a cidade. 

O PT também não ficou bem na foto. Se toda a oposição raivosa não conseguiu juntar 30 pessoas na época do julgamento do "mensalão", deta vez o barulho e a participação popular são grandes. Ter a prefeitura de São Paulo parecia uma grande vantagem, e sempre é. Nesses últimos dias isso não foi verdadeiro. Pois se controlar a cidade com o maior orçamento municipal do país traz vantagens políticas, também oferecer desafios que, mal conduzidos, se transformam em grandes problemas. Os transportes coletivos de São Paulo são o problema de maior motivação dessas manifestações. E o PT ainda não deu mostras de que é capaz de minimizá-los. Esta devedor. As vaias a Dilma Roussef na abertura da Copa das Confederações não chegam a ser uma tragédia. Mas coisa boa não é, para quem deseja uma reeleição presidencial daqui a pouco mais de 1 ano. 

Mas para quem está acostumado ao Fla-Flu, em que uma perda do PT corresponde a vitória do PSDB, vai se assustar com o que temos hoje. Não apenas os ônibus ruins tiveram aumento de tarifas. Os trens da CPTM e do Metrô também ficaram mais caros. E não menos lotados e desconfortáveis. O governador Alckimin, tão apropriadamente conhecido como Picolé de Chuchu não pode acreditar que sairá ileso de tudo o que se viu até agora e de mais do que se verá. Alckimin demonstrou descolamento da realidade, tanto quanto Haddad, novo no cargo. Pior para ele, governador conhecido e ex-candidato presidencial. Se a Haddad a inexperiência alivia, a Alckimin a experiência o cumplica. No mais, Ackimin demonstrou o que muitos já sabem há anos. Os governos do Estado de São Paulo não mandam, de fato, na sua polícia. A PM tem vida própria e faz o que acha que deve fazer. Ninguém pode acreditar que Alckimin tenha ordenado o uso da força com tamanha intensidade na última quinta-feira. Mas é certo que tenha se comportado de modo frouxo, diante de comandantes militares da PM com "sangue no zóio", para usar termo tão comum na periferia paulistana e tão apropriado ao que se assistiu. 

A PM também não tem o que comemorar. Na terça-feira um de seus policiais foi covardemente agredido. Poderia ter morrido. Apartado de seus agressores por outros manifestantes menos selvagens, tirou a arma do coldre, apontou para o alto e não aitrou. EM qualquer lugar civilizado, deveria ter sido condecorado e homenageado. Fez o que se espera de um agente de segurança que respeita e deve fazer respeitar as leis. Foi mais lembrado como pretexto de vitmização da PM do que, verdadeiramente foi: um policial honrado. 
A PM foi para as ruas na última quinta-feira com raiva. Queria revanche. É humano compreender a raiva que a corporação sentiu em relação aos manifestantes. É selvageria aceitar que tamanha raiva fizesse parte das estratégias de "segurança" para o evento. Segurança Pública deve ser feita em nome do público. Inclusive da parte do público que a PM não gosta. Se não entendem isso, que larguem a farda e não atuem num setor que exige respeito às leis e equilíbrio emocional. Um Estado democrático de direito não permite ações de cunho pessoal entre portadores de armas, cacetetes, escudos e bombas...

Mas há, sem dúvida alguma, uma grande derrotada: a mídia. 

O curioso ficou menos de 50 minutos na rua da Consolação. Nunca viu, em toda a sua vida, tantos cartazes contra a mídia. Quase em número proporcional ao de cartazes contra o aumento das tarifas dos ônibus, razão inicial de toda a moviemntação. Não há dúvida de que o distanciamento entre o que está acontecendo e o que é noticiado nunca foi tão deliberadamente expressivo. A mídia brasileira briga com a verdade dos fatos há décadas. Desta vez fez besteira. Agrediu a verdade com requintes de crueldade. Há anos que alguns gatos pingados apontam o papel incompetente e desonesto de muitos veículos de comunicação. Desta vez o próprio papel da mídia fortaleceus aqueles que sempre a criticaram. 

A mídia tem aplaudido, se não incitado, ações violentas com excessos por parte da PM há muito tempo. Contra sem-terras, estudantes da USP, professores em greve ou moradores de favela em processos de reintegração de posse. Desta vez, às vésperas da manifestação de quinta-feira, a mídia queria mais força e mais abusos. O tiro saiu pela culatra. Ou os tiros. Muitos jornalistas presos, alguns feridos, dos quais uma jornalista da Folha de SP, covardemente atingida por um tiro de bala de borracha, a partir de uma viatura da Rota, sem motivo algum, distante dos conflitos da Consolação. No dia seguinte, uma mudança de tom. A mídia que antes "exigia" medidas enérgicas, passou a questionar o abuso de poder e o descontrole de uma tropa raivosa de policiais. O uso desproporcional da força nunca foi tão lembrado. 

Amanhã, segunda-feira, mais uma manifestação. Desta vez com concentração inicial em Pinheiros. Profetas apocalípiticos apostam em sangue. Talvez um cadáver pudesse satisfazer a sede de violência e o sensacionalismo de tantos. O palpiteiro aposta no bom-senso. A PM foi longe demais, assim como a mídia e os mais violentos dos manifestantes. O Brasil já tem no seu sangue a lembrança de que a solução violenta para tensões políticas não leva a bom caminho. 

No mais, o perdido governador do Estado soltou, dias atrás, mais uma de suas pérolas. Disse que as manifestações eram "políticas". Pois se uma concentração de pessoas com cartazes e palavras de ordem não são parte da política, ninguém mais saberá dizer o que é. 

Faltou dizer ao ilustre governador, e aos "jenios" que tanto apreciam esse tipo de arugmento, que sim, é uma manifestação política. Os gregos definiram, há algum tempinho, que discutir os assuntos da "polis" é política. Jovens, inexperientes ou não, estão a fazer isso, mesmo que de forma questionável. Senhor governador, aprenda uma coisa com essa molecada: é Política sim. Mas não a Política que o levou ao poder e que o sustenta, ao senhor e até seus adversários. Se não quiser aprender, não há problema. Uma hora essa nova realidade o desalojará de sua confortável cadeira.            

Sunday, June 09, 2013

O dilema de Haddad

Na última quinta-feira, estudantes secundaristas e universitários pararam a Av. Paulista e despertaram o eficiente e empolgado ódio da Tropa de Choque da PM Paulista. Aplausos contidos, libertos em comentários de corredor aprovaram: "...tá certo, cambada de vagabundos". Manifestantes foram dispersos, o trânsito votou a fluir e a cidade mais rica do país prosseguiu na liderança plena do que chamam - e não entendem- de "ordem e progresso"...

A imprensa nativa tem lado e não nega munição em sua luta, mesmo que não seja solicitada. Estará lá, sempre a postos para o discurso da lei e da ordem. Para a desqualificação de toda e qualquer manifestação contra o poder constituído, mesmo que seja o de sua contrariedade. A mídia, sorrateiramente, assume o seu compromisso do pretenso monopólio da crítica. Um "colunista" ou "articulista" - seja lá o que for esse troço- pode ofender um presidente, debochar do Congresso e ridicularizar uma decisão judicial. Mas APENAS a imprensa pode isso. Ninguém está autorizado a se manifestar sem o seu salvo-conduto. Nem contra um governo que ela despreza e lamenta a existência. 

Fernando Haddad não é o prefeito dos sonhos da mídia paulista. Tem o fardo de ser petista, a despeito de ser de família rica, cara de bom moço, pesquisador da USP e são-paulino. Fosse por Haddad, a imprensa teria tido outra postura. Entrevistaria um manifestante pobre e lhe daria toda a emoção possível. Mas o buraco é mais embaixo. A mídia porca sabe que a encrenca é grande. Se o povão perceber que paga muito caro por ônibus lotados, desconfortáveis e nada pontuais, por que não faria o mesmo pelos trnes e metrôs? Sim, o governo do Estado de SP precisa ser preservado, mesmo que isso livre a cara do maldito governo petista na cidade de SP...

Fernando Haddad não é um político convencional do PT. É da ala "intelectual", uspiana por assim dizer. Foi pesquisador da FIPE, "fundação" da U$P que coleta dados sobre inflação na cidade de São Paulo. Foi escolhido por Lula por representar o "novo", mesmo que à custa de uma constrangida foto ao lado de Paulo Maluf. Lula viu o óbvio. Pelo lado dos mais conservadores e proto-fascistas de SP, Haddad seria mais palatável, por ser branco, de família rica, cara de bom moço, uspiano e "são-paulino"- dizem que esse conjunto de "qualidades" foi citado pelo próprio Lula, conhecedor profundo do segmento que mais odeia o PT em São Paulo. 

Pelo lado progressista, Fernando Haddad entrou na cota da esperança daqueles que sonham com o primeiro governo petista de São Paulo, o de Luíza Erundina, entre 1988 e 1992. Erundina aumentou o salário do pessoal da saúde e da educação. Saneou as contas do município mesmo aumentando gastos com a construção de escolas, hospitais, postos de saúde, creches, redes de esgotos e casas populares. A cidade de São Paulo lhe retribuiu elegendo Paulo Maluf, numa época em que não havia reeleição. Sim, o povo de São Paulo preferiu Maluf a Suplicy, apoiado por Erundina...

Em 2012, Haddad ganhou a eleição prometendo coisas que poderia fazer e muitas outras que jamais faria. Até aí, jogo jogado, pois só não sabe disso quem é ingênuo ou mau-caráter, pois TODOS os políticos do mundo fazem isso. Mas, entre as promessas de Haddad, estava a do bilhete-único mensal. Algo relativamente simples, mas que traria impacto significativo para a vida de quem depende de ônibus e tem um orçamento tão apertado que qualquer R$ 10,00 por mês faz diferença. Dado que iniciativas desse tipo são compatíveis com o que já existe em outras grandes cidades do mundo, Haddad não prometeu nada impossível de ser cumprido. 

O problema do bilhete único mensal não foi a promessa em si, mas como ela foi feita. Em primeiro lugar, a porposta depende de aprovação na Câmara dos Vereadores e ajustes num orçamento que não foi aprovado na gestão de Haddad. Dado o impacto na contas do município, o tal bilhete único mensal seria viável apenas no final segundo semestre do primeiro ano de mandato, ou no ano seguinte. 

Para a aprovação do bilhete único mensal na Câmara, Haddad teve que barganhar apoio. Sub-prefeituras e cargos em po$tos estratégicos fazem parte desse processo de construção de apoio na Câmara dos Vereadore$. Luíza Erundina comeu o pão que o PSDB amassou quando foi prefeita. O P$DB se aliou a Maluf e fez do governo Erundina um inferno. Muitas coisas não puderam ser feitas por isso. Para quem não sabe, sem apoio do legislativo, nenhum prefeito, governador ou presidente governa ou se mantém no cargo. Pergunte isso a Collor, o caído. Pergunte isso a Dilma, aliada a Sarney e Renan Calheiros em Brasília. Pergunte isso a Alckimn, apoiado pelo menino tosco do KLB na Assembleia Legislativa de SP. (O palpiteiro morre de rir dos cretinos que debocham de Tiririca, chamam Lula de burro e que votaram na legenda que deu cargo ao garoto do KLB em SP...). 


Qualquer prefeito em São Paulo teria feito o que Haddad fez para alcançar seu objetivo maior: cumprir a promessa do bilhete único que o elegeu. Mas Haddad errou a mão. As passagens de ônibus de São Paulo não foram reajustadas por anos. Gastos com mão-de-obra, manutenção e diesel exigem um reajuste anual, assim como as contas de telefone, celular e água. Seja por oportunismo, seja por qual motivo for, Gilberto Kassab, o anitgo prefeito, não fez oq ue devia: reajustar as tarifas dos ônibus. E Haddad, o homem-FIPE, sabe disso melhor do que quaquer outro palpiteiro.

Kassab deu esse presente de grego para Haddad, coisa de 'brimo". O libanês que entrou deveria ter feito o reajuste que o árabe que saiu não quis fazer. Haddad é economista, filho de dono de loja na 25 de março e ex-pesquisador da FIPE-USP. Ele sabia que o reajuste seria necessário ANTES do bilhete único. 

Se você fosse o Haddad o que faria? O mais lógico seria esclarecer a população a respeito do oportunismo de Kassab em não aumentar a passagem em ano eleitoral, 2012. E, em seguida, provar, mesmo que à custa de críticas, que esse seria o custo necessário para viabilizar o bilhete único, cuja ideia não tem nada a ver com o reajuste. Mas Kassab inventou um partido- PSD- que ensaia apoiar o PT, ao mesmo tempo em que é aliado do PSDB... Se Haddad fosse um grama mais esperto teria agido de outro modo. Amigos, amigos, negócios à parte, ensinaram seus acestrais. Uma cosia é apoio político futuro. Outra coisa é ser prejudicado por oportunismos do passado. Haddad obedeceu a Lula, a Dilma e à cúpula do PT, que sonha com uma aliança com o PSD para derrotar Alckimin em 2014. Fosse mais sábio, Haddad saberia que há certas horas que é melhor brigar com todo mundo para salvar aquilo em que acredita e que sabe que o diferenciará no futuro. Mas Haddad preferiu a omissão. Fingiu que tudo estava bem e que valeria o risco de se queimar agora para gozar dos benefícios do bilhete único mensal em 2014. 

O problema foi aparecerem tantos estudantes na Paulista. Isso não estava nos planos tecnocráticos. 


Os críticos de manifestações são os mesmos que xingam o PT e Lula, mas que não conseguiram juntar 30 pessoas na mesma avenida Paulista, à época do julgamento do "mensalão". No fundo, sentem inveja, nada mais do que isso. 


A questão das tarifas de ônibus em São Paulo passa pelas disputas eleitorais de São Paulo e de Brasília. Simplesmente isso. Quem ficar olhando vidraças quebradas de bancos e latas de lixo incendiadas cumprirá o papel de tonto que lhe tem sido habitual: o de acreditar naquilo em que vê, não naquilo que é... Grandes grupos de mídia à beira da falência e político oportunistas agradecem a sua cretinice ao chamar manifestantes de "baderneiros". 


Nota: O palpiteiro votou em Haddad e, se eleição fosse hoje, com os mesmo candidatos e circunstâncias, teria feito o mesmo. O que não significa salvao-conduto para toda e qualquer asneira que Haddad faça no cargo. Voto, voto, críticas à parte...
  


Para os invejosos do presente, uma notícia de uma passado recente...




Monday, April 29, 2013

Vanzolini e nossa grande perda

Foi em 1922 que se oficializou o Modernisno no Brasil, mais precisamente no Teatro Municipal de São Paulo. Como qualquer outro movimento cultural e político não é correto acreditar que foi ali, naquele teatro e naqueles dias que o Modernismo tenha começado por aqui. O local e a data são apenas referências de espaço e tempo num mundo carente de maiores abstrações. Para muita gente o Modernismo foi uma das matérias de prova no colégio ou de questão de vestibular.  Foi muito mais que isso.
 
Nossos modernistas de 1922 apenas deram expressão a algo que inquietava muitos no Brasil. Simplificadamente queriam o novo, mas sem perda de identidade. Em outras palavras, ser moderno sim, mas sem deixarmos de sermos brasileiros.
 
O século XX foi fértil em muitas inquietações, por aqui, e pelo mundo. Entre as décadas de 1920 e 1960 muitas coisas aconteceram. Um crise financeira, uma guerra mundial, perseguições e ódio disseminado pelos meios de comunicação. (Triste é constatar que, à execeção de uma guerra mundial, não parecemos ter mudado tanto assim...)Mas não foram só tristezas que esse período vivenciou. Tivemos Picasso, Freud, Einstein e Garrincha. Tivemos Vargas, vivo e morto, Carmem Miranda e Pixinguinha.
 
A Universidade de São Paulo nasceu nessa janela histórica de 1920 a 1960. A universidade que pretendeu, um dia, formular o pensamento e a ciência que serviriam ao país. A USP nasceu pretenciosa e ousada. Numa época em que se pensava grande e para frente. Num período em que se buscava o melhor para nós mesmos. Um tempo em que a USP se diferenciou por querer ser um centro de excelência do pensamento e da crítica. Um tempo distante da indústria de artigos e publicações para a participação em listas de "grandes" universidades. É irônico notar que a USP foi maior quando se preocupava mais em pensar do que parecer que pensava...
 
A rua Maria Antónia, no centro de São Paulo, foi o berço da USP. Por lá passaram alguns do nomes da ciência que mais nos orgulharam no século XX. Mestres que foram além da pesquisa. Brasileiros que pensaram grande, por não terem desprezado o  pequeno.
 
Entre os mestres que tivemos, dois nasceram no mesmo ano, 1924. Um faleceu no ano passado, Aziz Ab Saber. O outro faleceu ontem, Paulo Vanzolini.
 
Aziz contou que em 1942 frequentava muito a então biblioteca Municipal de São Paulo, que fica não muito longe da Maria Antónia. Disse que fazia parte de um grupo de amigos que cultuava a geração de 1922. Estudavam ciência, mas apreciavam literatura, música, poesia e política. O respeito que tinham pelos modernistas era tão grande que partiu deles o pedido para que a Biblioteca tivesse o nome que até hoje conserva: Mario de Andrade.
 
Aziz Ab Saber e Paulo Vanzolini estão entre os produtos do modernismo brasileiro. Como foram Niemeyer, a Petrobrás e a Embraer. Foram modernos, ousados e genuinamente brasileiros. Produziram muitos trabalhos individuais,  e escreveram juntos a Teoria dos Refúgios, referência na produção científica mundial. Mas foram mais do que cientistas. Vanzolini alternou sue trablaho de pesquisador com o de funcionário do Museu de Zoologia da USP. Mais do que cientista, atuou num museu pouco mencionado, mas cuja proposta é engrandecedora. Na cultura Vanzolini se tornou um dos grandes compositores de Samba. Não sabia tocar nenhum instrumento e, segundo ele mesmo, não diferenciava um tom maior de um menor. Mas escrevia a letra, criava a melodia e cantarolava para músicos que davam forma para suas criações. Vanzolini prezava as pessoas simples e autênticas. Conviveu com Adoniran Barbosa, embora não tenha escrito nada com ele, para nosso azar.
 
Aziz Ab Saber era o homem das aulas magnas. O mestre que palestrava para professores aos sábados, interessado em compartilhar o que sabia para aqueles encarregados de educar crianças e jovens. Ab Saber foi um dos maiores exemplos de cientista a serviço do país que tanto amava. Assinou manifestos, participou de reivindicações e brigou com políticos. Sempre com muita energia e disposição.
 
 
Vivemos tempos tão interessantes quanto perigosos. Tempos em que a faciliade de acesso à informação não tem necessariamente resultado em ganhos de conteúdo. Tempos em que a discussão e o debate parecem ofender àqueles com suas verdades cristalizadas. A perda de Vanzolini ontem e de Aziz no ano passado deveria servir para pensarmos melhor no que temos feito com nossas universidades, escolas e país. Que tipo de seres humanos estamos a formar hoje? Sinceramente, que tempos são esses de Felicianos a serem mais lembrados do que Vanzolinis? Quem tempos são esses em que campanhas fascistas alternam aplausos a assassinos do Carandiru com companhas pela redução da maioridade penal?
 
Quem ainda não percebeu que estamos flertando com o perigo do pensamento único, excludente, autoritário e intolerante?
 
A História nos prega peças e o palpiteiro aguarda a mais uma das suas. Pois quando tudo parece fadado ao pior, por vezes podemos ter o melhor. Do século do nazi-fascismo, ditadura civil-militar e Hebe Camargo conseguimos nomes como os de Vazonlini e Ab Saber. Um olhar mais atento à nossa volta poderia nos levar ao desânimo diante da mediocridade reinante. Nossos mestres provaram que é possível sermos maiores em meio a tantas dificuldades e resistências. 
 
Que Vazolini descanse em paz. Nós não.

Saturday, April 06, 2013

Um palpite sobre a crise da Coreia: Drama e comédia no caso da Coreia...

A mobilização militar e a troca de provocações entre as autoridades da Coreia do Norte e dos EUA são amplificadas, disseminadas e dramatizadas pela imprensa. Há fatos. E há a interpretação dramatizada deles. O palpiteiro, enquanto se diverte com a histeria midiática do caso, busca fatos... 

Em 1983, um avião da Korean Air Lines violou o espaço aéreo da então URSS, no extremo leste siberiano. Caças soviéticos foram acionados. Seguindo orientações superiores, um caça derrubou o Boeing, no caso conhecido como KAL007. O avião caiu e não houve sobreviventes. Os números denunciaram a morte de 269 pessoas. 

Esse caso indignou a opinião pública internacional em 1983, época de Guerra Fria, sem internet. As investigações foram prejudicadas pela recusa da Rússia, senhora da URSS, em liberar dados que pudessem esclarecer o que de fato ocorreu. 

Pelo lado dos EUA- o voo tinha partido de Nova Iorque e tinha cidadãos estadunidenses- a URSS cometeu um crime internacional, ao abater um avião civil com 269 inocentes. Pelo lado da URSS, os pilotos de seus caças agiram da forma correta, cumprindo ordens diante de um avião que não foi identificado. Pelo lado dos EUA e da Coreia do Sul, o avião violou o espaço aéreo da URSS por erro nos equipamentos de navegação num tempo em que não existia GPS. Pelo lado da URSS, qualquer país invadido no seu espaço aéreo pode abater o avião intrometido. Entre um lado e outro, repousa a verdade e 269 almas...

Esse caso horroroso parece absurdo hoje em dia. Mas fez parte da rotina da Guerra Fria entre 1945 e 1991. As duas superpotências não podiam se enfrentar diretamente, devido às suas capacidades nucleares. Mas se provocavam indiretamente, usando outros países. Quase 3 décadas depois do KAL007, muita gente desconfia do mais sórdido: os EUA, ao enviarem mensagens erradas, usaram o avião da Korean Air Lines para testar o sistema de radares da URSS, na Sibéria. Os radares detectataram o avião e foi derrubado. À parte a tristeza das famílias das vítimas, o que tivemos foi um jogo no qual uma superpotênica provocou e a outra não recuou. E quem se deu mal foram os coitados que perderam suas vidas no KAL007. 

Em pleno século XXI a pergunta "se vamos ter uma guerra nuclear entre EUA e a Coreia do Norte" não é das mais inteligentes. A melhor opção é questionar: por que ainda há 2 Coreias no mundo pós URSS?? Por que elas não se unificaram como a Alemanha?

Em primeiro lugar é preciso lembrar que a divisão de um país milenar foi uma das bizarrices de um período histórico muito bem determinado. Desde então, a Coreia dividida rasgou a história de um povo, mas atendeu aos interesses das elites dos 2 lados. Pelo lado da Coreia do Norte há uma elite de burocratas e militares que não teriam o mesmo poder econômico e a mesma influência social numa Coreia reunificada. Pelo lado da Coreia do Sul não há interesse em ter o poder dividido com os "pobres" da Coreia do Norte. Grande parte do povo coreano gostaria de ver seu país reunificado. As elites políticas e econômicas dos 2 lados não. 

Pelo mundo afora não há interesse na reunificação coreana. A Coreia do Norte é pobre mas possui um exército de respeito. A Coreia do Sul é uma piada militar, mas uma potência econômica. Uma Coreia reunificada- nos moldes da Alemanha pós-Muro de Berlim- formaria uma potência regional de respeito. E esse é um problema, não para os coreanos. Japão, China, Rússia e EUA não têm o menor interesse em aprovar o surgimento de uma potência média num espaço onde disputam cada milímitro de influência política e militar. Não interessa aos outros a unificação coreana. Simples assim.

Mas por que o presidente norte-coreano é tão provocativo? 

Não é estúpido reconhecer que Kim-Jun-un provoca crises externas para saciar a elite militar da Coreia do Norte e a elite burocrática que vive às custas de um Estado voltado para a guerra. Estúpido é acreditar que isso só ocorre por lá. 

O mundo ainda vive uma crise econômica e social das mais graves. As perspectivas não têm sido boas e, uma ameaça de guerra, é muito conveniente para governos sem propostas e credibilidade. Na Coreia do Norte há fome, pobreza e repressão. Uma ameaça de guerra no mínimo distrai os potenciais opositores do governo pelo apelo nacionalista que toda guerra desperta. Assim é nos EUA, Japão e Rússia. Sem ameaças externas, estadunidenses, japoneses, russos e coreanos teriam que ser defrontados com seus problemas domésticos e reais. A falta de emprego, a queda do padrão de vida e os excessivos gastos militares são deixados de lado. Convenientemente. Ou são justificados diante de "um mal maior". No Brasil isso parece estranho. Acostumados a criticar nossos governos, adquirimos uma qualidade pouco reconhecida ente nós. A de que nossos problemas são culpa nossa, não dos outros. NENHUM presidente ou presidenta do Brasil jamais apelou para crises externas para dissimular problemas internos. Pelo menos desde Vargas até Dilma. Nem o doido do Jânio, o histérico do Collor e os fardados da ditadura civil-militar. Isso no mundão afora não é tão comum e óbvio como parece ser por aqui. 

Assim, as provocações de Kim-Jun-un seguem um roteiro bem conhecido. Declarações raivosas, mobilização de tropas e aumento das tensões. Pelo lado dos EUA, Coreia do Sul e Japão, o mesmo. Nesse teatro de farsas convenientes, a guerra não é desejada. TODOS perderiam. O que fazem é exaltar a ameaça, demonstrar os riscos e faturar com o medo coletivo de seus povos. O medo é um poderoso - e perigoso - instrumento de coesão nacional a sustentar governos ineficientes, corruptos e irresponsáveis em seus gastos militares. 

Mas há um risco. O jogo de ameanças de guerra não é para todos. Apenas bons jogadores se beneficiam dele. Sempre há o risco de alguém sair do tom, agir de modo mais agressivo do que o esperado. E avançar além do que o outro lado pode suportar. O segredo da política externa mais agressiva não é ameaçar. Mas dar ao ameaçado alguma chance de saída honrosa. Diante de um impasse no qual um país é confrontado entre a luta e a covardia, o mais comum é o seu líder partir para o ataque. É nesse contexto que as guerras estúpidas ocorrem. E vidas se perdem, Estupidamente. 

Pelo que já leu, ouviu, viu e pensou, o palpiteiro afirma que um conflito entre a Coreia do Norte e os EUA e seus aliados (Japão e Coreia do Sul) é possível, mas pouco provável. A tecnologia nuclear nos trouxe essa macabra segurança. A guerra entre detentores de bombas atômicas não ocorre devido ao apelo da paz. Ela simplesmente não ocorre pelo medo da auto-destruição. Na Guerra Fria chamávamos isso de "equilíbrio pelo terror". 

O palpiteiro arrisca ser desmentido pelos fatos. Aposta que essa tensão militar irá passar. O que não quer dizer que não possamos ter uma guerra daqui a poucos minutos. Mas não há o cheiro da guerra no ar. A "névoa da guerra" ainda não pairou sobre nós. 

Evidências?

O jovem presidente da Coreia do Norte recomendou que os embaixadores de outros países se retirassem de sua capital, por não ter como garantir a segunraça deles em caso de guerra. Isso é um típico aviso público de que as coisas estão esquentadando. Pelo lado da realidade, até este momento em que o palpiteiro escreve, NENHUMA das grandes potências com embaixadores na Coreia do Norte retirou seus representantes do país. De acordo com nota do Itamaraty, o embaixador do Brasil ali permanecerá, até seguna ordem. Cá ente nós, diante de uma ameaça REAL de guerra, alguém acredita que tantos países abandonariam seus embaixadores num alvo de bombas nucleares? Estamos falando de  Alemanha, Gra-Bretanha, Suécia, Polônia, Romênia, República Tcheca e Bulgária, países com embaixadores na Coreia do Norte que não acataram a recomendação de retirada. 

Alguém realmente acredita que os EUA não teriam uma mobilização ousada e grande para retirar os milhares de seus cidadãos da Coreia do Sul e do Japão caso acreditassem mesmo que teriam uma guerra de verdade?

A ameaça de guerra entre a Coreia do Norte e seus rivais, EUA à frente, interessa aos governos dissimulados que precisam disso para suportar as críticas de seus erros em outras áreas, econômicas e sociais em especial. Também interessa a setores da mídia, que carecem das vendas de jornais, revistas e audiência, perdidas com a internet. 

No mundo real, alimentado por informações apuradas e mais próximas da realidade, essa guerra é mais uma das muitas armações que o mundo já viu. Acredita quem quiser. Ou estiver para lá de mal informado...