Friday, December 07, 2012

A herança de Niemeyer. E de muitos outros também.

O ano de 2012 não terminou e a inteligência universal lamenta grandes perdas. Aziz Nacib Ab'Saber, Eric Hobsbown, Décio Pignatari e Oscar Niemeyer se foram. Todos eles morreram com mais de 80 anos. Pignatari foi, entre eles, o mais novo, com 85 anos, e Niemeyer o mais velho, com 104 anos, a poucos dias de completar 105 anos. 

Morrer é a condição humana que amedronta, intriga e provoca. A morte para nós é diferente. Se para os animais é definida pelo instinto, para os humanos é mais do que isso: é pensamento e dúvida. Fazemos parte da única espécie que sabe que vai morrer e que se preocupa com o como, onde, quando e, de forma arrogante, o por quê isso irá ocorrer. As dúvidas a respeito da morte justificam a religião, motivam a filosofia, inspiram os artistas e amedrontam meio mundo. No limite, fica frase para lá de repetida e verdadeira: "Todo mundo quer ir para o céu, mas ninguém quer morrer".

As pessoas imaginam a morte de diferentes maneiras. As religiões de base judaico-cristã pregam uma vida eterna, ao lado de Deus, livre de erros e maiores preocupações. Outras religições acreditam num ciclo contínuo, em que o espirito migra, se transforma, retorna e parte. Para alguns a reencarnação seria apenas o preço para ficar mais na Terra. Para outros, a aceitação de nossa transitoriedade terrena. Seja lá qual for a crença se se siga, o mais sensanto é pensar justamente nisso: nossa passagem pela Terra é finita no tempo. Temos uma data de nascimento e uma de morte, ainda que não conhecidas. E aceitas.

Os mais materialistas pensam na possibilidade de deixar seu legado para que não os esqueçam. Um anel para um filho, bens, uma vida tranquila. Coisas que poderiam ser listadas em testamento, com registro em cartório, no papel. Nesse time há os ambiciosos que acreditam que podem comprar o reconhecimento pós morte. Aqueles que realizam obras ou patrocinam iniciativas que permitirão a lembrança das gerações seguintes. Isso vale para os Faraós que mandaram erguer suas pirâmides, para os escravistas que bancaram a construção de igrejas barrocas em Ouro Preto e para a família Matarazzo, cujo mausoleu no cemitério da Consolação sustenta este palpite.

Mas há outras formas de lembrança. Um ditado oriental ensina que "um homem só morre quando é esquecido". Tutancamom assim morreu. A Pirâmide que mandou construir à custa de tantas vidas é lembrada por si, não por ele. No final das contas as pessoas visitam o Egito pelas ideias e conhecimentos que permitiram a construção daquelas obras, não de seus mandantes. As construções em pedra mantém vivas as ideias e os conhecimentos do egípicios antigos. Tutancamon é só um morto, a cultura egípcia não.

Aziz Ab'Saber, Hobsbown, Pignatari e Niemeyer não tiveram Ferraris e também não mandaram construir Pirâmides. Mas todos eles serão lembrados pelo que fizeram, escreveram disseram e ensinaram. 

Os prédios de Niemeyr durarão muitos anos, talvez séculos ou milênios. Mas não serão as obras em si a serem descritas. O que ficará para as gerações futuras será a ousadia. O atrevimento de arriscar fazer diferente. 

O palpiteiro aprendeu a respeitar os Modernistas Brasileiros pela ousadia de aceitarem o desafio de fazerem o novo com autenticidade. Esse foi o caminho que permitiu a produção da Teoria dos Refúgios de Ab'Saber e Vanzolini; os poemas concretistas de Pignatari; o concreto armado e curvo de Niemeyer. A história viva, do homem comum e injustiçado de Hobsbown. 

Todos esses grandes homens mortos em 2012 se fizeram notáveis pelo que pensaram. Curiosamente, todos eles prezavam o diálogo, a conversa franca e o reseptio ao homem comum. De Pignatari e Hobsbown o palpiteiro conhece pouco, mas sabe alguma coisa de Ab'Saber e Niemeyer. Dos mestres que se fizeram respeitar no Brasil e no mundo sem esquecer do bom dia ao porteiro, do sorriso ao estudante, o pedido de licença ao garçom. Sem se esquecerem de pensar no outro, de se indignarem contra as injustiças e de saberem de suas condições humanas, transitórias enfim.

Perdemos grandes pensadores. Mas herdamos muitos de seus ensinamentos. Temos a chance de melhorar, estudando o que construíram, o que fizeram e o que foram como pessoas. Quanto à morte, permaneceremos em dúvida. Permaneceremos enfim limitados na nossa transitoriedade humana, seja lá qual for nosso destino. 

P.S.: Esse palpite é dedicado ao amigo Luis Fernando, que perdeu D. Hilda um dia antes da morte de Niemeyer. D. Hilda não foi conhecida como os mestres acima. Mas será lembrada e reconhecida pela pessoa boa que foi.