Thursday, June 16, 2011

Professor de cursinho não é comediante.

O amigo por opção, colega por destino e palpiteiro por opção, chamado André, fez uma sugestão-desafio que o palpiteiro encarou: a de comparar um professor de cursinho a um comediante de Stand-up comedy, seja lá o que isso for.

O palpiteiro, na condição de professor de cursinho - seja lá o que isso for também- sempre pensou nos limites e possibilidades da atividade. Nos potenciais e nos riscos que um educador nessa circunstância enfrenta. Há inclusive um material em gestação sobre isso, que se esconde entre gavetas e devaneios, cujas formas e liberdade surgirão em momento oportuno.

Em primeiro lugar é preciso diferenciar os propósitos, do comediante em pé e do professor de cursinho. Um é apenas a busca pelo entretenimento. Outro, PODE, ser o aprendizado. A diferença nem sempre é clara e a esse respeito não se pode culpar apenas o observador. Tanto o palpiteiro quanto o próprio André já foram testemunhas de professores que não souberam - ou não quiseram- ver ou determinar as diferenças. O palpiteiro já testemunhou a triste cena de um colega a ler um livro de piadas, daqueles comprados em bancas de jornais, para ter uma piada nova, ainda que de forma desonesta por omissão da fonte.

O vício do professor de cursinho nasce sobretudo do seu símbolo. Por décadas foi visto como o salvador da pátria, o cara que "ensina de uma forma mágica e divertida" tudo aquilo que não foi aprendido antes. Menos...

Achar que um professor de cursinho é melhor do que um professor do ensino fundamental ou médio é o mesmo que comparar o conforto de uma casa com ar-condicionado em Bagdá a um barraco da favela onde o Bob Marley começou a aprender tocar violão. São circunstâncias completamente diferentes em momentos absolutamente distintos.

Os professores do colégio tiveram a tarefa árdua de disciplinar, cobrar, ensinar, avaliar e julgar o aluno que vem pronto para o cursinho. O professor do cursinho não atribui nota, não julga e não cobra. É o amigão que está lá para ajudar. O mesmo aluno que não reconhece e nem respeita sua própria trajetória escolar decide que é hora de estudar com mais seriedade. Une-se então a fome com a vontade de comer. Um cara que quer ensinar a um cara que quer aprender. Não há escola NENHUMA no mundo que consiga algo desse tipo com tanta afinidade como num cursinho pré-vestibular.


No passado havia poucas universidades e até a década de 1980 poucos cursinhos que conseguiam lotar salas com mais de 300 alunos. Podia-se pagar muito bem esses professores, que eram então escolhidos pelos critérios mais rigorosos da época e que eram melhor remunerados. O sistema de avaliação desses profissionais era mais baseado no carisma e na didática do que propriamente nos resultados efetivos de seu trabalho. As vagas e os cursos nas faculdades eram tão escassas que o fracasso nos vestibulares era culpa da escola pública, do governo, do descaso com a educação. Nunca foi dos cursinhos. Assim era possível brincar, fingir que se ensinava e não ter uma cobrança quase inexistente sobre a qualidade do serviço prestado.


Esse mundo não existe mais no Brasil. As vagas e os cursos foram ampliados. Os vestibulares tornaram-se menos concorridos. As opções foram também aumentadas. E os cursinhos diminuíram de tamanho.


Como qualquer mudança histórica não há um fim que possa ser determinado com precisão no tempo e nem no espaço. Por isso não se pode dizer que os cursinhos deixarão de existir, assim como não se pode também acreditar que não servem para mais nada.


A despeito dos problemas que se encontram, há muita gente competente, qualificada e, acima de tudo inteligente, nos cursinhos. São profissionais que foram submetidos a diferentes situações de pressão, público e condições de trabalho. Se há os que mais se preocuparam em serem "engraçados e divertidos", há também os que sempre se comprometeram a melhorar, estudar e levar o que há de melhor para os alunos que encontram. Esses profissionais é que tem a admiração e o respeito do palpiteiro. E eles existem aos montes.


O palpiteiro aprendeu muitas coisas dando aulas em cursinho. No início relutava em fazer piadas por acreditar que não podia entrar no jogo da simples auto-promoção. Mas por ser bobo de natureza, não conseguiu por muito tempo. O maior desafio do palpiteiro foi então aprender a brincar. Aceitar o desafio de não abusar das condições favoráveis de uma sala de cursinho para sastisfazer mais o ego narcisista sob pena de deixar de ensinar o que era devido. Talvez entre os pecados capitais, o da vaidade esteja o que mais compromete professores. E professores de cursinho acabam por se expor diariamente a essa tentação.


Não há como saber se o palpiteiro foi bem sucedido na luta entre buscar a descontração sem abrir mão da seriedade. A impressão favorável que fica é a que tem principalmente pela internet ou encontros casuais pela vida. Quando o palpiteiro recebe palavras de reconhecimento e carinho de pessoas que, mais velhas, se mostraram muito mais inteligentes do que ele acha que é, fica a desconfiança de que algum sucesso obteve na luta entre o ego e o compromisso com a educação.


Há sempre técnicas, falas, gestos e recursos que todos nós usamos para o dia-a-dia. É humano, e professores de cursinho não estão imunes a essa condição. Mecânicos sabem a forma correta de segurar uma chave inglesa, açogueiros como cortar a carne. Bons médicos aprendem a fazer a melhor pergunta numa consulta. Um bom professor aprende qual palavra, brincadeira ou frase vai ajudar melhor na tarefa de fazer o aluno a entender aquilo que dele querem numa prova longa, cruel e desumana de vestibular. O palpiteiro tem um repertório de piadas e situações que gosta de fazer. Tanto pelo efeito didático que produzem quanto pela própria graça que provocam. É da profissão. É do vício humano chamado vaidade. Mas por mais que sejam repetidas, um fato jamais poderá ser esquecido. Cada turma é especial, formada por pessoas únicas, com propósitos singulares. Por isso, cada turma é também individualizada, particular, original. Desse modo, uma mesma piada, repetida há anos, terá sempre um efeito diferente. Se o professor não souber disso será o repetidor mecânico, o brinquedo "made in china" que qualquer criança de 5 anos enjoa. Se levar em consideração as expectativas e as necessidades diferenciadas de cada um, será como a taça de cristal, que mesmo compartilhada, dará a sensação agradável do bom vinho. O vinho do conhecimento.


Resumidamente é isso. O palpiteiro raramente se presta a dizer coisas sobre a própria vida. Mas a provocação existiu. Culpem o André. Mas para quem não se constrange quando aponta as esquisitices alheias, nada mais natural do que conversar sobre as suas próprias. Quem por aqui perde seu precioso tempo entenderá.