Saturday, December 01, 2007

01 de Dezembro e a Aids

A palavra Aids deriva de uma sigla. Síndrome da Imudeficiência Adquirida. Em protuguês seria Sida, como é referida em Portugal. Um vírus identificado como HIV pode ser transmitido de um ser humano para o outro por meio de contato com sangue ou esperma infectados. Relações sexuais sem o uso de preservativo e o uso de seringas contaminadas são as formas mais comuns de contágio, embora não as únicas.
A AIDS é originária da África, de onde se acredita que tenha passado de macacos para o homem. Muitos africanos morreram de Aids. Em meio a tantas mortes em países afetados por guerras, doenças como tuberculose, e também pela subnutrição, a Aids foi se disseminando lentamente nas áreas rurais. Por volta da década de 1960, muitos países africanos tiveram êxodo rural, facilitando a dispersão da doença. No contato com pessoas de outros países, a Aids finalmente chegou à Europa, EUA, Ásia e Brasil. Deixou de ser endêmica para se tornar epidêmica. Nos EUA morreram muitas pessoas infectadas por ela. Diferente da África, sistemas de saúde que atendiam mais pessoas favoreceram a identificação do problema em 1983, na controversa disputa entre franceses e estadunidenses.
Desde o início a Aids foi cercada de preconceitos. Pela disseminação inicial ser maior entre homossexuais, ganhou o criativo nome de "peste gay". Mais uma vez o preconceito agiu contra a humanidade. Muitas pessoas foram contaminadas acreditando na exclusividade de um doença que atingia "apenas" homossexuais. A Aids afetou pessoas de diferentes classes sociais. Rock Hudson, ator dos EUA, morreu com Aids na década de 1980, e seu caso chocou muita gente. Mais tarde, Fred Mercuri, vocalista do Quem. Lentamente as pessoas foram percebendo que a Aids podia pegar qualquer um. No Brasil também "celebridades" morreram de Aids, assim como os casos mais famosos de Henfil e Cazuza.
Henfil era um cartunista que teve uma atuação forte contra a ditadura. Era hemofílico e se contaminou numa das várias transfusões de sangue que fez. Cazuza era cantor de música pop. Quando doente, decidiu tornar público o seu problema. Deu uma entrevista numa revista chamada "veja" (sempre escreverei com minúsculas...). O objetivo do cidadão era o de alertar as pessoas quanto os riscos de contaminação. Cazuza era péssimo cantor. Mas teve uma grandeza ímpar ao final de sua vida. A tal revista não entendeu a proposta. Ao invés de agir como meio de informação preferiu o sensacionalismo barato. Manchete: "Cazuza agoniza em praça pública". Exemplo de mau jornalismo. Mais uma vez... Ao invés de tratar da doença buscou reforçar a homosexualidade do cantor. Bola fora. Muita gente se indignou. A revistinha seguiu a imprensa marrom. Claro, muita gente se esqueceu disso e voltou a ler o bagulho... O Palpiteiro nunca se esquecerá disso.
Apesar dessas reações preconceituosas, a informação foi se propogando. No início de dos anos 1990, o astro do Basquete dos EUA, Magic Johnson, assumiu ter Aids. Era casado e heterossexual. Também teve a grandeza de usar sua fama para informar as pessoas comuns.
As pesquisas avançaram. Um tratamento à base de muitos remédios combinados permitiram prolongar a vida dos infectados pela doença. O palpiteiro tem um colega de escola que faz esse tratamento. Os remédios são caros, mas distribuídos pelo SUS. Muitas reações adversas ocorrem. Dores de cabeça, por exemplo. O tratamento exige disciplina. Esquecer a hora de tomá-los ou não tê-los na hora certa é perigoso. O sistema imunológico enfraquece e qualquer doença pode ser implacável. Uma gripe pode matar nos casos mais graves. Muito comuns são as mortes por tuberculose.
Os preconceitos foram diminuindo, mas a ignorância tem sido a principal causa de muitos novos casos. Tem gente que acredita que se for contaminada poderia viver com o tal "coquetel" de remédios. Pensam que são aspirinas, desconhecendo as dificuldades para sua obtenção e uso. Outras ainda apostam que a Aids é "doença de gay". A Aids tem sido cada vez mais uma doença associada à pobreza, justamente pela falta de acesso à informação. Existem pessoas que acreditam que o sexo sem camisinha com alguém de pele branca e de classe média não oferece riscos. Mais ou menos como os motoristas que dirigem embriagados. Sabem dirigir mas minimizam os riscos de bater no poste. São Paulo está cheia de postes quebrados por isso. E com muitos caos de Aids também.
No Brasil 0,7% da população tem Aids, segundo o IBGE. Aproximadamente 1.300.000 casos. Camisinhas são distribuídas gratuitamente. Muitas escolas tem a Aids no programa de ensino. Professores esclarecem. Nos meios de informação, às vezes, o assunto é abordado. Menos do que deveria, mas muito mais do que foi no passado. Muita coisa precisa ser feita ainda para se evitar novos caos.
Todas as pessoas com informação sobre Aids tem a obrigação de esclarecer aqueles que não a tem. E toda pessoa responsável tem o dever de aconselhar aqueles que mesmo com informação se arriscam. Um professor do palpiteiro na universidade disse que perdeu uma pessoa muito querida por causa da Aids. Disse que prometeu a si mesmo que sempre abordaria o asusnto quando pudesse. Assumiu esse compromisso pessoal. Era um cara muito arrogante, daqueles que dão asia em frasco de sal de frutas... Mas disse com lágrimas nos olhos. Todos na sala de aula se calaram. Desde então o palpiteiro aderiu ao compromisso do tal professor. O senso de humanidade nesse caso supera qualquer tipo de preconceito e arrogância. Viva o 01 de Dezembro.

Tuesday, September 11, 2007

11 de setembro de 2001

Primeiro Ato: Um garoto (Leonardo) usava headphones na aula. O professor pediu para que ele tirasse os fones de ouvido. O aluno respondeu: "Professor, não é música... Estou ouvindo a notícia. Quatro aviões foram seqüestrados nos EUA... Dois derrubaram o World Trade Center, um atacou o Pentágono e o quarto tá indo pra Casa Branca..."
O professor, arrogantemente respondeu: "Tá bom menino, deixa de conversinha e presta atenção na aula..."

O palpiteiro depois pediu desculpas para o aluno...

Segundo Ato: Tentando desvendar pelo confuso noticiário o que havia ocorrido naquele dia. Um respeitado professor de geopolítica disse que se tratava de um ataque palestino... As informações eram desencontradas. O quarto avião foi derrubado por um caça da Força Aérea dos EUA. Alguns meios de informação chegaram a divulgar isso.
Depois diesseram que os passageiros "heroicamente" lutaram contra os seqüetradores, até que o avião caiu.
Estranho: ficaria feio dizer que um avião militar dos EUA derrubaram um avião cheio de civis para proteger um prédio, a Casa Branca. Afinal, assasinos são os "muçulmanos". Dizer que houve resistência dos passageiros é uma versão muito mais patriótica e atraente em tempos de pré-guerra. O filme "Vôo 93" é uma obra-prima para essa versão cinematográfica.

O palpiteiro acredita tanto nessa versão quanto nos relatórios da CIA que diziam que o Iraque detinha "armas de destruição em massa"...


Terceiro Ato: O turismo teve uma pequena queda em Nova Iorque, após os atentados às torres gêmeas. Depois vieram ataques em Madri e Londres, também cidades que tiveram o movimento turístico afetado. Também a Indonésia sofreu um ataque feroz, em Bali. Para não ficar apenas nisso, a Ásia sofreu com a Tsunami também...
Calculando uma perda modesta de 2% no número de turistas que deixaram de visitar esses lugares, é de se perguntar: para onde foram? Alguns forampara o Nordeste Brasileiro... A região nunca recebeu tantos turistas estrangeiros como nos últimos anos...

E NY? Quem arrisca visitar a cidade em Setembro? É preciso fazer algo. E algo vem sendo feito. Exposições e peças teatrais grandiosas cumprem a tarefa de dizer que tudo está bem e seguro. Não apenas dizer, mas demonstrar.
Uma grande emissora de Tv do Brasil (Brazil) organiza um show em NY, provavelmente com o apoio da prefietura local: "Brazilian Day"... Cria-se assim uma nova atração para a cidade cosmopolita .
Poderia ser em qualquer cidade dos EUA. Boston, Miami, Orlando ou Los Angeles. Mas tinha que ser em NY. EM setembro...
Coincidência ou não, o palpiteiro preferiu dormir. Não aprecia shows promocionais para catálogos de turismo. Também não aprecia nem um pouco a Ivete Sangalo. Quieta, é um espetáculo...

Sunday, August 19, 2007

Milton Santos: é preciso ousar

Em 1993 o palpiteiro ingressou na Universidade de São Paulo para cursar geografia. Como todo calouro, lia tudo o que aparecia na frente, desde avisos no mural até as instruções do extintor de incêndio. Matrícula feita e o rosto sujo de guache, conseguiu ler uma frase pintada no chão: é preciso ousar. Poucas palavras e muita profundiade.

Desde o início das aulas ouvia-se um nome que se fazia acompanhar com tom e postura de respeito: Milton Santos. Com o tempo, descobriu de quem se tratava. Baiano de Brotas de Macaúbas, Milton Santos era um senhor que sempre andava de terno e gravata, sorridente e com uma elegância que poucos conseguem apresentar espontaneamente.

Milton de Almeida Santos concluiu seu doutorado em Strasbourg, na França, em 1958. Em 1964 teve que sair do Brasil. Não servia para dar aula no país que os militares prometiam melhorar. Mas serviu para dar aula na França. Também em Toronto. Serviu também para o MIT. Atuou na África, trabalhando na Tanzânia. Prestou serviços para a Organização Internacioanal do Trabalho, OIT. O mundo respeitava Milton Santos. Menos os chefetes políticos do seu país. Um armênio, Armen Mamigonian, e um árabe, Aziz Ab Saber, o convenceram a dar aula no Brasil, na USP. E finalmente o Brasil recebeu definitivamente o grande mestre.

Na França havia estudado três cidades: Salvador, São Paulo e Paris. Das comparações que fez, tirou conclusões que podem ajudar a interpretar o mundo, rico ou pobre. Era fascinado pela eficiência do correio brasileiro. Muito rígido, impunha horas de estudo rigoroso a quem quisesse acompanhá-lo. O palpiteiro conhece um desses herdeiros do Milton Santos e garante que quem com ele conviveu teve que ter disciplina nos estudos.

O mestre era otimista. Acreditava que as mudanças que tornariam a vida melhor viiram maius cedo ou mais tarde. Apostava na resistência dos mais fracos e debochava da miopia social da classe média. O palpiteiro já escreveu algo sobre isso em 27/12/06. Ao rever o palpite passado se assustou quando percebeu que escreveu em letras maiúsculas: "A MUDANÇA PELA ESCASSEZ". Milton Santos estava mais presente do que ele imaginava.

Hoje há um documentário em cartaz sobre ele chamado: "Encontro com Milton Santos ou o mundo Global visto pelo lado de cá". Coisa boa. Fernanda Montenegro, Osmar Prado e outros como Caetano Veloso não dariam seus nomes a persongem que não merecesse. O filme é bom e útil para quem quiser pensar. Pode emocionar. Mas pode dar sono a quem não tiver um grama de solidariedade.

Alguém disse certa vez que "apenas os gênios vêem o óbvio". Milton Santos leu, estudou, viajou, pensou, debateu, brigou, deu entrevistas e se calou por momentos para chegar a uma simples conclusão: "um outro mundo é possível". Sim, tratava-se de um gênio que sabia que num mundo pautado pela mediocirdade era preciso ousar. Ousar em sonhar. Ousar em ter esperança.

Saturday, July 07, 2007

À espera de Harry Potter

Há alguns anos esse palpiteiro ouviu falar de um tal Harry Potter, um fenômeno da literatura infanto-juvenil. Foi num verão, numa praia, que o palpiteiro viu quatro crianças brigando para dividir o tempo de leitura do livro. Haviam combinado que cada um teria 20 minutos de leitura, pois tinham apenas um livro. Praia linda, limpa, uma casa com piscina e crianças brigando por leitura... O palpiteiro teve que reconhecer que a autora do livro tinha mesmo poderes mágicos. Respeito é bom e todos nós o apreciamos.
Estamos a poucos dias da estréia do mais recente filme de Harry Potter. Produzido pela Warner, o filme é garantia de sucesso de bilheterias. Espaços comprados em Tele-jornais e revistas de grande circulação garantem uma sensação coletiva de ansiedade, necessária a venda de ingressos...
Mas há algo muito maior em Harry Potter do que apenas um sucesso comercial. A história é boa e a autora dos livros digna de respeito. J.K. Rowling deu aula de inglês na cidade do Porto em Portugal. Sabe ler em português e trabalhou na Anistia Internacional. Dizem que teve uma briga feia com seu marido português que a agrediu e a expulsou de casa. Rowling voltou para o Reino Unido onde se dedicou a escrever a história do jovem bruxo.

Saber um pouco da trajetória da autora nos dá a possibilidade de aprendermos mais sobre Harry Potter. Ela apreciava em Portugal ler o Jornal Brasileiro o Pasquim, periódico famoso por seu papel durante a ditadura, com uma linha editorial bem-humorada e crítica, num tempo em que a “grande imprensa” se calava por obrigação da censura ou por conivência com o regime de exceção. Quem assistiu ao filme ou leu o livro sobre o “Cálice de Fogo” viu o incômodo que uma repórter causa a Harry por distorcer as informações que o bruxo dá em entrevistas.

J. K. Rowling sabe provocar sugerindo, sendo militante sem ser panfletária. Na escola dos estudantes de bruxaria há a divisão em casas. Sabe-se que os bruxos do mal têm em comum o fato de serem da casa “Salazar Sonserina”. Identificar a origem do mal com um nome desses é natural para quem viveu em Portugal e soube da ditadura de Salazar. Neste caso, valeu menos a história de Portugal e muito mais um manifesto contra todas formas autoritárias de governo.

Um certo Walldemorth é um bruxo cuja volta aterroriza o mundo dos bruxos. O bruxo do mal defende a idéia da bruxaria praticada somente entre bruxos de “sangue puro”. Um certo Draco Malfoi é um garoto que segue esse pensamento. Malfoi é loiro e debocha dos personagens que são pobres ou de “sangue ruim”, como os amigos de Harry, Ermionne e Ronny. Impossível não associar a idéia de “pureza” de sangue de Malfoi ao discurso nazista de “raça-pura”. Experimente trocar o nome de Walldemorth por Hitler e descubra que o mal é muito mais terreno do que parece no mundo da fantasia.

A história de Harry Potter prende a atenção por ser bem contada. É um anti-herói pobre e modesto. Seus amigos vencem pelo estudo, lealdade e ética. Para J.K. Rowling não é o sangue, a raça, a origem familiar ou a cor da pele que definem uma pessoa, mas sim o seu caráter. A autora soube contar uma história bonita e interessante, em que a mensagem deixada por Mantém Luther King não ficou desagradável. Muitas mensagens podem ainda ser tiradas de um mundo criado por uma escritora que demonstra preocupação ao escrever para crianças e jovens. Conhecer o mundo de Harry Potter é saber que lidar com crianças e adolescentes requer seriedade. Pena os autores de Malhação serem tão atarefados com enredos que visam despertar o consumismo, o sexo, o narcisismo e a superficialidade. Harry Potter também passa mensagens. Não sabemos se por sua origem britânica o faz com classe e elegância. Temos apenas a certeza de que ter compromisso com a ética e mensagens dignas não exige nenhum tipo de bruxaria. Ainda que se recorra a ela como pretexto em romances agradáveis e divertidos.
Muitas crianças e jovens de vários países aguardam a estréia do mais novo filme. Há adultos também. Entre pais, tios e tias, padrinhos e madrinhas estão adultos que admiram boas histórias. Sejam para diversão, sejam para posteriores palpites...

Tuesday, June 05, 2007

Darwin é o cara

O palpiteiro foi conhecer no Masp algo sobre a vida daquele que mudou a forma de entender a vida de todos aqui na Terra: Charles Darwin. Manuscritos, fotos, ilustrações e muitos painéis para informar quem foi o homem. O palpite no dia foi: “Darwin foi O cara...”

Darwin era rico e descendente de uma família que prezava o conhecimento. Gente que o historiador Hobsbawm chamou de “burguesia progressista”. Pessoas de posses que destinavam parte de suas riquezas para o conhecimento. Humboldt na Alemanha, antiga Prússia, foi um desses exemplos, assim como Engels mais tarde. O próprio Santos Dumont foi um exemplo raro de uma família rica brasileira que seguiu parte desse caminho. Eram ricos diferentes, pois queriam algo imaterial, como o reconhecimento por suas idéias e atos. Diferentes de muitos ricos do século XXI que buscam reconhecimento apenas pelo que podem comprar. A Daslu aqui no Brasil é um notório exemplo. Uma repórter de Nova York chegou a escrever que a Daslu era um contraste num país onde a miséria das ruas só não era maior do que a indigência intelectual de suas clientes.
No século XIX, Darwin foi um gênio que até hoje dá o que falar. Sabia que sua teoria incomodaria e gastou décadas para aprimorá-la e então divulgá-la. Havia sido preparado durante a sua juventude para ser pastor e tinha consciência do quanto sua teoria poderia irritar alguns religiosos. Um tal Wallace, mais pobre e não menos genial, aproximou-se bastante da teoria de Darwin. Uma saudável competição motivou Darwin a publicar sua teoria. Ambos se respeitavam e Wallace teve a grandeza para reconhecer a maior consistência dos estudos do seu colega mais velho.
Conhecer essa história nos dá a chance de imaginarmos outras utilidades para o dinheiro. Carros e roupas envelhecem ou saem de moda. Podem morrer como seus donos, antes ou depois. Já disseram que os diamantes são eternos, mas depois de cem anos, ninguém se lembra de quem os lapidou ou os comprou pela primeira vez.

As idéias de Darwin e Wallace foram o grande passo para uma corrida que, iniciada no século XIX, ainda não cessou. Vacinas e antibióticos foram criados, mas precisam constantemente de atualização, pois vírus e bactérias podem também evoluir.

Assim a teoria da evolução das espécies nos possibilita a entender a vida como ela se manifesta: sempre dinâmica. Mais do que a própria teoria, talvez haja a possibilidade de aprendermos com a história de Darwin. Aprendermos e assim educarmos nossos ricos do século XXI, pois há muitas formas de se aproveitar a riqueza, como por exemplo, aprender com a vida.
Nota: A exposição de Darwin está no Masp e me parece que fica até o dia 14 de junho de 2007. Com carteirinha ou carteirada do estudante se paga R$7,00. Mesmo pagando-se o dobro é certeza de economia, pois parte do acervo pertence ao Museu de História Natural da Inglaterra. Ir a Europa para conhecer a história do homem das espécies certamente sairia mais caro...

Tuesday, April 10, 2007

Falando da vida alheia: Florestan Fernandes

Florestan Fernandes nasceu em 22 de julho de 1920. Era filho de uma mulher pobre que ganhava a vida como lavadeira no bairro do Brás, em São Paulo. Apesar da pobreza, Florestan teve um gosto especial para a leitura. Teve que trabalhar desde criança, razão pela qual não pode concluir os seus estudos. Assim, sua história não foi muito diferente das de muitos brasileiros pobres que não puderam terminar seus estudos. Mas Florestan foi um brasileiro diferente.
Quando trabalhava de garçom num restaurante do centro de São Paulo, despertou a curiosidade de alguns estudantes de direito da USP, lá no Largo São Francisco. Um garçom diferente. Educado, Florestan trabalhava com sobriedade. Mas sempre que podia, pegava um livro e se dispunha a ler, aproveitando as horas de menor movimento. Os estudantes se aproximaram de Florestan, tornando-se seus amigos e motivando-o a terminar sues estudos. Florestan Fernandes fez um curso supletivo para terminar o que hoje chamamos de Ensino Médio e, na época, Madureza. Florestan estudou mais e se formou mais tarde em Sociologia. Entrou na USP. Foi colega de curso de um jovem de origem libanesa chamado Aziz Nacib Ab’Saber. (ESSE PALPITEIRO ESCREVE AGORA COM BASE EM TUDO O QUE SE LEMBRA DE UMA PALESTRA DADA PELO PRÓPRIO AZIZ, SENDO QUALQUER IMPRECISÃO FRUTO DE LÁPSOS DE MEMÓRIA...).
Aziz disse certa vez que a amizade com Florestan surgiu naturalmente, diante das circunstâncias. Aziz não era tão pobre, mas era “turco”, tinha dois metros de altura e um inconfundível sotaque do interior de São Paulo. Era tímido. Aziz e Florestan sentavam-se próximos nas aulas do professor francês Roger Bastide. Eram tempos em que a USP tinha professores franceses que davam aulas em francês. Aziz às vezes não entendia alguma passagem da aula do professor Roger e se socorria com o colega. Florestan não se limitava a traduzir a aula. Em francês, aprofundava o que o professor havia dito, chegando ao cúmulo de corrigí-lo algumas vezes. Tudo em voz baixa... Bastide logo percebeu a inteligência do rapaz e o preparou para ser professor da USP. O filho da lavadeira pobre substituiu o professor francês. Devemos essa a Bastide...
Como professor, Florestan percebeu algo de genial num jovem estudante, chamado Fernando Henrique Cardoso. O filho da lavadeira que havia se tornado professor da USP não era preconceituoso e por isso deu grande ajuda para o desenvolvimento do filho do General, ex-aluno do tradicional colégio jesuíta São Luis, de São Paulo.
Mais tarde Fernando Henrique se tornou também professor da USP e, assim como Florestan, cassado após o Ato Institucional número 5, o famigerado AI-5. A história do Fernando Henrique muitos sabem, foi para a França. Curiosamente, poucos falam sobre Florestan. O “comunista” Florestan foi muito bem recebido nos EUA e deu aula na Universidade de Colúmbia. Os EUA podem ser qualquer coisa, menos burros. Viram o tesouro de conhecimento que era Florestan e o aproveitaram. Azar do Brasil, que por ter uma ditadura estúpida o perseguiu. Azar de quem não pode ter aula com ele na USP.

Florestan voltou ao Brasil, mas não à USP. Foi dar aula na PUC. A USP reconheceu mais tarde o valor do professor e o homenageou como “professor emérito”, título que poucos podem ter. A recém-inaugurada biblioteca de Ciências Humanas da USP fez uma exposição sobre Florestan, que dá nome ao novo prédio. Numa das fotos da exposição, uma linda e simbólica foto de Florestan abraçando o amigo Aziz Ab’Saber por ocasião do título de professor emérito.

Florestan se elegeu deputado pelo PT em 1986. O mesmo Florestan que antes, em 1977 foi dar aula em Yale, Universidade que forma a elite dos EUA. Aquela por onde andaram Bil Clinton e o tal George W. Bush. Florestan não servia para a ditadura, mas serviu para Yale... Como deputado, foi uma das referências para a elaboração da nossa Constituição. Os embates foram fortes e o professor funcionava como uma bússola em meio a tantas leis e projetos.

Mais tarde, Itamar Franco deu uma honraria da República, reconhecendo o valor de Florestan. Florestan apoiou Lula em 1994, mas quem levou a presidência foi seu antigo aluno, agora “FHC”. Para ele, Fernando. Florestan foi implacável nas críticas a Fernando. Fernando, agora FHC, sabia a profundidade e o alcance de cada uma delas. Florestan estava velho e doente do fígado. FHC deixou as divergências políticas de lado. Propôs a Florestan que se tratasse nos EUA. Deixou claro que o professor tinha esse direito, dada a prerrogativa da honraria que Itamar o havia concedido.

Florestan agradeceu e mandou dizer que era apenas um funcionário público como outro qualquer. Sugeriu que Fernando melhorasse a saúde pública brasileira, de modo que qualquer cidadão pudesse dignamente ser tratado no próprio país. Florestan foi operado e morreu. Morreu em agosto de 1995, com a dignidade que poucos no Brasil podem até hoje sustentar. Morreu digno e coerente ao que defendia. O professor Florestan era muito mais do que um garçom diferente: era um brasileiro diferente na suas atitudes e na sua importância. Até hoje pode ser considerado uma bússola...

Friday, March 16, 2007

SÃO PAULO, AS CHUVAS E AS TRÊS GRANDES BOBAGENS

Esse palpiteiro vive no hemisfério sul, ganha a vida dando aulas de Geografia e aprendeu antes de entrar na faculdade que em Dezembro se inicia o verão em São Paulo. Com ele as chuvas.
Para quem não conhece, São Paulo tem como marco inicial de sua formação o que chamamos hoje de Pátio do Colégio, um lugar onde os Jesuítas iniciaram um processo de aculturação e envangelização de índios. Quem for até o local, verá que fica numa área mais elevada do que o Tamanduateí. Além de estratégico para a defesa - afinal nem todos os índios queriam ser evangelizados...-, o lugar estava livre das inundações do verão, quando o tal rio transbordava. Pode-se dizer que esse foi o padrão de formação de São Paulo: áreas mais elevadas, como os topos de morros. Alguém que viesse à São Paulo do início do século XX observaria à noite não uma cidade contínua, mas várias. Cada topo de morro das áreas mais centrais com luzes acesas e vales inteiros ainda com a vegetação original, escuros.
Mas a cidade cresceu e foi se expandindo para as áreas disponíveis. Os vales foram gradativamente ocupados por casas e ruas. Os mais ricos- como reza a tradição - ocuparam os melhores lugares, ou seja, aqueles que não inundavam. Os mais pobres... E esse processo foi rápido: São Paulo tinha cerca de 100 mil habitantes em 1900. Hoje conta com mais de 10,5 milhões. Para compararmos, Londres hoje tem cerca de pouco mais de 7 milhões de habitantes, datando aproximadamente do ano 50 D.C. . Crescemos mais em menos tempo. E com menos dinheiro...
Uma grande característica da cidade de São Paulo foi a prioridade dada ao automóvel. Londres, Paris, Nova Iorque e Buenos Aires já tinham metrô quando os dirigentes de São Paulo optaram pelo carro. O Túnel da 9 de Julho, as grandes avenidas como a 23 de Maio e a Paulista são exemplos dessa tara pelo rodoviarismo.
Mas o exemplo maior dessa forma de crescimento da cidade está nas avenidas Marginais do Tietê e do Pinheiros. Geometricamente uma boa idéia. Duas grandes avenidas expressas, ao estilo das vias americanas, conduzindo os fluxos de automóveis nos sentidos norte-sul e leste-oeste. Para alguns poucos a idéia foi melhor ainda. Bastava construir as marginais bem próximas aos rios. Quanto mais próximas, mais espaços da várzea para serem valorizados e vendidos. Assim, foi um bom negócio comprar um brejo antes da contrução e vender depois um terrenão valorizado. Para isso era preciso apenas saber onde seriam construídas as avenidas, comprar o brejo, vendê-los e dar uma porcentagem do ganho ao político que deu ou vendeu a informação. Tudo isso sem meter a mão diretamente nos cofres públicos, mas fazendo a prefeitura dar lucro. Para poucos.
Faltou apenas combinar com as chuvas. Desde o tempo do Anchieta - o tal padre evangelizador - se sabia que as várzeas inundavam no verão. Ninguém em perfeitas condições de sanidade mental construiria em lugares inundáveis. Sobrava espaço então para o futebol. Campos de futebol às margens dos grandes rios e de seus afluentes. E assim, talvez nenhuma expressão seja tão paulistana quanto a do "futebol de várzea"... Mas nem todos dispunham de sanidade mental. A ganância para a obtenção de ganhos com obras superfaturadas, assim como a prática da especulação imobiliária com brejos loteáveis fizeram essa cidade que se orgulha de ser a maior do país se tornar refém de qualquer chuva mais forte.
A cidade continou crescendo e novas áreas foram ocupadas. Outro fenômeno se deu então. Simultânea à tara que São Paulo desenvolveu pelos automóveis, tivemos a fobia por terra. Toda e qualquer área com "mato" passou a ser cimentada. Esse palpiteiro ainda se lembra de sua infância quando visitava casas com quintais enormes cobertos com um piso de cerâmica bem vermelha. A moda passou e hoje é mais elegante ter pisos de ardósia no quintal, com a churrasqueira no fundo. Terra? Isso é coisa de pobre e "dá muito trabalho". Com tantas áreas cimentadas e com tanta ardósia, a água tem cada vez menos lugares para se infiltrar. Os geógrafos americanos estudaram muito isso e chamam de runoff o escoamento superficial de águas como as das chuvas. Menos terra, maior o runoff. Ou o escoamento superficial.
Bingo!! Conseguimos duas grandes bobagens num só processo: avenidas construídas em várzes de rios que se enchem muito rápido com um fluxo de água que não tem mais tanto espaço para se infiltrar. Enchentes.Mas faltava ainda a terceira grande bobagem. Como descrever tudo isso. Num país com péssima qualidade ensino, a geografia para muitos se limita ao conhecimento das capitais dos países ou para um bom desempenho no "Show do Milhão". Tentar compreender o uso do espaço pela sociedade e como esse tipo de uso pode comprometer nossa qualidade de vida se tornou conversa de chatos. Assim nasceu a terceira bobagam: jornalistas que explicam esses problemas apenas pelas chuvas. Exemplo dessa grande asneira são manchetes do tipo: "chuvas castigam São Paulo". Ou ainda sermões ridículos de jornalistas ignorantes que acreditam seriamente que a culpa pelas enchentes é de "quem joga lixo no chão". Na ignorância do jornalismo paulista reiside a confortável omissão frente aos reais problemas que afetam a cidade durante as chuvas de verão.
Alguns insanos chegam a utilizar o termo "caos urbano". Como se essa monstruosidade que construímos não tivesse nenhuma lógica. A lógica do ganho com a venda de carros, a especulação imobiliária e o superfaturamento na construção de ruas e avenidas nos explica muitos dos nossos problemas. Culpar a natureza pode ser muito mais do que ignorância. Atribuir a "São Pedro" ou a qualquer outra entidade espiritual as causas de nossos problemas não deixa de ser um ato de fuga e ou covardia. E enquanto combinarmos ignorância e covardia seremos bombardeados com essa pérola do jornalismo que se repete todos os verões: "CHUVAS CASTIGAM SÃO PAULO"...

Tuesday, February 06, 2007

Kassab cassou o debate

Quando o palpiteiro ingressou na Universidade em 1993, seguiu um conselho: assistir palestras. Descobriu o debate. Foi na universidade que o palpiteiro descobriu essa prática interessantíssima. Uma ou duas pessoas falam por alguns minutos, às vezes um hora, outras vezes até duas, dependendo da importância dos debatedores. Aí então a gloriosa sessão de perguntas. Ninguém é mais importante que ninguém. Uma pessoa habilidosa pergunta já provocando. O debatedor, se também for habilidoso, responde com ironia redobrada. Bons debatedores sabem agitar a galera. E, claro, a galera quer ver o circo pegar fogo. Vale quase tudo. Ironia, cara feia, emoção, indignação, raiva. Mas uma regra é fundamental: respeitar o direito do interlocutor se manifestar.
Foi assim que o palpiteiro viu um debate entre Mário Covas e Roberto Requião, durante a campanha entre Parlamentarismo e Presidencialismo, em 1993. Também viu Marilena Chauí, numa aula inaugural, debatendo com quem quisesse se manifestar o tema cultura e racismo no Brasil. A mesma Marilena Chauí que debateu a eleição presidencial de 1994 com Eva Blay. A primeira defendendo Lula, a segunda, defendendo Fernando Henrique Cardoso, pois era suplente dele naquele ano. Mais tarde o palpiteiro viu o candidato Lula debatendo com alunos curiosos questões sobre política, ideologia e rumos para o Brasil. Mas nenhum desses debates chamou tanto a atenção do palpiteiro quanto Aziz Ab’Saber e Fábio Konder Comparato. O primeiro, Geógrafo reconhecido internacionalmente, é capaz de arrancar lágrimas e gargalhadas em questão de poucos minutos de fala. Sua capacidade impressiona por adequar a fala ao tipo de público a que se dirige. Aziz é capaz de impressionar tanto professores doutores num auditório da USP, quanto qualquer um que assista a uma passeata da qual ele faça parte. O palpiteiro viu as duas situações... Fábio Konder Comparato faz mais o estilo do comedimento. Tem fala suave e postura acadêmica. Talvez o doutorado em Direito em Paris, tenha-o influenciado nesse sentido. Ab’Saber e Comparato fizeram um debate na Faculdade de Economia da USP certa vez. A mesma onde também estiveram tantos debatedores, como Aldo Rebelo e Delfim Neto. Por razões desconhecidas, o debate com Aziz e Comparato foi mal divulgado. Apareceram cerca de dez pessoas. Entre elas um palpiteiro em formação. Havia dúvida se o debate ocorreria. Os dois debatedores surpreenderam. Ao invés de se despedirem e voltarem tristes para casa pediram permissão para fazer algo diferente: descerem as cadeiras do palco e fazer um debate mais informal. Uma conversa com cerca de 15 pessoas em roda. Foi uma das maiores demonstrações de humildade e respeito que esse palpiteiro testemunhou. Um geógrafo disputado entre França e EUA e o advogado de acusação contra Collor no processo de impeachment conversando com simples estudantes de graduação. A regra foi respeitada. Exposição dos debatedores e perguntas de uma platéia de 13 pessoas. Respeito à regra e às pessoas que quisessem se manifestar. Nada de especial. Apenas uma questão de civilidade.
Anos mais tarde, houve uma discussão acalorada na Faculdade de Humanas da USP. A discussão era sobre o fechamento do acesso ao prédio. A TV Globo cobriu o primeiro dia de discussões. Apresentou uma matéria completamente distorcida no seu jornal SP TV. Muitos ficaram indignados com a atitude da emissora. Dias depois, novas discussões. Uma equipe de reportagem da Globo apareceu. Imediatamente, alguns alunos se manifestaram contra ela gritando “fora satanás”... A equipe da emissora ficou preocupada. Democraticamente a galera colocou em votação a presença da Globo no auditório. Ganhou o não. O palpiteiro comemorou como uma criança idiota uma vitória que foi motivo de vergonha. Regina Sader, professora cassada no período da ditadura, estava ao lado do palpiteiro. Ela não viu a euforia com a qual o palpiteiro comemorou a expulsão da Globo. Apenas olhou e disse: “Que absurdo! Lutamos tanto pela liberdade de expressão e agora não permitimos o trabalho de uma canal de televisão...” O palpiteiro acenou com a cabeça, ao mesmo tempo concordando e se sentindo um lixo anti-democrático pela atitude imbecil. Lembrou-se então da lição dos franceses: “posso não concordar com nenhuma palavra do que você fala, mas defenderei até à morte o direito de dizê-las”. É assim que aprendemos a conviver. Lição essa que vale para todos, palpiteiros ou não.
Vale até para quem se julga acima das pessoas comuns, como esse tal prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab que ontem expulsou aos berros um idoso que se manifestou contra ele. O debate é uma prática humana que vem de tempos muito antigos. Sobreviveu ao fim da Grécia Antiga. Sobreviveu ao Império Romano. Resistiu à repressão religiosa da Idade Média. Venceu tanto a ditadura soviética quanto as ditaduras do Nazismo na Alemanha e do anti-comunismo de Argentina e Brasil. A necessidade e a força do debate resistem ao tempo e às pessoas que a ele se opõem. Kassab haverá de passar. Que fique o debate...

Wednesday, January 31, 2007

27 de Janeiro

Com tanta poluição noticiosa, às vezes somos levados à busca incessante pelo que acabou de acontecer. Ao ficarmos sabendo do fato mais recente já nos preparamos para o seguinte, sem nos darmos conta de que acompanhamos muito apreendendo pouco. Nesse turbilhão de notícias das últimas semanas uma data foi pouco lembrada: 27 de janeiro. Neste dia, em 1945, tropas soviéticas liberaram o campo de Auschwitz.
Tratava-se de um complexo militar-prisional onde pessoas eram presas, submetidas a trabalhos forçados e exterminadas. Era um complexo, pois envolvia tanto a prisão quanto o extermínio e o trabalho escravo. Já houve um tempo em que esse palpiteiro buscava informações sobre as atrocidades praticadas nos campos de concentração do nazismo. Nessa busca, o palpiteiro aprendeu que os judeus assumiram o compromisso de jamais esquecer. Seja pela memória dos que morreram, seja pelo sofrimento daqueles que sobreviveram ou tiveram seus parentes assassinados. Há pelo menos uma década e meia o palpiteiro tem procurado ir além das meras descrições. E a pergunta principal é: por quê?
Uma explicação é a desumanização da pessoa, e aqui devemos a aula a Hanna Arendt. A base das atrocidades praticadas contra a humanidade no século XX foi justamente uma visão na qual a pessoa aparece como massa, nunca como indivíduo. Assim, quando colocados no coletivo, não são assassinadas pessoas, mas grupos. Por exemplo: nessa visão, não foi a Anne Frank e nem a Olga Benário que morreram em campos, mas simplesmente “judias”. Do mesmo modo, não foi alguém em especial que assassinou pessoas, mas sim “os nazistas”. O palpiteiro achou genial essa explicação, pois é humana. Imagine que um idiota qualquer como um pacato covarde, cumpridor de suas obrigações na escola, no trabalho, na igreja ou na família. Imagine esse mesmo idiota vestindo uma camisa de alguma torcida organizada. Seja lá qual for. “O médico e o monstro”. Grande transformação. Coletivamente, o idiota sente-se forte. Imbatível, já não mais atende por si, mas pelo grupo ao qual integra, com grande euforia. Mas a euforia é ainda mais fermentada se envolver ódio. Daí a necessidade de uma torcida adversária. Esse palpiteiro já viu muito desses idiotas na vida. Se alguém quiser comprovar faça uma experiência simples. Aproxime-se do infeliz e demonstre interesse pelo grupo ao qual ele se orgulha em fazer parte. Ficará mais convincente se puder escolher alguém de uma torcida do time pelo qual você mesmo gosta. Seja bom ouvinte. Com tempo, tente separar as histórias banais, das histórias que envolvem as brigas contra pessoas de outras torcidas. Não se assuste se notar um forte brilho nos olhos do idiota-covarde-brigão. Pronto, você não está mais diante de um indivíduo, mas de um fragmento de massa...
O problema será se você achar que todo membro de torcida organizada é por princípio um idiota-covarde-brigão. Daí ele poderá também lhe analisar e você poderá ter uma grande surpresa ao saber como é fácil pensar como massa e classificar os outros como grupo e nunca como pessoas.
Agora imagine essa forma de pensamento num exército. Bandeiras gigantes e marcha sincronizada e, claro, um líder raivoso para agitar toda a galera... Esse palpiteiro descobriu que é muito fácil chamar Hitler de louco e imaginar um país inteiro como a Alemanha se comportar como os ratinhos que seguiram o flautista da história infantil. Houve quem concordasse, quem lucrasse e quem apenas se omitisse diante de tal acontecimento.
Tentar entender como tudo isso aconteceu é não esquecer Auschwitz. Admitir que nossa condição humana nos permite ver o outro e a nós mesmos como parte de grupos e não como indivíduos é não esquecer que Auschwitz pode voltar com outros nomes, em outros lugares. Pode voltar no Iraque, pois não seriam crianças morrendo, mas “insurgentes”; pode ser no sul do Líbano, pois não seriam velhinhos mortos em casas bombardeadas, mas “terroristas”; pode ser no Capão Redondo ou na Brasilândia em São Paulo, onde no lugar de jovens mulatos mortos pela PM teríamos “bandidos”. Lembrar Auschwitz é pensar que não se trata apenas de um lugar, mas sim de uma prática. E reconhecer essa prática é um dos primeiros passos para evitar sua repetição. Jürgen Habermmans disse que “não é estúpido acreditar que existam neonazistas na Alemanha mas que existam APENAS na Alemanha”. Foi pensando nisso que lembramos 27 de janeiro de 1945. o “por quê” de Auschwitz seguramente tem muito mais do que essa explicação. Um dia palpitaremos sobre mais algumas.

Saturday, January 27, 2007

Roubando o Ibirapuera

Espaço público deve ser destinado ao interesse público. Isso é óbvio, mas não nem sempre verdadeiro. Quem assistiu a Copa de 2006 pela televisão entende isso. Um grande evento numa Alemanha cheia de histórias. Tentativas de revoluções, guerras e o nazismo, ensinaram a Alemanha que não se pode ignorar o próprio povo em nome de “interesses maiores”. Por isso aquelas cenas de praças lotadas com grandes telões para todos assistirem os jogos. Bastava arranjar um lugar na praça e se divertir. Dinheiro? Apenas para a cerveja e o salsichão... Os alemães gastaram muito dinheiro público para o evento. Não dava para deixar o povão de fora. Por mais ricos que eles sejam, foi preciso garantir ingressos aos estrangeiros e aos patrocinadores, o que excluiu muitos interessados do país em assistir os jogos. Como incluir o povão na festa? Telões.

Mas São Paulo é diferente. O palpiteiro foi até o Parque do Ibirapuera em 26 de janeiro de 2007. Aniversário de 50 anos do planetário. Mas também teve um troço chamado “São Paulo Fashion Week”. Seja lá o que for isso, foi um evento privado, para grandes empresas e para imprensa, e não para o povão. Estacionamentos reservados aos tais “vips”, pretensas modelos com botas de inverno no verão paulistano com 27 graus de temperatura e...Nada para quem quisesse apenas ir ao parque.
O mais interessante é que o evento é mostrado como se fosse algo grandioso para a cidade. Ninguém discute a importância econômica, os empregos gerados e etc... Mas com tanta grana rolando, não dava para ser num espaço privado, longe de quem quisesse apenas passear num parque público de uma cidade com tão poucas opções de lazer público de qualidade? O palpiteiro questionou uma autoridade municipal que por acaso estava no Planetário para as comemorações do dia 26 de janeiro. O tal Eduardo Jorge disse que o palpiteiro tinha razão. Explicou que era mesmo um absurdo a Fundação Bienal alugar seu espaço para a São Paulo Fashion Week. Acrescentou que além de não pagar nada à população de São Paulo, ainda a Prefeitura de São Paulo arcava com os custos de segurança, organização do trânsito etc... O palpiteiro perguntou se não tinha alternativa para reverter isso. O tal Eduardo Jorge disse que tinha, mas exigia uma licitação na qual a Fundação que controla a Bienal talvez pudesse perder.

O palpiteiro ainda não entendeu qual o problema da Bienal perder o seu espaço. Tendo tamanha importância, seria razoável imaginar que alguém com muita grana pudesse ajudá-la. Enquanto isso não acontece, não há licitação. A Bienal de São Paulo não perde seu espaço e a São Paulo Fashion Week continua com um espaço público de área verde reservado aos seus interesses privados, por um preço baratinho. Como podemos ver, há quem ganhe com tal situação. Quem perde? O cidadão que acredita que parques públicos municipais sejam de fato destinados à população...

Foi nessas circunstâncias que o palpiteiro viu um tal Kassab em frente ao Planetário. Parece que é o prefeito de São Paulo. O palpiteiro não resistiu e disse algumas palavrinhas nada doces ao senhor prefeito. Seus assessores e seguranças olharam feio. O prefeito deu uma risadinha amarela, foi embora e a cidade continuou a perder o parque do Ibirapuera...

Thursday, January 18, 2007

Any e a tragédia espetacular

Todo jornalista em começo de carreira aprende que “notícia é quando um homem morde um cachorro e não o contrário”. Uma criança morta por um cão feroz não teria o mesmo apelo que “homem mata pit bul a dentadas...” Tanto quanto a informação precisa e imparcial - seja lá o que for isso...- é preciso ter o talento para chamar a atenção daqueles a que se destinam as notícias e, assim, vender mais jornais, revistas ou aumentar a audiência do rádio, televisão e Internet. Mudam os meios de informação, mas no geral o objetivo é o mesmo: despertar o interesse pela notícia. Em tempos de férias surge o problema. As pessoas querem se divertir, viajar, namorar mais. Janeiro no Brasil é assim. Não é por outro motivo que o ano para as emissoras de televisão como a Globo começa em abril, início de outono e certamente pós-carnaval. Esse palpiteiro mesmo conseguiu ficar dez dias sem qualquer acesso a veículos de informação, no tradicional esforço de desintoxicação informacional que realiza sempre que possível, geralmente em Janeiro. Assim, ficou sabendo que um buraco engoliu terra de suas bordas e fez desaparecer um micro-ônibus com algumas pessoas dentro, além de outros desafortunados que estavam próximos ao local. Teve o conhecimento disso cinco dias mais tarde. Mas não deu outra: com três dias as coisas já estavam esfriando numa metrópole tão violenta como São Paulo e, uma tragédia como a que tivemos, gradativamente foi sendo incorporada na história e no cotidiano de todos. Porém a imprensa precisa de “notícias”. E junto com a terra movida pelos bombeiros, repórteres escavam fatos. É preciso piorar as coisas para que despertem a atenção de todos. Vale tudo: cenas de corpos cobertos em seu resgate e matérias sobre cadelas talentosas do corpo de bombeiros. Uma delas é chamada de Any, como soubemos nesses dias.
Esse palpiteiro passa com relativa freqüência na região do evento, já foi Office-boy e se formou em geografia numa Universidade banhada pelo rio Pinheiros. Mesmo após tudo o que apurou junto à imprensa, o palpiteiro ainda acredita que é mais perigoso ser roubado no Metrô que já funciona em São Paulo do que novas tragédias na parte em construção da dita linha Amarela. E numa quinta-feira chuvosa, o palpiteiro assistiu o filme “Os monstros estão de volta”, na sessão da tarde. Foi muito mórbida a situação na qual a Globo exibia um filme de comédia com a exaltação a cadáveres e assuntos fúnebres intercalando chamadas ao vivo do buraco, na qual um tal César Tralli tentava dar ar de seriedade e respeito ao andamento do resgate de alguns corpos da tragédia do Metrô. Também está sendo patética a forma pela qual Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo cobrem o evento. Manchetes já priorizam o termo “cratera”. Sim, não foi um buraco de uma obra do Metrô. Mas apenas uma cratera. Termo maroto esse. Preserva a companhia Pública responsável maior pelas obras e também o seu controlador, o Estado de São Paulo. O palpiteiro assume os riscos e questiona palpitando:

1) Um movimento de terras dessa magnitude não ocorre como avalanches de desenhos animados. Embora rápidos, há uma série de indícios que olhos atentos de engenheiros civis sabem identificar: fissuras no asfalto ou nas calçadas, por exemplo. Cá entre nós, se você fosse um engenheiro responsável por uma obra desse tamanho assumiria riscos? Arriscaria sua vida ou a de operários, sob a possibilidade de perder a própria vida ou a de responder processos por mortes de subordinados? Arriscaria perder o emprego por um incidente que chamasse a atenção da sociedade e que o tornasse um desempregado?
2) A segunda dúvida se relaciona à primeira: porque a única vítima entre os que trabalhavam na obra foi a de um caminhoneiro que voltou para pegar seus documentos? Teriam sido os outros avisados? Será que num buracão daquele tamanho não exigia a presença de NENHUM funcionário das empresas envolvidas? Sorte ou prudência de quem sabia que algo ruim poderia ocorrer?

Ao que parece, a imprensa quer fazer o homem morder o cachorro. Talvez a Any. Não nos parece que seja interessante questionar o cotidiano brasileiro de omissão de autoridades ou do poder que empreiteiras têm no país. Isso infelizmente nos indica que novas tragédias poderão ocorrer. E que a depender do nível de informação que a sociedade recebe, ficaremos mais no espetáculo da tragédia do que no combate àqueles que as causam. E coitados dos cachorros...