Wednesday, January 31, 2007

27 de Janeiro

Com tanta poluição noticiosa, às vezes somos levados à busca incessante pelo que acabou de acontecer. Ao ficarmos sabendo do fato mais recente já nos preparamos para o seguinte, sem nos darmos conta de que acompanhamos muito apreendendo pouco. Nesse turbilhão de notícias das últimas semanas uma data foi pouco lembrada: 27 de janeiro. Neste dia, em 1945, tropas soviéticas liberaram o campo de Auschwitz.
Tratava-se de um complexo militar-prisional onde pessoas eram presas, submetidas a trabalhos forçados e exterminadas. Era um complexo, pois envolvia tanto a prisão quanto o extermínio e o trabalho escravo. Já houve um tempo em que esse palpiteiro buscava informações sobre as atrocidades praticadas nos campos de concentração do nazismo. Nessa busca, o palpiteiro aprendeu que os judeus assumiram o compromisso de jamais esquecer. Seja pela memória dos que morreram, seja pelo sofrimento daqueles que sobreviveram ou tiveram seus parentes assassinados. Há pelo menos uma década e meia o palpiteiro tem procurado ir além das meras descrições. E a pergunta principal é: por quê?
Uma explicação é a desumanização da pessoa, e aqui devemos a aula a Hanna Arendt. A base das atrocidades praticadas contra a humanidade no século XX foi justamente uma visão na qual a pessoa aparece como massa, nunca como indivíduo. Assim, quando colocados no coletivo, não são assassinadas pessoas, mas grupos. Por exemplo: nessa visão, não foi a Anne Frank e nem a Olga Benário que morreram em campos, mas simplesmente “judias”. Do mesmo modo, não foi alguém em especial que assassinou pessoas, mas sim “os nazistas”. O palpiteiro achou genial essa explicação, pois é humana. Imagine que um idiota qualquer como um pacato covarde, cumpridor de suas obrigações na escola, no trabalho, na igreja ou na família. Imagine esse mesmo idiota vestindo uma camisa de alguma torcida organizada. Seja lá qual for. “O médico e o monstro”. Grande transformação. Coletivamente, o idiota sente-se forte. Imbatível, já não mais atende por si, mas pelo grupo ao qual integra, com grande euforia. Mas a euforia é ainda mais fermentada se envolver ódio. Daí a necessidade de uma torcida adversária. Esse palpiteiro já viu muito desses idiotas na vida. Se alguém quiser comprovar faça uma experiência simples. Aproxime-se do infeliz e demonstre interesse pelo grupo ao qual ele se orgulha em fazer parte. Ficará mais convincente se puder escolher alguém de uma torcida do time pelo qual você mesmo gosta. Seja bom ouvinte. Com tempo, tente separar as histórias banais, das histórias que envolvem as brigas contra pessoas de outras torcidas. Não se assuste se notar um forte brilho nos olhos do idiota-covarde-brigão. Pronto, você não está mais diante de um indivíduo, mas de um fragmento de massa...
O problema será se você achar que todo membro de torcida organizada é por princípio um idiota-covarde-brigão. Daí ele poderá também lhe analisar e você poderá ter uma grande surpresa ao saber como é fácil pensar como massa e classificar os outros como grupo e nunca como pessoas.
Agora imagine essa forma de pensamento num exército. Bandeiras gigantes e marcha sincronizada e, claro, um líder raivoso para agitar toda a galera... Esse palpiteiro descobriu que é muito fácil chamar Hitler de louco e imaginar um país inteiro como a Alemanha se comportar como os ratinhos que seguiram o flautista da história infantil. Houve quem concordasse, quem lucrasse e quem apenas se omitisse diante de tal acontecimento.
Tentar entender como tudo isso aconteceu é não esquecer Auschwitz. Admitir que nossa condição humana nos permite ver o outro e a nós mesmos como parte de grupos e não como indivíduos é não esquecer que Auschwitz pode voltar com outros nomes, em outros lugares. Pode voltar no Iraque, pois não seriam crianças morrendo, mas “insurgentes”; pode ser no sul do Líbano, pois não seriam velhinhos mortos em casas bombardeadas, mas “terroristas”; pode ser no Capão Redondo ou na Brasilândia em São Paulo, onde no lugar de jovens mulatos mortos pela PM teríamos “bandidos”. Lembrar Auschwitz é pensar que não se trata apenas de um lugar, mas sim de uma prática. E reconhecer essa prática é um dos primeiros passos para evitar sua repetição. Jürgen Habermmans disse que “não é estúpido acreditar que existam neonazistas na Alemanha mas que existam APENAS na Alemanha”. Foi pensando nisso que lembramos 27 de janeiro de 1945. o “por quê” de Auschwitz seguramente tem muito mais do que essa explicação. Um dia palpitaremos sobre mais algumas.

2 comments:

Unknown said...

Prof. Moraes, adorei as suas comparações nesse e nos outros palpites.
Não li todos, porem ja tive uma idéia de que sempre haverá novos textos no seu blog, abordando todo o tipo de tema.

P.S: Seu ex-aluno do Objetivo e seu fã Sr. Thiago Kucinski

Tudo de bom e abraços "Mestre"

Anonymous said...

O bom "Outro" a casa torna!
é... fazia uns dias que não passava por aqui, após comentar sobre o Kassab no orkut, resolvi passar por aqui, achei muito interessante esse texto...

aguardo o texto sobre o querido prefeito.... aquele que fez piadinha sobre a cratera do metrô!!!!

abrazzz