Saturday, December 07, 2013

A liderança de Mandela continua a unir

A morte de alguém oferece sempre a oportunidade para repensarmos muitas coisas. A morte de alguém como Nelson Mandela não deve ser diferente.

Madiba Mandela estava muito debilitado, tinha 95 anos e sua morte era esperada há meses. Muita gente apostou que ele morreria no hospital, quando estava internado por ter pneumonia.Até uma disputa familiar pelo direito de determinar o túmulo da família chegou a ser anunciada.

A imprensa nos últimos dias agiu como de costume. Biografia resumida em poucos minutos no rádio e na TV, ou publicada em páginas impressas deram a tonalidade emocional que mantém preciosos pontos de audiência ou alguma venda a mais para jornais e revistas em estado de coma. Nesses casos, é comum que a editoria prepare o material que será publicado tão logo se confirme a morte esperada. Anunciada ao mundo na tarde do dia 5/12, o Jornal Nacional dedicou um tempo considerável para o fato. Frases pinçadas, efeitos visuais e um bom material de arquivo certamente não foram improvisados naquele dia. 

Neste caso, a morte de Mandela para muita gente não se diferencia daquelas que recebem tratamento jornalístico mais prolongado. Jogadores de futebol, atores de cinema, políticos e tantos outros são igualados. Despertam alguma atenção e logo caem no esquecimento. 

Mas a partida de Mandela suscita outras condutas. A primeira é a de reconhecer que não foi apenas um ex-presidente de destaque internacional que morreu. Mas um líder. Certamente um dos líderes que fizeram diferença no século XX. 

Presidentes muitos podem ser. Muitos foram e são. Mas um grande líder  não aparece todos os dias. Líderes de verdade conseguem reconfigurar seus povos e contribuem para mudanças de caminho. Verdade que alguns podem liderar para a catástrofe, como Hitler. Mas outros usam sua liderança para a construção de uma vida melhor. Os líderes que realmente fazem diferença são reconhecidos pela continuidade de suas iniciativas, para além de seu próprio tempo. A liderança talvez possa ser medida justamente por isso, pelo tempo de permanência das ações. E também pelo alcance espacial delas. Certas realizações podem ultrapassar fronteiras. E por isso Mandela se destaca. Pelo alcance de sua obra no tempo e no espaço. 

A África do Sul teve um regime político racista dos mais vergonhosos do século XX. Mandela foi um líder da oposição contra ele. Agiu politicamente desde o início. Optou pela luta armada e não negou isso, jamais. Foi preso por pouco mais de um quarto de século. Sua filha mais nova tinha 2 anos quando ele foi encarcerado. Ele só a reencontrou a poucos anos de sair da prisão, quando ela já era mãe, com mais de 24 anos de idade. 

É impossível entender Mandela sem considerar o tempo em que foi preso. Quebrava pedras de calcário e dormia em péssimas condições. Teve muito tempo para pensar, sofrer e sonhar. Quando foi solto, não apenas a África do Sul o considerava um líder. Mas todo o mundo. Campanhas internacionais foram feitas para libertá-lo. 

Quando Mandela foi solto, ele tinha mais de 90% do país em suas mãos. Não tinha o poder de direito. Mas tinha de fato. Qualquer ser humano teria partido para a vingança contra os brancos. Mas Mandela não foi um ser humano qualquer. Conciliou com a minoria branca, que numericamente era reduzida. Mas militar e economicamente muito forte. Muitos acusam Mandela de ter feito muitas concessões e que por conta disso, as desigualdades entre brancos e negros ainda permanecem. Talvez seus críticos tenham certa razão. Mas um fato é indiscutível. Muitos eram aqueles que apostavam numa guerra civil com um esperado massacre do minoria branca. Um genocídio anunciado e não raro nas décadas de 1980 e 1990. Todas as apostas  num desfecho violento do Apartheid foram erradas. É bem razoável acreditar que as previsões mais pessimistas guardavam o equívoco de subestimar a capacidade política de Mandela.  


Por muitas décadas, uma parte significativa da minoria branca que detinha o poder acusou Mandela de comunista, corrupto, imoral e demagogo. Quando perguntado sobre isso, mesmo que indiretamente, Mandela sacava a frase feita: "Não sou santo...". 

Curioso notar que as grandes realizações se sobrepuseram aos erros do líder sulafricano. Uma dessas realizações foi o resgate da história do Apartheid na Comissão da Verdade e Reconciliação. Mandela entendia que não era o caso de partir para uma revanche, mas também que isso não significava a ocultação dos fatos ocorridos. Era preciso que seu país e que outros povos soubessem a verdade, para que os erros não fossem repetidos. 

Com o tempo, os detratores internos de Mandela se calaram. Muitos brancos não o suportavam mas, diante da força de sua liderança, simplesmente deixaram de se manifestar. 

Falar em lideranças que pregam a paz e defendem soluções negociadas parece algo impossível no Brasil de hoje. Certos segmentos da sociedade brasileira acostumaram-se mal. Passaram a confundir divergência política com inimizade. Críticas com ofensas.E tristemente não têm sido raro vermos
comemorações do câncer alheio ou do sofrimento daquele de quem se discorda. 


A presidência da República emitiu nota que a presidente Dilma irá ao funeral de Nelson Mandela. Na viagem a África do Sul, Dilma terá como convidados 4 ex-presidentes da república. Lula, FHC, Collor e Sarney aceitaram o convite. Não faltarão críticas ao desperdício de dinheiro público ou ao interesse de auto-promoção. Mas não deixa de ser interessante imaginar um bate-papo entre Lula, FHC, Dilma, Collor e Sarney no mesmo avião, por horas. Lideranças políticas de diferentes pesos, com pensamentos distintos e biografias muito peculiares. 

Em tempos de manifestações políticas marcadas pelo ódio e outros rancores, saber que Dilma, Lula e FHC terão a oportunidade de conversarem por horas, sem a presença da imprensa, é muito relevante. Entre os tantos motivos de conversa, certamente estará a vida de Mandela. Se Lula, Dilma e FHC tiverem juízo, farão um balanço honesto de tudo o que fizeram de bom e de ruim para as relações políticas do Brasil. Se tiveram a grandeza que se espera de ex-presidentes, chegarão à conclusão de que o Brasil carece de modos menos virulentos de tratamento entre adversários. 

A possibilidade de que as relações entre líderes petistas e do líder tucano possam ser menos agressivas não significaria a conciliação oportunista. Estaria muito mais próxima de um troço que chamam de civilidade. 

Mandela lutou pela união de seu país e o mundo reconhece isso. Não custa sonhar que possa fazer isso para além de suas fronteiras nacionais. Que o exemplo de Madiba Mandela sirva de assunto no avião da presidência da república.