Saturday, December 30, 2006

Execução e farsa para Sadam Hussein

Quando acabou a Segunda Guerra Mundial em 1945 havia um sentimento mundial de alívio e esperança. O alívio se justificava pelo que representou aquela guerra, pois a humanidade provou definitivamente que podia matar pessoas em escala industrial. Em 27 de Janeiro de 1945 os soldados do Exército Vermelho da antiga URSS liberaram o campo de Auschwitz. Além das vidas dos presos que foram salvas, os soviéticos conseguiram um material muito precioso: filmes e documentos que provavam as execuções em massa feitas pelos nazistas. Esse material foi utilizado como provas contra os criminosos de guerra. Realizado em Nuremberg, o julgamento dos criminosos nazistas trazia uma carga enorme de simbolismo, uma vez que se tratava justamente da cidade onde Hitler anunciou muitas de suas leis racistas. Os nazistas julgados e condenados à morte foram enforcados, pois o fuzilamento é um ato digno entre militares e simboliza um certo respeito frente ao inimigo derrotado e que tem direito a uma morte rápida e sem sofrimento. O enforcamento é destinado a assassinos comuns. Além da execução, era preciso dizer ao mundo as razões pelas quais os nazistas foram condenados. Mas o problema foi jurídico. Como poderia haver legitimidade num tribunal de guerra no qual os vencedores julgaram os derrotados? Um tribunal penal internacional seria mais apropriado, mas não permitiria algo tão importante que é a demonstração de Poder dos vencedores. Mais do que justiça, os Aliados procuraram demonstrar força no julgamento de Nuremberg.

Entretanto a esperança foi fortalecida. Os EUA assumiram o discurso dos valores humanitários e, em que pesem os atos de hipocrisia e manipulação, ninguém pode negar a importância da sua participação na derrota alemã, assim como da URSS. Na guerra do Vietnã o feitiço virou contra o feiticeiro. Se para os nazistas os americanos quiseram encarnar o “bem”, no Vietnã assumiram o papel do “mal”, pois os abusos foram inegáveis. O massacre de My Lai se tornou tão simbólico quanto as imagens da menina vietnamita correndo nua e queimada pelo efeito da bomba de Napalm, o gel incendiário que os EUA lançaram sobre a população civil do país. Não é possível mobilizar tantos cidadãos nos EUA em nome da liberdade e da justiça durante a II Segunda Guerra e vinte anos depois praticar atos semelhantes no Vietnã. Deu no que deu, os EUA conseguiram uma forte oposição interna contra uma guerra tão sanguinária quanto inútil.

Desta vez é o Iraque. O país foi invadido em 2003 sem o consentimento do Conselho de Segurança da ONU. Nada prova que os EUA e o Reino Unido diziam a verdade quando alegavam que o país desenvolvia armas de destruição em massa. O governo de Sadam Hussein foi derrubado e o país ainda mais destruído, pois se tratava de uma terceira guerra desde 1980. Sadam foi preso. Um governo fantoche foi imposto ao Iraque. Os EUA afirmam que há legitimidade no novo governo, pois foi aceito pelos que votaram nas eleições que os próprios americanos organizaram. Faltou apenas convencer o povo iraquiano aceitar a legitimidade e honestidade de um governo que pode tudo no país, menos dominar o exército, obediente aos EUA, e controlar as reservas de petróleo, guardadas para futuros negócios... Ganha um Big Mac quem acertar quais empresas e qual o país serão privilegiados... Sadam foi executado hoje, sábado, às 6:00h no Iraque, 1:00h em Brasília. Tal como Nuremberg, o tribunal que o julgou declarou crimes contra a humanidade. Tal como Nuremberg, Sadam foi enforcado. O mesmo que teve apoio dos EUA na Guerra contra o Irã entre 1980 e 1988. Curiosamente, os crimes pelos quais Sadam Hussein foi condenado ocorreram no período em que recebia armamento e ajuda da CIA para conter o Irã. Tratava-se da Era Reagan, presidente morto recentemente e com o qual Sadam haverá de se encontrar no inferno. O vice de Reagan no período? George Bush, pai do atual Bushinho presidente dos EUA. Resumidamente, tivemos hoje a execução de um ditador assassino, condenado por um tribunal de um Estado governado por marionetes, que por sua vez estão a serviço de pelo menos duas potências que apoiaram Sadam no passado. E que o derrubaram com atos de força que ferem diversas leis e princípios internacionais, provocando a morte de tantas pessoas quanto Sadam provocou com suas armas químicas. Alguém já disse que a história sempre se repete, primeiro como farsa, depois como tragédia. Hoje tivemos a farsa.

1 comment:

Anonymous said...

Li a alguns anos atrás um artigo sobre a vida dos leões. Nessas comunidades, o leão mais forte, o "rei", de tempos em tempos para reafirmar sua supremacia copulava com os demais leões (e não leoas), literalmente os f&%$#*!
Parece que existe um paralelo com a nossa sociedade...