Thursday, March 07, 2013

O sábio silêncio

Capas do jornal O Estado de S. Paulo, nos dias 06 e 07 de Março de 2013:

Capa do jornal O Estado de São Paulo

Sobriedade. Imagem bem escolhida, com Chavez acenando para o povo, de costas. Para um presidente morto, com forte apoio popular, a capa do Estadão é respeitosa. Não exalta, não elogia. Não há adjetivo. O Estadão nunca apoiou Chavez. Jamais concordou com ele. Várias vezes o criticou e debochou dele em seus editorias. Mas o momento era outro. A morte, limite máximo do ser humano, estava colocada. Até mesmo diante do pior dos nossos inimigos o silêncio respeitoso é necessário. 
 

Capa do jornal O Estado de São Paulo

No segundo dia, o respeito aos fatos. "Venezuela se despede de Chavez e teme instabilidade". Sim, a imagem do cortejo fúnebre cercado por tanta gente é um reconhecimento da realidade. Fosse quem fosse Chavez, houve comoção popular. Mas o Estadão dá o recado: a coisa está feia por lá. O país não está seguro de uma transição tranquila, "teme instabilidade". Por dentro, crítica, ataques. O Estadão de sempre na oposição a Chavez e a quem dele se aproximou. Mas o que fica mesmo para a histórica, nas consultas rápidas que fazemos e faremos nos arquivos digitais, serão as capas dos jornais, mais do que seu conteúdo. Se por dentro o Estadão é o mesmo, por fora soube se resguardar. Apenas leitores argutos e interessados repararão na diferença entre o conteúdo ácido e a capa sóbria. Diga-se o que quiser do Estadão. Mas ainda há classe. Resta elegância, a despeito dos deslizes panfletários dos últimos anos.  
 
Capas do jornal "Folha de São Paulo, nos dias 06 e 07 de março de 2013:

 Capa do jornal Folha de São Paulo

E a Folha de São Paulo, o que escolheu? A palavra pesada, lúgubre, mórbida. O substantivo dolorido e doído. "Câncer". Na capa da Folha, Chavez não morreu, foi morto. A informação de sua idade não foi gratuita. "58", informa a versão impressa do jornalismo rasteiro que a TV brasileira mostra diariamente às 18:00h. Quem morre aos "58"? Partindo da generosidade que a Folha se referiu à idade de Chavez, não ao seu número de camisa, sapato ou de sorte. "58". Quem morre aos "58"? Os fracos, os que não puderam contar com a sorte. Os doentes e os enfermos. Morrem aos "58" os que sofrem acidentes. Morrer aos "58" é contradizer a imagem escolhida. Ao fundo, desfocada, a caricata foto de Che Guevara. Em primeiro plano o referido, num gesto de força, com a mão direita estendida. A imagem, malandramente escolhida faz referência à saudação nazista. O braço direito estendido. Quem duvida que procuraram alguma que tivesse com a mão aberta à semelhança de Hitler? Hitler? Sim, o ditador assassino que morreu na derrota alemã. Sim, a ideia é essa: ditadores às vezes morrem, Ou são mortos. Se a imagem mostra vitalidade, a manchete contradiz. "Câncer", "mata",  "58".
Mas faltava o tiro final. O irresistível uso do adjetivo. O qualificador do líder morto. "POPULISTA". Popular? Não. O que interessa é o julgamento. O corpo de Chavez ainda não havia sido exposto quando a Folha se decidiu pela manchete. Chavez foi para o inferno ou para o céu? Para a Folha não há dúvida. Era "populista". Ponto final. Chavez jamais irá se defender dessa última qualificação negativa dada pela Folha, com destaque, na primeira página. Cá entre nós: raramente pode se defender por lá. Se vivo estivesse, dificilmente teria esse direito. Chavez morreu. A Folha não mudou...

Capa do jornal Folha de São Paulo


A capa do segundo dia após a morte de Chavez é um exemplo do "estilo" Folha de ser. A imagem mais uma vez foi escolhida a dedo. Sim, havia muita gente. Mas há no alto, em destaque, um morro com casas pobres. A imagem comum, brasileira quase, de favela. O recado implícito é sarcástico. "Morreu o líder, mas vejam só a miséria..." Para aqueles que se acostumaram com o "estilo" Folha de "jornalismo" não é por demais exagero o pensamento "...pobres...Só pobres gostavam daquele populista...Gente ignorante..."
A manchete é ainda mais interessante: "Missão das tropas é eleger chavista, diz chefe militar". A mania da Folha em ter frases longas para capa de jornal é inusitada. Se pudesse, eliminariam essa bobagem chamada manchete. Por que não escrever logo o texto inteiro em letras grandes? O conteúdo, o mesmo de sempre. A  Chavez, o "ditador", nada mais óbvio do que "tropas" se manifestarem politicamente. A mensagem da Folha segue seu padrão de "jornalismo". Chavez era um "ditador" e seu grupo permanecerá no poder pela força. Se isso vai acontecer ou não é outra história. O que interessa é apontar o caminho de uma ditadura. Nem que seja fantasiosa, sugerida ou desejada.
 
Quem quiser se divertir ainda mais com a histéria gráfica da Folha, que leia o editorial da mesma edição dessa capa. Os fatos cedem lugar ao excercício da futurologia. E, no melhor estilo de humildade da Folha, o jornal dá a receita do que a oposição a Chavez deve fazer.
 
 
Um dia alguém irá fuçar a capa desses jornais no futuro. Talvez já nem saibam quem foi Chavez. Se vir primeiro a capa do Estadão pensará que houve a morte de um presidente Venezuelano. Se vir a Folha, terá certeza de que morreu alguém que não merecia respeito.
 
Um dia alguém se questionará por que alguns jornais não ultrapassam um século de vida.
 
O Estadão é de 1875.
 
A Folha? Não fez cem anos ainda. Escrevendo com a inconsequência dos adolescentes fica difícil acreditar que chegará a viver mais do que o Niemeyer.
 
Chavez morreu aos "58'. É razoável crer que muitos de seus detratores também não cheguem a durar um século. 
 
Chavez, ao menos morreu de Câncer. E suicídio jornalístico, existe? 

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