Thursday, November 27, 2014

A Fuvest deveria ser uma prova, não uma novela.

Há muitos a Universidade de São Paulo aplica provas para selecionar candidatos para os seus cursos. Há muitos anos que esse fato é visto, vivido, contado e sofrido de diferentes modos. Aqui o que se faz é apenas isso: acrescentar mais uma às diversas interpretações e lendas que o exame seletivo da Universidade de São Paulo inspira.

O mais curioso na abordagem no processo seletivo da Universidade de São Paulo é a sua narrativa. Na era do "jornalismo de novela", a história rende com um enredo simples, personagens marcantes, herois, vítimas, vilões e um final feliz. E todos os anos, no mês de novembro, a mesma novela é veiculada no noticiário e surge como temas de conversas familiares, amigos e outros grupos carentes de maiores distrações. 

Essa novela digna da programação vespertina do SBsTeira tem títulos e nomes que já foram incorporados em nossa linguagem. O exame seletivo para ser facilmente assimilado pelos espectadores da novela foi simplificado pelo singelo "Fuvest", sigla da Fundação Universitária para o Vestibular. A própria universidade também foi reduzida a uma sigla, USP. 

Esqueça a história de que o exame já fora feito de diferentes formas para diferentes cursos, que já incluiu entrevistas orais ou que já fora aplicado em conjunto com outras universidades. Não leve em conta que a Fuvest aplica uma prova com um objetivo tão simples quanto cruel, que é milhares de pessoas, muitas delas com pleno potencial de aproveitamento acadêmico. Desconsidere o necessário questionamento a respeito dos critérios levados em conta para a elaboração das provas que são consideradas muito boas, mas que a sensatez lembra que estão longe de serem perfeitas. Muito longe. 

A novela da Fuvest exige que tudo seja reduzido à sigla. Isso agiliza a conversa, evita maiores reflexões e garante a popularidade. A audiência gosta e repercute. 

O enredo da novela poderia ser resumido "à saga dos bravos guerreiros que enfrentam muitas dificuldades para garantir seu lugar ao sol". Ou " a conquista da honra de ser tornar uspiano". Ou " a garantia de que o futuro será melhor para aqueles que vencerem". Ou ainda que "os melhores prevalecerão". Cá entre nós, não há novela sem exageros e dramas. 

Como todo enredo, é preciso haver a construção de situações e personagens que nos levarão ao ápice e, para que tenha sucesso de público, apresente um final feliz. 

Assim, a história abrange o "professor legalzão" do cursinho, que diverte e "ensina brincando". A menina que estuda 16 horas por dia e que almeja uma vaga no curso de medicina e confessa seu sonho: "quero ser pediatra" ou de que "gostaria de ajudar as pessoas em programas de ajuda humanitária". Volta e meia aparece também o caso do vestibulando, aluno do cursinho que se destaca nos simulados, estuda muito e ainda tem tempo para malhar na academia, distrair-se com jogos eletrônicos, tocar guitarra, andar de skate, fazer jiu-jtso e ter uma namorada. Ou seja, um jovem como você, tão humano como qualquer um de nós, só que um pouquinho mais interessante que nossa mediocridade existencial pode admitir. 

O ápice da novela da Fuvest é precedido de matérias "jornalísticas" que primam pela originalidade. Todos os anos uma equipe do Jornal Hoje ou do Jornal Nacional filma a aula da véspera da prova, entrevista o professor para uma aula comum e verdadeira, pois, afinal de contas, quem entre nós já não assistiu a uma aula com uma equipe da Rede Globo na sala? O espetáculo deste tipo de "reportagem" conta ainda com "as dicas do que pode cair na prova" - como se todo mundo anotasse e conferisse depois. Para finalizar, a "matéria" é finalizada com as recomendações sobre o que você pode ou não pode fazer no vestibular e os horários de fechamento dos portões. Com frequência o âncora anuncia a próxima matéria, que normalmente surpreende por apresentar alguns times que irão jogar na reta final do brasileirão...      

O dia de realização da FUVEST é o ápice da trama que se repete em prosa e vídeo há tantos anos. Na falta de assunto, links com chamadas ao vivo mostram o congestionamento de veículos a caminho. À noite, as cenas de candidatos chorando diante de portões fechados anunciam o último capítulo. 

No mês de fevereiro a lista dos aprovados fecha o enredo da novela. Cenas de alunos emocionados, pais entrevistados em momento de jubilo e muitos rostos pintados. No intervalo comercial anúncios publicitários de universidades particulares ou cursinhos surgem como amparo àqueles que não puderam desfrutar da felicidade festejada e promovida pela TV. 

Estamos a pouco tempo da realização de mais uma primeira fase para Fuvest. Seja lá qual for a sua expectativa, sonho ou angústia, ela será realizada como tem sido há tanto tempo. Alguns irão bem e outros nem tanto. Pouquíssimos conquistarão pontos com folga para o curso desejado. Um número considerável de candidatos atingirá a nota mínima para a segunda fase de provas. A maioria lamentará a ausência do nome entre os convocados para a sequência do exame. Seja lá qual for grupo em que você esteja, o mundo continuará a ser maior do que essa prova. Todos os que se inscrevem na Fuvest desejam o mesmo. O fato de alguns conseguirem atingir seus objetivos e outros não, é explicado por uma série de fatores que antecederam a prova. Seu desempenho, seja lá qual for, é apenas um momento de uma vida escolar com experiências boas e ruins que fizeram sua história. 

E acredite, a história da sua vida é muito mais séria e importante do que uma prova de exame vestibular. Ou maior do que qualquer novela que simule uma realidade que não condiz com o que as emissoras de rádio e TV mostram todos os anos. A novela da Fuvest pode ser repetida, mas sua vida é única. Aproveite-a bem.   
  
  

3 comments:

Anonymous said...

Muito muito bom mesmo

Anonymous said...

Que texto é esse !!! muito bom mesmo, isso me consolou e me inspirou, simplesmente fantástico, a mídia foi criticada em uma perfeita análise, a FUVEST repeitada e a vida colocada em primeiro lugar, muito bom mesmo, te desejo sucesso professor !!!

Anonymous said...

muito bom mesmo, esse texto é perfeito, me consolou e inspirou após a FUVEST, são simplesmente fantásticos a análise e crítica sobre a mídia, respeito ao vestibulando e à grandeza do exame e a valorização da vida em primeiro lugar, "A novela da Fuvest pode ser repetida, mas sua vida é única. Aproveite-a bem".