Saturday, November 22, 2014

Moisés da Rocha, guerreiro do Samba, guerreiro da Paz.

Na era digital poucos meios de comunicação têm aproveitado tanto novas oportunidades quanto aqueles que se dedicam ao rádio. A invenção velha que as novas tecnologias turbinaram. Enquanto a TV perde para o youtube e os computadores para os celulares, o rádio parece não apenas ter se adaptado e resistido, mas sobretudo se fortalecido.

Diferentes das outras mídias, o rádio proporciona uma identidade singular. Tornamo-nos amigos de locutores, âncoras e repórteres. Assumimos paixões e ódios em relação a emissoras e programas. De vez em quando brigamos e mudamos de estação. As emissoras podem mudar, assim como as pessoas, mas a relação de lealdade permanece.

E poucos programas e radialistas podem ostentar a honra de ter tanta gente fiel e leal quanto ao que motiva esse palpite, escrito no dia da consciência negra. Pois quem explora o dial na Grande Paulo sabe que  há décadas há um programa peculiar e muito respeitado por quem entende de rádio e cultura brasileira: "O samba pede passagem", apresentado por Moisés da Rocha.

O programa de Moisés da Rocha pode ser apreciado na Rádio USP, na sintonia dos 93,7 Mhz, aos sábados e domingos, a partir do meio-dia. Ouvir "O samba pede passagem" é ter a oportunidade de conviver com a cultura viva, permanente, emocionante e marginalizada do samba, dos sambistas e de seus admiradores. Na verdade o programa prima pela simplicidade bem conduzida: é de entretenimento, pois proporciona o contato com a música que distrai e alivia a alma. É informativo, pois é o único canal de notícias que noticia ensaios de escolas de samba diversas, festas comunitárias, datas simbólicas e calendários de atividades ligadas ao mundo do samba. Mas o programa também é formativo, pois sempre é possível aprender algo sobre a cultura e a sociedade brasileira, por meio de histórias e entrevistas com gente que vive do samba, pelo samba e para o samba.

Mas o que diferencia não é o conteúdo, mas a proposta. Oferecer o contato com algo da cultura popular brasileira com a preocupação social, ética e humana. O samba, normalmente lembrado pela mídia grande apenas no carnaval ou pelos estereótipos de costume, é tratado com respeito, mais do que por admiração. Em "O samba pede passagem" sabe-se que a música é uma das manifestações legítimas da identidade que permite a luta comum pela liberdade de um povo. E todos os programas isso é lembrado na voz do insuspeito Plínio Marcos numa gravação que é mais do que um jingle ou chamada, mas o compromisso de quem produz, participa, apresenta e ouve. Como diz o apresentador, "tá todo mundo convidado!".

Mas afinal de contas, quem é Moisés da Rocha? O homem que defende o samba com carinho é antes de tudo tolerante diante das diferenças. Criado em Ourinhos e com formação Metodista, há quem estranhe quando o ouve desejar "axé" para as pessoas. Moisés da Rocha é antes de tudo um respeitador das diferenças de cor, cultura, classe social e religião. Canta no "Coral de Resistência de Negros Evangélicos". E também foi um guerreiro de fato, não apenas simbólico. Na década de 1950 o Brasil participou da missão de Paz da ONU no Canal de Suez e Moisés da Rocha foi um dos soldados enviados. O guerreiro do samba foi também um soldado em um cenário de guerra. Nos dois casos em missão de paz, como pode se conferido pelo que tem disseminado nas últimas três décadas. 

Numa entrevista à revista Trip, Moisés da Rocha declarou que seu programa "dá voz à periferia". Quem se dispuser a ouvi-lo poderá comprovar todos os fins de semana, a partir do meio-dia na rádio USP: "tá todo mundo convidado...". 

Em tempos de polarização política, ofensas gratuitas, preconceitos generalizados e falta de bons modos, é gratificante saber que há alguém que tem lutado com firmeza e coerência sem levantar o tom da voz ou ter qualquer manifestação agressiva. Alguém um dia disse que era preciso endurecer sem perder a ternura e Moisés da Rocha é simplesmente assim: duro em sua trajetória mas também terno. Este palpite é dedicado não apenas a ele, mas a todos que de um modo ou de outro se sensibilizam e reconhecem a importância do dia da consciência negra. E àqueles que almejam um país mais justo, solidário e fraterno.            




http://revistatrip.uol.com.br/so-no-site/moises-da-rocha.html

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