Wednesday, March 20, 2013

Um dos muitos mestres que já tive na vida

No garimpo virtual pode-se encontrar preciosidades. Um palpiteiro acidentalmente achou algumas, transcritas abaixo. Estão fora de ordem e quem quiser ler a íntegra dessas citações pode acessar o link ao final. O importante é saber quem é Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro. E que no Brasil há pessoas dignas, geniais e tristemente esquecidas pelos toscos "formadores de opinião"...
 
“A geografia não é para estar se fragmentando e se especializando mais e mais... É importante preparar os outros para ter liberdade quando criticar”
 
 
"Na universidade fui para o lado físico para não bisbilhotar a vida alheia como na geografia humana!"
 
"No primeiro dia de aula, entrei na sala, os alunos levantaram e fizeram um comício por causa do Ato Institucional e da política que estava fervendo. Os estudantes viviam reclamando da ditadura. Eles entraram, fizeram o comício, fiquei escutando e depois fui embora. Não foi hostilidade a mim, era um protesto geral."
 
"Pedir dinheiro para viajar é um direito do pesquisador, mas neste país de exceções, em que as crianças estão morrendo de fome e cheirando cola, me considero um privilegiado e pago a minha curiosidade, não vou tirar do contribuinte. Nesse ano, em Moscou, entrei para a comissão de problemas ambientais, o presidente era o Innokenty Gerasimov, um cientista de prestígio naquela academia. Foram 12 anos em que eu viajei na comissão. Em 1976 foi em Moscou, 1977 em Praga, 1978 na Nigéria, em Lagos, em 1979 na Rússia de novo. Depois, em 1980, no Japão, 1981, no México, 1982 em São Paulo, organizado por mim. Em vez de ficar preso numa cidade vendo paper, organizei uma excursão de quatro dias; o primeiro dia a gente foi em direção a Piracicaba, almoçou na beira do rio, que já estava poluído. Depois a gente continuou em direção a São Carlos, onde dormimos; o dia seguinte apresentamos os papers – a gente viajava um dia e trabalhava no outro. Você vem da Rússia, da Índia e tem de ficar trancado numa sala vendo papel que você pode ler depois? É uma pena, não é?".
 
"As partes se completam, não se pode ignorar o coletivo, mas também não se pode ignorar a parte interior do homem. Temos o direito de desenvolver uma percepção crítica, é importante preparar os outros para ter liberdade quando criticar e não seguir o rebanho fazendo tudo o que os outros fazem."
 
 

 

Thursday, March 14, 2013

Jorge é agora Franciso. Não é tolo e nem argentino

Conta-se que, durante a construção de Brasília, muitos embaixadores de países amigos procuraram as autoridades brasileiras para a compra de terrenos na nova capital. Os EUA foram os primeiros a fazerem sua proposta. Mas foram os terceiros a conseguir. Em primeiro lugar ficou o Vaticano, em segundo Portugal. A maior potência econômica e militar do planeta  foi deixada em terceiro plano, após um país pequeno da península ibérica e de outro que nem exército tem. 

Conta-se também que durante a ditadura brasileira o exército não temia quase nada. Reprimiu guerrilheiros, torturou, matou e ocultou os cadáveres de opositores. Aposentou professores universitários, bateu em operários e deu tapa em estudantes. Mas foi muito cuidadoso em relação a instituição mais respeitada pela ditadura civil-militar: a Igreja Católica. No início da década de 1970 um grupo de cardeais se reunia secretamente com um general muito católico, afim de manter as boas relações entre o exército e a Santa Igreja Católica no Brasil. O palpiteiro já viu fotos de um desses encontros, ocorrido em Petrópolis, RJ. 

Assim é a Santa Igreja na América Latina. Não tem a força das armas, mas das ideias, dos valores e do medo do inferno. Ademais, possui um dos maiores serviços de espionagem do mundo, em especial nos países de maior presença de católicos. O que um católico não diz no trabalho, entre os amigos ou a família o faz para o padre, pessoa de alta confiança em muitas comunidades. Qualquer paróquia é um centro de coleta de informações sociais, econômicas e políticas. Padres conversam com bispos, que conversam com arcebispos. Que se reportam a Cardeais. Que elegem Papas...

Em latim, Cardeal quer dizer "principal". Ninguém chega a esse posto se não for da mais estrita confiança da Santa Igreja. Uma instituição que nascida no Império Romano, que cresceu na Idade Média, resistiu à Reforma Protestante, à revoluções socialistas e duas guerras mundiais. A Santa Igreja é assim. Possui uma estrutura econômica, política e moral que ultrapassa o tempo e o espaço. 

Ninguém que tenha juízo briga com a Santa Igreja. Em 1989 os EUA invadiram o Panamá, com a missão banal de prender o presidente da República. Noriega, ex-colaborador da CIA, se refugiou num prédio da Igreja. Que negociou sua entrega com os EUA. 

Golpes de Estado e tentativas de Golpe contaram com a participação de parte do alto clero católico. Ditaduras também foram derrubadas com a participação de parte desse mesmo alto clero católico. Ascenção e queda de governos raramente ocorreram sem a participação direta ou indireta de autoridades da Santa Igreja. 

O novo Papa nasceu na Argentina, o que não quer dizer que continue a sê-lo. Foi-lhe dado o nome de Jorge, desde ontem tornado Francisco. Jorge não foi escolhido ao acaso. A Argentina é ainda um país de maioria católica, assim como o Brasil, México e a maior parte da América Latina. Naquele país, Jorge, hoje Francisco, foi sempre leal à sua Igreja. 

Conta-se que durante o sanguinário regime militar argentino ele foi hábil para jogar nos dois lados. Incentivou católicos da Teologia da Libertação ao mesmo tempo em que não atrapalhava a sua perseguição. Dizem que fora leal a pessoas de lados em conflito. Se agiu dentro da moral católica ou não, apenas ele e Deus devem saber com exatidão. 


A Santa Igreja tem um sério problema político para resolver. Suas riquezas estão concentradas na Europa, onde a perda de católicos tem sido forte, há mais de 5 décadas. A maior comunidade católica do mundo está na América, sobretudo latina, mas com minorias significativas nos EUA e Canadá. O dilema político é simples. O lugar onde há mais católicos não tem tanto poder de decisão política e econômica no Vaticano. O lugar onde há maior perda e crítica à Santa Igreja concentra o poder.

Um Papa da América não representa necessariamente uma vitória do continente ou um ganho de força na estrutura do Vaticano. A maioria dos cardeais com direito a voto é europeia. Dificilmente Francisco I mudará o Vaticano sem a anuência deles. 

O Papa é um rei de uma monarquia não hereditária com sucessão eletiva. Como chefe de Estado, um Papa atende aos interesses do que governa, não do país em que nasceu. Maldizer a escolha de um Papa nasicdo na Argentina é tão estúpido quanto comemorar uma eventual escolha de um Papa brasileiro. 

Jorge, hoje Francisco era Cardeal. Hoje é Papa. Há muito tempo que não é mais argentino.       

Thursday, March 07, 2013

O sábio silêncio

Capas do jornal O Estado de S. Paulo, nos dias 06 e 07 de Março de 2013:

Capa do jornal O Estado de São Paulo

Sobriedade. Imagem bem escolhida, com Chavez acenando para o povo, de costas. Para um presidente morto, com forte apoio popular, a capa do Estadão é respeitosa. Não exalta, não elogia. Não há adjetivo. O Estadão nunca apoiou Chavez. Jamais concordou com ele. Várias vezes o criticou e debochou dele em seus editorias. Mas o momento era outro. A morte, limite máximo do ser humano, estava colocada. Até mesmo diante do pior dos nossos inimigos o silêncio respeitoso é necessário. 
 

Capa do jornal O Estado de São Paulo

No segundo dia, o respeito aos fatos. "Venezuela se despede de Chavez e teme instabilidade". Sim, a imagem do cortejo fúnebre cercado por tanta gente é um reconhecimento da realidade. Fosse quem fosse Chavez, houve comoção popular. Mas o Estadão dá o recado: a coisa está feia por lá. O país não está seguro de uma transição tranquila, "teme instabilidade". Por dentro, crítica, ataques. O Estadão de sempre na oposição a Chavez e a quem dele se aproximou. Mas o que fica mesmo para a histórica, nas consultas rápidas que fazemos e faremos nos arquivos digitais, serão as capas dos jornais, mais do que seu conteúdo. Se por dentro o Estadão é o mesmo, por fora soube se resguardar. Apenas leitores argutos e interessados repararão na diferença entre o conteúdo ácido e a capa sóbria. Diga-se o que quiser do Estadão. Mas ainda há classe. Resta elegância, a despeito dos deslizes panfletários dos últimos anos.  
 
Capas do jornal "Folha de São Paulo, nos dias 06 e 07 de março de 2013:

 Capa do jornal Folha de São Paulo

E a Folha de São Paulo, o que escolheu? A palavra pesada, lúgubre, mórbida. O substantivo dolorido e doído. "Câncer". Na capa da Folha, Chavez não morreu, foi morto. A informação de sua idade não foi gratuita. "58", informa a versão impressa do jornalismo rasteiro que a TV brasileira mostra diariamente às 18:00h. Quem morre aos "58"? Partindo da generosidade que a Folha se referiu à idade de Chavez, não ao seu número de camisa, sapato ou de sorte. "58". Quem morre aos "58"? Os fracos, os que não puderam contar com a sorte. Os doentes e os enfermos. Morrem aos "58" os que sofrem acidentes. Morrer aos "58" é contradizer a imagem escolhida. Ao fundo, desfocada, a caricata foto de Che Guevara. Em primeiro plano o referido, num gesto de força, com a mão direita estendida. A imagem, malandramente escolhida faz referência à saudação nazista. O braço direito estendido. Quem duvida que procuraram alguma que tivesse com a mão aberta à semelhança de Hitler? Hitler? Sim, o ditador assassino que morreu na derrota alemã. Sim, a ideia é essa: ditadores às vezes morrem, Ou são mortos. Se a imagem mostra vitalidade, a manchete contradiz. "Câncer", "mata",  "58".
Mas faltava o tiro final. O irresistível uso do adjetivo. O qualificador do líder morto. "POPULISTA". Popular? Não. O que interessa é o julgamento. O corpo de Chavez ainda não havia sido exposto quando a Folha se decidiu pela manchete. Chavez foi para o inferno ou para o céu? Para a Folha não há dúvida. Era "populista". Ponto final. Chavez jamais irá se defender dessa última qualificação negativa dada pela Folha, com destaque, na primeira página. Cá entre nós: raramente pode se defender por lá. Se vivo estivesse, dificilmente teria esse direito. Chavez morreu. A Folha não mudou...

Capa do jornal Folha de São Paulo


A capa do segundo dia após a morte de Chavez é um exemplo do "estilo" Folha de ser. A imagem mais uma vez foi escolhida a dedo. Sim, havia muita gente. Mas há no alto, em destaque, um morro com casas pobres. A imagem comum, brasileira quase, de favela. O recado implícito é sarcástico. "Morreu o líder, mas vejam só a miséria..." Para aqueles que se acostumaram com o "estilo" Folha de "jornalismo" não é por demais exagero o pensamento "...pobres...Só pobres gostavam daquele populista...Gente ignorante..."
A manchete é ainda mais interessante: "Missão das tropas é eleger chavista, diz chefe militar". A mania da Folha em ter frases longas para capa de jornal é inusitada. Se pudesse, eliminariam essa bobagem chamada manchete. Por que não escrever logo o texto inteiro em letras grandes? O conteúdo, o mesmo de sempre. A  Chavez, o "ditador", nada mais óbvio do que "tropas" se manifestarem politicamente. A mensagem da Folha segue seu padrão de "jornalismo". Chavez era um "ditador" e seu grupo permanecerá no poder pela força. Se isso vai acontecer ou não é outra história. O que interessa é apontar o caminho de uma ditadura. Nem que seja fantasiosa, sugerida ou desejada.
 
Quem quiser se divertir ainda mais com a histéria gráfica da Folha, que leia o editorial da mesma edição dessa capa. Os fatos cedem lugar ao excercício da futurologia. E, no melhor estilo de humildade da Folha, o jornal dá a receita do que a oposição a Chavez deve fazer.
 
 
Um dia alguém irá fuçar a capa desses jornais no futuro. Talvez já nem saibam quem foi Chavez. Se vir primeiro a capa do Estadão pensará que houve a morte de um presidente Venezuelano. Se vir a Folha, terá certeza de que morreu alguém que não merecia respeito.
 
Um dia alguém se questionará por que alguns jornais não ultrapassam um século de vida.
 
O Estadão é de 1875.
 
A Folha? Não fez cem anos ainda. Escrevendo com a inconsequência dos adolescentes fica difícil acreditar que chegará a viver mais do que o Niemeyer.
 
Chavez morreu aos "58'. É razoável crer que muitos de seus detratores também não cheguem a durar um século. 
 
Chavez, ao menos morreu de Câncer. E suicídio jornalístico, existe?